O aumento de 91% dos salários dos parlamentares elevou a temperatura política em Brasília num dia tradicionalmente frio no Congresso – a segunda-feira. O mal-estar causado pela decisão das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado na última quinta-feira (14) de dobrar os vencimentos de deputados e senadores chegou ontem ao seu ponto máximo até aqui.
Ele se fez notar na apresentação de uma série de contestações de políticos e representantes de entidades da sociedade civil na Justiça, na adesão de dezenas de milhares de cidadãos indignados a um abaixo-assinado que tenta demover os congressistas da idéia (entre aqui para participar), no protesto solitário de um aposentado que se acorrentou no Senado e até no condenável gesto de uma pensionista que apelou para a violência física ao esfaquear o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) em Salvador.
Manifestou-se, ainda, no posicionamento da bancada do PT contra o aumento, num gesto que isola o candidato do partido à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), único petista a defender publicamente o novo valor. Mesmo com o crescimento da pressão popular, a cúpula do Congresso mantém a decisão de dobrar os salários dos parlamentares.
Veja os principais desdobramentos do caso ontem (18):
Aldo anuncia cortes e mantém decisão sobre aumento
Apesar do crescimento da onda contrária ao aumento, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), insistiu ontem na decisão de aumentar os salários dos parlamentares para R$ 24.500 e apresentou um programa de cortes de despesas para compensar o reajuste.
"A fixação do subsídio foi decidida em reunião dos líderes com a Mesa. E eles decidiram no sentido de aplicar o subsídio de acordo com o STF. Cabe ao presidente aplicar a decisão do colégio de líderes", afirmou.
Aldo e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entendem que um ato administrativo é o suficiente para regulamentar a decisão, pois há um decreto legislativo, de 2002, prevendo a equiparação dos vencimentos dos parlamentares aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teto do funcionalismo público.
O presidente da Câmara apresentou ontem um cronograma de cortes, sob a justificativa de que a economia possibilitará a elevação salarial sem custos extras. A maior parte dos cortes seria na manutenção e reformas de apartamentos funcionais. Além de R$ 18 milhões que seriam utilizados na construção do Anexo V da Câmara e de mais R$ 36 milhões da verba de custeio, incluindo pagamento de passagens aéreas e outras despesas pagas aos deputados.
Aldo também falou em outras medidas moralizadoras. A primeira delas é a criação de uma comissão de três deputados: Miro Teixeira (PDT-RJ), José Eduardo Cardozo (PT-SP) e José Carlos Aleluia (PFL-BA). Eles têm até o início de fevereiro para apresentar ao presidente da Casa um projeto de lei que regulamente o teto dos servidores do legislativo, fazendo com que nenhum funcionário receba acima do limite fixado: R$ 24.500.
O presidente da Câmara também disse que está propondo um outro decreto legislativo extinguindo os 14° e 15° salários dos deputados, fazendo com que o benéfico seja pago somente de quatro em quatro anos para os deputados eleitos ou no fim da legislatura. Aldo ainda defendeu o projeto de resolução que deve ser votado na próxima quarta-feira (20) que termina com 1.143 cargos de Natureza Especial (CNE), como forma de adequar o aumento dos parlamentares ao Orçamento do próximo ano.
Deputados vão ao STF contra aumento de 91%
Parlamentares contrários ao aumento de 90,7% em seus próprios vencimentos concedido na semana passada pelo Congresso protocolaram ontem (segunda-feira, 18) um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar o reajuste, que eleva de R$ 12,8 mil para R$ 24,5 mil o vencimento dos congressistas.
O principal argumento do grupo é que a decisão partiu de um ato das mesas diretoras da Câmara e do Senado, quando deveria ter passado pelo crivo dos parlamentares em plenário. “O ato da Mesa é inconstitucional. A Constituição é clara quando diz que o Congresso Nacional tem que votar o reajuste dos subsídios. Não estamos questionando o mérito, estamos questionando o ato em si”, justificou o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP).
“O mandado é contra a decisão da Mesa. Queremos garantir pela Constituição que o ato seja uma decisão do Congresso Nacional, votado em plenário”, afirmou deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que integra o grupo dos contrários ao aumento, defendeu que os parlamentares tenham um reajuste que leve em conta a inflação acumulada nos últimos quatro anos, o que faria os vencimentos passarem para R$ 16,5 mil.
