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Congresso em Foco
9/1/2020 | Atualizado 10/10/2021 às 17:37
Na esfera da Câmara, outro destaque no ano legislativo da pauta socioambiental foi a instituição de um procedimento oficial de fiscalização e controle da Câmara dos Deputados, no âmbito da CMADS, para apurar responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente no monitoramento e combate a desmatamentos e incêndios florestais (PFC 27/2019) - autoria do deputado Nilto Tatto (PT/SP) sob a relatoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS) - aprovado por unanimidade após duros embates e negociações entre parlamentares de diversas matizes. Outro procedimento semelhante foi adotado para o derramamento de petróleo no litoral (PFC 35/2019), proposto pelo deputado Célio Studart (PV/CE) e relatado pelo deputado Daniel Coelho (CIDADANIA/PE). Os relatores podem responsabilizar autoridades, caso sejam constatadas irregularidades e crimes, através de um relatório final como uma espécie de "mini-CPI". Em relação ao derramamento de óleo, também foi criada formalmente uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI pela Presidência da Câmara, que tem como relator o deputado João Campos (PSB/PE).
O pacote anti-ambiental e o diálogo
Quanto ao mérito legislativo, o pacote de "reforma ambiental" em jogo em 2019 (represado para 2020) era estarrecedor, pois destruía a lei florestal, o licenciamento ambiental e o sistema nacional de meio ambiente. No que tange à tramitação legislativa, o cenário era mais pavoroso ainda, visto que, as matérias foram despachadas regimentalmente para comissões com composições e relatores extremamente desfavoráveis. Todavia, o extremismo das proposições foi tão exagerado, que abriu espaço ao surgimento de uma maioria racional e equilibrada, unindo setores supostamente antagônicos. Nesse cenário, o presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara criou regimentalmente uma "subcomissão agroambiental" para debater pautas convergentes entre setores e bancadas de ambientalistas e ruralistas. O diálogo entre o "agro" e os "verdes", respaldado por uma previsão regimental para as comissões da Casa, logrou bons resultados, como as votações do PSA e da MP 884/2019.
É evidente que o diálogo entre ruralistas e ambientalistas pode possibilitar a visualização futura de cenários com escalas mais elevadas de maturidade e equilíbrio nas questões socioambientais, tanto na esfera da macropolítica quanto no Congresso Nacional. Os principais setores do agro vinculados à soja, cana, gado, florestas plantadas e outros, não aguentam mais a condição semelhante de reféns políticos de um setor minoritário do agro, envolvido com atividades ilegais como grilagem de terras, garimpo, incêndios florestais e desmatamentos ilegais em territórios indígenas e unidades de conservação. A esmagadora maioria do big agroexportador brasileiro está regularizada, cumpre regras ambientais, não quer revogar a legislação e não precisa levar a pecha de grileiro, desmatador e incendiário da Amazônia, como na parábola do joio e do trigo. A mera consideração de fatores científicos, constitucionais, jurisprudenciais e socioeconômicos objetivos na formulação das matérias legislativas ambientais, já pode ser considerada de extrema relevância na atualidade. A atuação do sócioambientalismo no Congresso em 2019, diante do maior fogo cruzado da história do setor, deixa muitos aprendizados e lições positivas. Conseguiu implantar um novo arranjo político-institucional de perfil progressista e caráter inovador, que gerou fortuitos resultados. Ensinou que, diante do extremismo, o diálogo - inerente da atividade parlamentar republicana e da participação democrática da sociedade - é o melhor caminho para a resolução de impasses.
