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Congresso em Foco
Autoria e responsabilidade de Vanessa Lippelt
1/6/2022 | Atualizado às 15:38
Publicidade da Academia Militar Mirim para "alistamento" em Goiânia[/caption]
A Academia Militar Mirim afirma não ter nenhum vínculo político-partidário em entrevista ao Congresso em Foco. "A iniciativa é 100% privada e também não temos nenhuma ideologia política que seja aplicada durante o curso", afirma Maurício Almeida, que aparece como o dono do CNPJ da Pem Cursos e Treinamentos, responsável pelo curso paramilitar voltado às crianças.
Em vídeos disponibilizados na internet, porém, é possível assistir às crianças, alunas da Academia Militar Mirim, encerrando suas atividades com o brado nacionalista "Brasil Acima de Tudo", usado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus simpatizantes. "Esse é um grito originalmente do meio militar. Nossos professores são militares da reserva", apressou-se em explicar Maurício. "Não foi ele [Bolsonaro] quem inventou o lema. Ele apenas usou na campanha."
De fato, o lema usado pelos bolsonaristas foi criado pela Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército no final dos anos 60, em meio à ditadura militar no Brasil, logo após a instituição do Ato Institucional número 5, o AI-5, curiosamente inspirado no brado nazista Alemanha Acima de Tudo.
Além de Maurício, os irmãos Perth José Passagli e Walter Passagli também fazem parte do grupo que criou a Academia Militar Mirim. Perth e Walter, inclusive, já tentaram carreira política em Suzano, no interior de São Paulo, sem sucesso. O primeiro concorreu a vereador em 2012 pelo PMDB, e Walter, também a vereador em 2016, pelo PR.
É de uma empresa de Perth, a PJP Cursos e Treinamentos, a propriedade do domínio do site da Academia Militar Mirim, criado em 12 de agosto de 2021, conforme aponta o diretório Whois.
Walter Passagli, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais, atua de maneira mais operacional, participando das "seletivas" para novos alunos da academia militar para crianças. Ele estava presente na reunião com os pais, realizada na Faculdade LS, em Taguatinga, no último domingo (29), na qual a reportagem do Congresso em Foco esteve presente.
Ao final da apresentação e do pitch de vendas, coube a Walter encaminhar as famílias para assinarem contrato com a academia, principalmente aqueles que queriam pagar o total de R$ 900, com direito a 30% de desconto, via cartão de crédito. De posse de uma maquininha amarela do Pagseguro, com o seu próprio nome escrito à mão numa etiqueta de fita crepe, Walter ia de família em família, recebendo o pagamento. Se fosse no débito, a margem de desconto aumentava.
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Walter Passagli, um dos sócios da Academia Militar Mirim. Foto: arquivo pessoal[/caption]
Aos três parceiros, Mauricio e os irmãos Passagli, junta-se a consultoria do Coronel Costa Júnior, da Polícia Militar de São Paulo. Em seu perfil no Facebook, o militar faz postagens apoiando o presidente Jair Bolsonaro, aos atos antidemocráticos do 7 de Setembro, contra o lockdown e as vacinas. Em 2020, concorreu às eleições para prefeito de Mogi Guaçu (SP) pelo PRTB, partido que faz parte da base bolsonarista.
"Na criação do projeto, ele [Coronel Costa] nos deu orientações pedagógicas, mas ele não tem ligação direta com o projeto", limitou-se a dizer Maurício sobre a possível participação do militar na sociedade, que é amigo do ex-ministro da Infraestrutura e atual pré-candidato ao governo de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio Gomes de Freitas.
Alunos da Força Pré-Militar Brasileira. Foto: Reprodução/ Facebook[/caption]
"O que é a disciplina para você? Aqui o instrutor e a instrutora não podem ser chamados de tio e tia. Aqui é senhor e senhora", explica o divulgador, um homem moreno, na casa dos seus 40 anos, a cerca de 20 pessoas sentadas em cadeiras escolares. "Todos os sábados nós vamos cantar o Hino Nacional brasileiro, vamos marchar, vamos dar gritos de guerra e todos estarão uniformizados com a blusa preta, a calça camuflada e o boné. O uniforme é obrigatório para termos disciplina."
A presença dos pais às aulas, de acordo com o membro da Academia Militar Mirim, porém, parece ser empecilho para a tal disciplina.