“Acho que um aumento plausível seria a reposição da inflação, alguma coisa ao redor de 28%. Considerando salários e verbas que precisam ser reduzidas ou tornadas claras, eu acho que é mais que suficiente que se leve uma atividade parlamentar com dignidade e sem risco de perda da qualidade ou da representação”, afirmou.
PPS recorre ao STF para tentar suspender aumento
O PPS também protocolou no STF uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) em que pede uma liminar contra o reajuste salarial de 91% autoconcedido pelos parlamentares na semana passada.
A ação foi apresentada pelo presidente do partido, deputado Roberto Freire (PE), que contesta o decreto legislativo que autoriza as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado a equiparar os salários dos parlamentares aos dos ministros do STF. Curiosamente, o partido foi representado na reunião pelo deputado Coulbert Martins (PPS-BA), que votou a favor do aumento.
O partido também argumenta que não há previsão orçamentária para o reajuste e que o artigo 37 da Constituição impede a equiparação salarial no serviço público: "É vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”.
OAB também apela à Justiça
O presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB, Fábio Konder Comparato, entrou com uma ação popular na Justiça Federal em São Paulo para sustar o reajuste de 91%.
Na ação, ele argumenta que a Emenda Constitucional 19/98 determina que os subsídios dos congressistas devem ser fixados por lei especial, e não por ato das Mesas do Congresso: "É preciso que o cidadão entenda que ele só tem direitos quando ele os exerce", disse Comparato, um dos mais respeitados juristas do país.
PT se posiciona contra aumento e isola Chinaglia
Pressionados pela repercussão negativa do reajuste de 91% nos salários dos parlamentares, líderes do PT no Congresso decidiram ontem se posicionar contra o aumento. A posição do partido acabou isolando o candidato petista à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), líder do governo na Casa.
Chinaglia é o único deputado do PT a manter publicamente a defesa do salário de R$ 24,5 mil para os congressistas. Depois de uma série de notas e entrevistas de petistas, o líder do partido na Câmara, Henrique Fontana (RS), decidiu falar em nome da bancada: "A posição do deputado Chinaglia é pessoal. A bancada do PT é contra, e essa posição foi expressa desde o começo".
Além de Fontana, só o líder do Psol na Câmara, Chico Alencar (RJ), se manifestou contra o aumento dos salários durante a reunião da Mesa Diretora que decidiu sobre o assunto. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), que votou a favor do reajuste na semana passada, recuou e defendeu ontem que a decisão seja submetida ao Plenário.
"Não vejo como insistir nisso: é indefensável. Pior do que errar é permanecer no erro. Quero crer, e ouvi isso de outros líderes, que é caso de reavaliar", reagiu o vice-líder do PT na Câmara Fernando Ferro (PT-PE).
Ferro e os deputados petistas Walter Pinheiro (BA), Dr. Rosinha (PR), Maurício Rands (PE) e Tarcísio Zimmermann (RS) apresentaram ontem um documento propondo um decreto legislativo para alterar o valor acertado, de R$ 24,5 mil para R$ 16,4 mil. O decreto teria que ser aprovado pelo plenário da Câmara.
Mais de 37.000 já aderiram a abaixo-assinado contra o aumento
Neste instante, às 5h15, já passa de 37 mil o total de assinaturas registradas no abaixo-assinado contra o aumento de quase 91% que os presidentes da Câmara e do Senado e os líderes partidários aprovaram na última quinta-feira (14) em favor dos deputados e senadores.
Em campanha contra o aumento, o Congresso em Foco publicou ontem editorial sobre o assunto, fazendo um apelo para que os parlamentares voltem atrás e revoguem a decisão (leia). Também estimulamos os leitores a escreverem aos congressistas exigindo o recuo e a assinarem o abaixo-assinado, lançado no último fim de semana. Em menos de 24 horas, mais de 25 mil pessoas firmaram o documento, que qualifica a decisão dos parlamentares federais como uma "manobra oportunista e repulsiva, um verdadeiro acinte à dignidade e à honradez do povo brasileiro".
