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Consolidação do mercado de gás depende de estabilidade regulatória

Especialistas apontam que previsibilidade e clareza federativa são decisivas para atrair investimentos e reduzir custos.

10/11/2025
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Quatro anos após a aprovação da Nova Lei do Gás (Lei 14.134/2021), o mercado brasileiro de gás natural apresenta sinais claros de evolução. O ambiente, antes concentrado, passa por uma abertura gradual, com diversificação de agentes, aumento da concorrência e novos formatos de contratação. Ainda assim, é unânime entre os agentes do setor que a continuidade dos avanços depende da consistência e previsibilidade da regulação e do respeito às competências institucionais para garantir segurança jurídica e atrair investimentos de longo prazo.

Abertura do mercado trouxe dinamismo, mas requer ajustes regulatórios

Segundo representantes do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a nova lei provocou mudanças estruturais. "Se em 2021 a Petrobras ainda concentrava praticamente toda a comercialização e contratava 100% da capacidade dos dutos, hoje já vemos produtores independentes, comercializadores puros e consumidores livres atuando com mais autonomia", afirma Sylvie D'Apote, diretora executiva de Gás Natural do IBP.

A evolução também se reflete no perfil dos contratos. Como explica Fernando Montera, gerente executivo de Regulação de Transporte e Distribuição do IBP, antes predominavam contratos longos e padronizados com as distribuidoras estaduais de gás natural, enquanto agora há "operações de compra de molécula e de capacidade de transporte com prazos mais curtos, que vão de um dia a uma semana ou um trimestre, ou ainda períodos customizados". Para ele, esse movimento indica amadurecimento, mas "ainda depende de ajustes para tornar o desenho de mercado cada vez mais favorável à diversificação e competição".

O processo de transição, porém, ainda exige refinamento normativo que precisa estar refletido nos processos de atualização e avanços do arcabouço regulatório atual. "Há pontos que ainda identificamos sobreposição de competências que precisam ser ajustadas para garantir estabilidade e eficiência", complementa D'Apote. Segundo ela, consolidar a separação entre as competências federais e estaduais é essencial para "evitar insegurança jurídica e assegurar coerência às regras de mercado".

Atores da cadeia do gás afirmam que abertura do mercado só se sustentará com regras estáveis e harmonização entre União e Estados.Arte Congresso em Foco

Consumidores industriais relatam ganhos na molécula, mas questionam aumento nos custos da infraestrutura

A abertura também começou a impactar a ponta da demanda. Para Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Abrace, a contratação direta ao pelos consumidores livres trouxe mudanças relevantes. "Negociar o gás sem intermediário permite adequar os contratos à realidade de cada indústria, trazendo ganhos de competitividade", afirma.

Entretanto, ele destaca que "os benefícios obtidos na aquisição direta da molécula ainda podem ser neutralizados pelo aumento de outros custos, se as tarifas de transporte e distribuição continuarem com tendência de elevação". Na visão da Abrace, ainda há desafios para que a abertura do mercado se converta em redução sustentada do custo do gás para o consumidor final.

"A abertura foi positiva, mas ainda não reverteu a queda no consumo industrial de gás", avalia Lorenzon.

Investimentos em infraestrutura dependem de previsibilidade regulatória

A expansão da malha de transporte é vista como indispensável para conectar novas fontes de suprimento ao consumo. Segundo Hélder Ferraz, diretor comercial e Regulatório da Nova Transportadora do Sudeste S/A (NTS), decisões de investimento só são possíveis com regras claras. "Projetos de transporte têm retorno de longo prazo. É indispensável que haja metodologias reconhecidas e estabilidade regulatória para viabilizar sua financiabilidade", afirma.

Além disso, ele alerta para o risco de formação de sistemas desconectados, caso as regras permitam iniciativas isoladas. "Evitar projetos ilhados é essencial para garantir eficiência sistêmica e evitar fuga de demanda da rede principal", diz.

Disputas entre competências federais e estaduais seguem como tema central

A definição da classificação de gasodutos permanece como um dos pontos mais sensíveis na agenda regulatória. Para o IBP, alterações no atual modelo - que atribui à esfera federal essa responsabilidade - podem fragmentar o mercado. "Se cada Estado definir o que é duto de distribuição e, por diferença, o que é duto de transporte, teremos um mosaico de regras que dificultará o desenvolvimento integrado almejado", afirma Sylvie D'Apote.

A diretora reforça que o objetivo da Lei foi atribuir ao regulador federal a construção de regras que defendem o interesse nacional. A infraestrutura de transporte tem escala e alcance para unir todas as fontes com todos os destinos, e desta forma estimular a competição e garantir segurança energética. "Mercados isolados tendem a ter menos players e elevar os preços", acrescenta.

Outra questão que está em discussão e cria barreiras para o desenvolvimento do mercado livre de gás é a regulamentação do agente comercializador. Pela Nova Lei do Gás, cabe à ANP, regulador federal, estabelecer as regras para a autorização e a atuação de comercializadores. "Diversos estados insistem em aprovar dispositivos como taxas de fiscalização à atividade de comercialização, que além de contrariar a Lei, oneram desnecessariamente o preço para o consumidor final", afirma Fernando Montera do IBP.

Consenso entre os agentes: clareza nas competências como condição para avançar

Apesar de atuarem em elos distintos - produção, consumo e infraestrutura - os entrevistados convergem em torno de um ponto: a estabilidade e previsibilidade das regras, inclusive o respeito das competências estabelecidas na Constituição e nas Leis é o elemento que garantirá a continuidade da abertura do mercado.

A clareza sobre competências federais e estaduais, aliada a uma regulação consistente e adaptada ao estágio de maturação do mercado, é vista como condição essencial para atrair investimentos e novos agentes, consolidar a concorrência e permitir que o gás natural cumpra seu papel estratégico como combustível da transição energética.

Sobre o IBP

O Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) é uma associação que representa a indústria de petróleo, gás natural e biocombustíveis no Brasil. A entidade atua para promover o desenvolvimento sustentável do setor, fortalecer o ambiente regulatório e contribuir para a transição energética.

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