"As primeiras oito aulas são importantíssimas e a gente pede que vocês deixem seus filhos com a gente. Você não vai poder participar porque a disciplina em 90% dos casos não combina com pai e mãe. Vai dar uma volta, vai ao shopping passear. Não apareçam pelo menos nessas primeiras oito aulas!", dispara o homem durante a reunião com os pais realizada no dia 29 a qual o Congresso em Foco presenciou.
Ao ser questionado sobre a razão do impedimento aos pais de acompanharem as aulas dos filhos, Maurício disse desconhecer essa orientação feita pelo divulgador aos pais na reunião realizada na Faculdade LS.
"Eles não são impedidos de acompanhar nas oito primeiras aulas, nós recomendamos que não o façam, para que a criança consiga se soltar mais, absorver melhor os aprendizados iniciais que são de extrema importância disciplinar", contesta Maurício, que pergunta à reportagem qual era o nome do divulgador que teria dito isso em sala de aula.
As aulas da Academia Militar Mirim em Brasília devem começar no dia 4 de junho e serão ministradas na Universidade Católica de Brasília (UCB). Em nota ao Congresso em Foco, a UCB não confirmou a realização do evento no local, limitando-se a dizer que foi procurada para locação do espaço.
"A Universidade Católica de Brasília foi procurada para locar seu espaço, porém informamos que não há nenhum contrato assinado para realização do referido curso nas instalações da instituição", diz o comunicado. "O contrato está sob análise do setor jurídico da instituição. Esse é um procedimento operacional padrão para todas as demandas que envolvem parcerias e contratos."
Sergio Moro" width="1280" height="720" /> "Comandante" Daniel Majone Moretto, proprietário da Força Pré-Militar Brasileira (à esq.) com alunos e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Foto: Facebook[/caption]
Na página do Facebook, o Fope diz estar presente em mais de 120 cidades, com mais de 15 mil alunos formados. Afirma ainda que oferece "preparação completa (teórica, prática e física), com aulas presenciais e uma plataforma com inteligência artificial chamada Papiro Militar", que foi reconhecida como a plataforma pré-militar mais completa para o público infanto-juvenil que se prepara para os concursos de ingresso às escolas e carreiras militares. Sobre qual entidade reconheceu a Fope, entretanto, não há menção.
Em uma busca na Receita Federal, é possível localizar ao menos três CNPJs referentes ao Fope e a Daniel Moretto. Um deles é de um outro curso preparatório de Moretto, o A.F.E. Cursos Preparatórios, que rendeu uma prisão em flagrante do "comandante" em 2009. De acordo com reportagem do portal Globo.com à época, Moretto dava aulas num curso preparatório falso - o A.F.E - para as Forças Armadas no momento da prisão, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Daniel foi acusado de golpe de estelionato por prometer, através do seu curso, ingresso nas Forças Armadas. Cerca de trezentos jovens e adolescentes assistiam à aula no momento da prisão.
"Fui acusado e inocentado conforme o juiz falou na sentença, por provas e testemunho dos pais das supostas vítimas, quais todos falaram a nosso favor", declarou Moretto a respeito de sua prisão.
Charge de Vini Souza[/caption]
O Tradicionalismo, ao qual Cara se refere, baseia-se na crença de que para o equilíbrio da sociedade há que se manter a tradição, sendo contrário às revoluções. Para os tradicionalistas, as coisas não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas. Normalmente, tradicionalistas são avessos e adversários às ideias de esquerda e têm como seus mais conhecidos expoentes Olavo de Carvalho, "filósofo" dos bolsonaristas; Steve Bannon, guru de Donald Trump e Aleksandr Dugin, mentor de Putin.
Para Daniel Cara, essa vertente do tradicionalismo é muito mais carismática no sentido de que prometer a eternização de um mundo de valores, uma retomada da família, porém extremamente poderosa e perigosa.
"É assustador ver esse trabalho sobre crianças e adolescentes. No fundo, eles estão declarando guerra à sociedade à partir das crianças, inclusive. Eu achava que a gente já tinha chegado no ápice com as escolas cívico-militares, eu não imaginava que a gente ia adentrar o treinamento tradicionalista do padrão do Batalhão Azov", diz Cara referindo-se ao batalhão ucraniano que começou como uma milícia voluntária ligada a ideologias de extrema-direita, arregimentou e doutrinou crianças e adolescentes através de acampamentos, e acabou integrado como parte formal da Guarda Nacional da Ucrânia.