Mulher que esfaqueou ACM Neto se diz revoltada com aumento
A mulher que esfaqueou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) prestou depoimento na 16° DP de Salvador e foi autuada por tentativa de homicídio. Rita de Cássia Sampaio, 45 anos, foi presa em flagrante e prestou depoimento. Em seguida, ela foi encaminhada ao presídio feminino da capital baiana.Segundo informações da polícia, a mulher usou uma peixeira para esfaquear o deputado. O golpe atingiu as costas, mas foi superficial. ACM Neto está consciente e passa bem. Em observação, ele deve deixar o hospital de Salvador nesta manhã.No interrogatório, a mulher se confundiu ao justificar a agressão, mas mencionou o aumento de 91% no vencimento dos parlamentares, concedido na semana passada, como uma das motivações. Para o delegado Wilson Ramos, da 16ª DP, Rita demonstrou “desequilíbrio emocional”. "Mas quando ela falou sobre o aumento dos deputados apresentou muita convicção e segurança", observou o delegado. Rita de Cássia disse que há um ano esteve no escritório de ACM Neto pedindo ajuda para a liberação de parte do seu FGTS que estaria retido em uma empresa prestadora de serviços para a prefeitura de Ipiaú, no interior baiano. "O deputado não fez nada para liberar o meu dinheiro, mas apóia o aumento para os parlamentares, esta vergonha em um país de tantas vergonhas", disse a pensionista,
Aposentado se acorrenta para protestar
A indignação popular com o aumento de quase 91% nos salários de deputados e senadores rendeu uma prisão no Senado. O aposentado Willian Carvalho, 61 anos, acorrentou-se em frente ao gabinete do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para protestar. Após meia-hora de manifestação, foi detido pela Polícia Legislativa.
Carvalho, que se apresentou como cientista político e funcionário aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), amarrou-se a um pilar próximo à presidência do Senado. “É um aumento absurdo. Estão cuspindo na nossa cabeça”, dizia durante o protesto.
Antes de detê-lo, os agentes exigiram que Carvalho encerrasse o protesto, mas não foram atendidos. O aposentado foi interrogado pela polícia do Senado por mais de uma hora e assinou um termo de compromisso para se apresentar à Justiça Federal. Ele vai responder por desobediência à autoridade policial e por perturbação da ordem. As penas para casos como esses são alternativas.
Antes de ser detido, Carvalho recebeu apoio do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que acompanhou seu depoimento. “Isso é um sintoma do mal-estar e do sentimento de injustiça que o cidadão brasileiro tem em relação a esse reajuste”, afirmou o deputado.
Esposas de militares protestam contra o aumento
Um grupo de esposas de militares fez um protesto na rampa do Congresso Nacional contra o aumento salarial de 91% concedido aos parlamentares na semana passada.
Com narizes de palhaço, sete mulheres estenderam uma faixa preta (com cédulas coladas) em cima da rampa para manifestar o repúdio à medida. "Estamos protestando contra 91% de aumento. Isso é usurpação da nação", afirmou Ivone Lusato, representante da União Nacional das Esposas de Militares das Forças Armadas (Unemfa).
Nove em cada dez padres abordaram aumento em sermãoA orientação dada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de que fosse abordado nas missas do último domingo (17) o reajuste acertado pelos parlamentares na última quinta-feira (14) foi acatada por 90% dos padres de todo o país.
“Foi uma atitude perversa e desumana. Como eles puderam aumentar os próprios salários enquanto a maioria dos brasileiros vive com pouco mais de R$ 300?”, questionou o sub-secretário da pastoral da CNBB, padre Pedro Bassini, em missa realizada na Capela da Assunção, em Brasília.
A CNBB sugeriu ainda que o assunto fosse abordado nos sermões a partir da pergunta: “O que devemos fazer?”.
“Esta questão era levantada pelo povo que o seguia, pelos líderes da Justiça do seu tempo, pelos que mantinham o poder: O que devemos fazer? João Batista respondia com simplicidade, oferecendo critérios éticos de ação para a defesa da dignidade da pessoa humana: a partilha, a justiça e o poder como serviço”, ressaltou o presidente da instituição, dom Geraldo Majella Agnelo, referindo-se a João Batista, um profeta que, segundo a tradição cristã, teria sido designado por Deus para preparar a vinda de Jesus Cristo.