O desafio que Sobral deve enfrentar

Por mais de duas décadas, a educação em Sobral foi tratada como exceção: um município que conseguiu mostrar, na prática, que gestão, foco e acompanhamento pedagógico podem mudar o destino de uma rede de ensino - e não apenas de escolas isoladas. Mas o ciclo de melhoria de notas que marcou a trajetória sobralense pode estar chegando ao limite. E isso deveria preocupar não apenas quem governa Sobral mas a todos que se interessam pelo futuro da educação no país.

Em 2023, as notas de Sobral — que já eram altíssimas — dispararam de forma abrupta e surpreenderam até mesmo os que acompanham o tema de perto. Resultados excepcionais chamam atenção; explosões desse tipo acendem alerta. Uma rede excelente que rompe seu próprio teto de maneira tão rápida aumenta o risco de recuos igualmente intensos nos ciclos seguintes. Um inevitável recuo de Sobral na avaliação de 2025 não será lido como uma oscilação comum: será interpretado nacionalmente como sinal de desgaste. Essa volatilidade pouco usual coloca em risco um patrimônio que levou vinte anos para ser consolidado.

No SAEB de 2023, os alunos de Sobral alcançaram 333 pontos em Matemática no 5º ano e 354 no 9º ano, muito acima de qualquer expectativa razoável: para esse mesmo ano, a média das escolas privadas no Brasil foi de 254 para os anos iniciais e 295 para os anos finais. Trata-se de um desempenho extraordinário, mas implausível, mesmo considerando a excelente trajetória do município. Deu certo até demais. E agora?

Resultados tão acima de qualquer padrão histórico — mesmo quando comparados às melhores escolas privadas do país — são difíceis de manter por muito tempo. A experiência internacional mostra que desempenhos excepcionalmente elevados tendem a oscilar, especialmente quando influenciados por fatores conjunturais ou quando dependem de níveis de engajamento institucional muito elevados. É natural, portanto, esperar alguma acomodação nos próximos ciclos. Antecipar essa possibilidade não diminui as conquistas; ao contrário, permite agir preventivamente para que a eventual queda seja compreendida, contextualizada, e, na medida do possível, mitigada.

Primeiro alerta: no Pisa aplicado em Sobral em 2021 (Pisa for Schools) os alunos obtiveram 404 pontos em Matemática, acima da média dos estudantes da rede pública brasileira (379), mas bem abaixo das escolas privadas (456) e da média dos países da OCDE (472). O Pisa mede competências diferentes das avaliações nacionais, mas a discrepância chama atenção: resultados tão altos de Sobral deveriam refletir-se também em avaliações internacionais, ainda que com diferenças naturais de escala e conteúdo.

Essa divergência entre desempenhos locais e externos não é inédita na literatura educacional, mas a intensidade observada no caso de Sobral merece atenção. Quando o padrão se repete em diferentes instrumentos nacionais e internacionais, deixa de ser uma anomalia estatística e se torna sinal de que parte do que se mede no fundamental pode não estar se traduzindo em aprendizagem plenamente transferível ou relevante. Compreender essa distância é essencial para preservar os avanços obtidos com tanto esforço.

Segundo alerta: a mesma questão reaparece no final do Ensino Médio. No SAEB de 2023, os alunos de Sobral, já na escola estadual, alcançaram 291 pontos, desempenho superior às redes públicas do Ceará e do Brasil, mas distante do desempenho das redes privadas. É importante evitar explicações simplistas. Os alunos são, em sua absoluta maioria, os mesmos que estavam entre os melhores do país no 9º ano. Mesmo considerando que o Ensino Médio é estadual, não é esperado que estudantes que aprendem muito durante tantos anos apresentem queda tão pronunciada. A trajetória natural deveria ser de avanço, talvez mais lento, mas avanço.

Terceiro alerta: o Enem reforça esse padrão. Em 2013, a média da rede pública de Sobral (514) ficou praticamente igual à média nacional das escolas públicas (505), e muito abaixo das redes privadas (634). A vantagem observada nas séries iniciais e finais não aparece quando a régua muda ou quando o tempo passa. Não há uma resposta pronta para isso.

É possível que parte dessa diferença decorra da forte aderência do trabalho municipal ao currículo e às avaliações nacionais. É possível que haja maior compromisso das escolas e alunos em fazer bem o teste. É possível que haja flutuações estatísticas anormais - e que fatalmente voltariam ou voltarão a ser corrigidas já nos resultados do SAEB de 2025. Mas nenhuma dessas hipóteses, isoladamente, explica esse salto explosivo dos resultados.

Esses questionamentos não diminuem o mérito do que foi realizado. Nem levantam suspeitas de qualquer natureza. O que Sobral fez continua sendo referência nacional de boas práticas educacionais. Mas compreender melhor essa discrepância entre desempenhos — tão altos no Ensino Fundamental e sem qualquer brilho no Pisa e no Ensino Médio — pode ser o próximo passo para consolidar e aperfeiçoar o modelo.

Essa discrepância entre desempenhos indica que parte da vantagem acumulada não está se traduzindo plenamente em aprendizagens duradouras ou transferíveis para outros tipos de avaliação. Da mesma forma, a queda observada no fim do Ensino Médio — ainda que em outra rede — sugere que o percurso educacional pode estar esbarrando em limites estruturais que ainda não compreendemos. Nenhuma dessas constatações aponta falhas claras ou oferece respostas imediatas - apenas sinaliza a necessidade de investigação séria.

Sobral produziu um legado raro e valioso. Mas não fez escola. Agora, precisa liderar também a próxima etapa: a de transformar o êxito inicial em excelência consistente ao longo de toda a trajetória escolar e diante de diferentes desafios, como os do Pisa. E, sobretudo, algo que se possa reproduzir em escala. É um movimento que exige serenidade, diálogo e abertura — qualidades que sempre marcaram a experiência educacional do município.

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