Tapetes verdes e azuis
No Congresso, a matemática e o regimento são relativos e os tapetes verdes da Câmara e azuis do Senado abrigam variáveis pouco conhecidas e surpreendentemente relevantes. O acordo entre ruralistas e ambientalistas no texto da MP 884 é um exemplo disso. Foi facilitado por dois fatores prévios ocorridos no âmbito da CMADS: a criação da subcomissão agroambiental, que institucionalizou o diálogo com o agro sobre o mérito legislativo de projetos ambientais, dentre eles a lei florestal que era objeto da mesma medida provisória; e a realização de uma maratona de audiências públicas nas semanas antecedentes até o dia da votação da MP 867 (antecessora da MP 884) na Câmara, com debates de alto nível envolvendo os maiores especialistas, autoridades públicas, lideranças, magistrados e juristas brasileiros.
Apresentaram pareceres técnicos detalhados sobre os aspectos mais relevantes das inconstitucionalidades propostas pela comissão mista da MP na lei florestal, como a violação do princípio jurídico da proibição do retrocesso em matéria ambiental, consagrado na doutrina e em farta jurisprudência; conflito das ADIN's da lei florestal decorridas do julgamento no Supremo da Lei 12.651/12; o monitoramento remoto da cobertura florestal brasileira em RL; as funções e os serviços da RL para os índices de produtividade agrícola; e o marco legal temporal da RL na lei florestal. Com a ajuda dos debates e da campanha dos ambientalistas, a MP 867 caducou no Senado após ser votada com prazo exíguo na Câmara, fruto dessa atuação nas duas Casas. Tais fatores (instalação de subcomissões e audiências), aliados às campanhas da sociedade e das organizações ambientalistas, contribuíram para deslocar a centralidade decisória e posteriormente a própria formulação do texto final das medidas provisórias 867 e 884, fazendo girar paulatinamente o eixo central que se encontrava focado nas comissões mistas e designações regimentais, até pendê-lo em direção ao novo arranjo político em construção, especialmente a subcomissão agroambiental, conduzida pelo presidente da CMADS (onde a matéria não tramitava regimentalmente), Rodrigo Agostinho e pelo coordenador da Frente Ambientalista, Nilto Tatto, em diálogo permanente e direto com o presidente da Câmara dos Deputados, com o colégio de líderes da Casa e com os representantes da Frente da Agropecuária (bancada ruralista) e das organizações ambientalistas e sua bancada.
Essa metodologia de debates aprofundados sobre diversos aspectos de uma mesma matéria também foi adotada pelo relator de plenário do texto de licenciamento ambiental, que acatou sugestão das organizações ambientalistas sobre temas e especialistas. O aprofundamento dos debates demonstraram as reais implicações econômicas, socioambientais, constitucionais e jurídicas da proposta, que tornavam o licenciamento um rito de exceção, restando notório o impedimento legal que impossibilita a votação do texto e a necessidade de sua reformulação para retirada dos equívocos legislativos e dos extremismos que anistiam o licenciamento para algumas atividades específicas como agropecuária e rodovias e destroem conceitos constitucionais consagrados como os impactos indiretos. Essas incongruências do texto estão impedindo a matéria de ir plenário, apesar da boa vontade dos ambientalistas, que reconhecem a necessidade de se ter um marco legal geral do licenciamento ambiental, entretanto, desde que haja um texto equilibrado, a exemplo da terceira verão do texto apresentada pelo relator e que foi substituída pela última versão extremista e inconstitucional.
Surpreendentemente, o Congresso representou um contraponto de sobriedade e equilíbrio democrático em 2019. Apesar da complexidade política decorrente da área ambiental ser um dos alvos preferenciais de ataque do poder governamental, o setor socioambiental vem demonstrando força e sabedoria, atuando em várias frente de ação, muitas independentes mas todas integradas, visando o mesmo compromisso ético com a vida e com a defesa do meio ambiente brasileiro, tanto quanto for necessário ao combate dos efeitos das mudanças climáticas.
Sociólogo, especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental (UNB), coordenador da assessoria técnica da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - CMADS da Câmara dos Deputados, atua em políticas públicas socioambientais e legislação ambiental há 25 anos e desde 2006 no Congresso Nacional.*
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