Cara acredita que crianças e jovens estão sendo treinados para uma guerra cultural. "A cada dia que passa, vai se convertendo numa guerra santa. A gente acha que o Bolsonarismo se encerra nas eleições. Não vai se encerrar na eleição até porque isso é maior que o bolsonarismo, essa lógica tradicionalista. Esse é um processo de militarização estruturado da sociedade e que está pautada na ideia de aniquilação do inimigo. A sociedade é perversa e eles estão militarizando crianças e adolescentes e o resultado vai ser qual? Qual é a cabeça militar? O outro é inimigo. O resultado vai ser um recrudescimento, uma prática de violência absoluta."
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Daniel Cara: crianças e jovens estão sendo treinados para uma guerra cultural. Foto: Divulgação[/caption]
Doutor em Direito e Literatura Religiosa (UFF e USP), o professor Pietro Nardella-Dell'Ova pondera que essas instituições militarizam "almas (emocional), corpos (físico), cérebros (intelectual)". "É um processo de unidimensionalização em ruptura com a pluridimensionalização. A promessa é de preparatório para o universo militar. Porém, a grande maioria restará na sociedade civil ,com um modus militarizado", analisa Nardella. "Parece-me ter pontos de contato com a Deutsches Junkvolk mas, falta, ainda, uma ideologia mais precisa como o nazismo. Pode ser uma antessala daquilo. O Batalhão Azov ainda é uma incógnita, pois faz parte da base da Ucrânia, mas não é financiada pelo governo. Há, também, alguma semelhança com as escolas militarizadas do Hamas."
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Prof Pietro Nardella-Dellova, Professor da Escola da Magistratura, Doutor e Mestre em Direito pela UFF e USP e Doutor em Religião pela PUC/SP Foto: Arquivo Pessoal[/caption]
Há quem faça um paralelo entre o movimento armamentista civil e militarização da sociedade. De acordo com Marcos Rolim, sociólogo, ativista dos direitos humanos e consultor em Segurança Pública, esse mercado da violência no governo Bolsonaro tem dado lucros impressionantes à indústria das armas e resultou em milhares de registros e caçadores, atiradores, colecionadores.
"Esse é um ambiente de negócios que haveria de chegar até crianças e adolescentes, como acontece há décadas nos Estados Unidos, por exemplo. No caso do Brasil, a impressão que se tem é que alguns empreendedores, vamos chamá-los assim, encontraram uma espécie de novo filão que é a venda de cursos paramilitares para crianças e adolescentes com essa promessa de oferecer disciplina, valores cívicos e coisas do tipo", analisa Rolim, autor do livro A Formação de Jovens Violentos. "Muitas famílias estão dispostas a pagar por esses cursos e muitas crianças e adolescentes que são fascinados por armas e aventuras, também estão dispostos a participar. Então, isso mostra um mercado em expansão."
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O doutor e mestre em Sociologia Marcos Rolim. Foto: Ramon Moser / Divulgação[/caption]
O consultor em Segurança Pública critica o modelo de educação militar aplicado às crianças e adolescentes em cursos paramilitares, defendendo a educação através de ambientes reflexivos.
"A ordem unida é um procedimento típico de formação militar que prepara para a guerra. A guerra é um tipo de situação em que não há nenhum tipo de possibilidade de pensamento, de resposta de quem está subordinado a uma hierarquia. É preciso que se cumpram ordens numa guerra", pondera o sociólogo. "Essa não é uma situação que se exige de uma criança e de um adolescente pelo contrário. A disciplina que eles têm que desenvolver não pode ser através de uma imposição de uma ordem militar. Quem pensa assim está apostando numa educação que tende a naturalizar a violência, e não rejeitar a violência."
Marcos Rolim questiona, ainda, quando é que os valores militares, que são muito úteis para a guerra, se tornaram referência para educação de crianças e adolescentes. E fosse a esquerda oferecendo esse tipo de formação paramilitar?
"Essas incursões que estão em curso pelo Brasil são de bolsonaristas, são grupos de extrema-direita que estão fazendo isso. Se fosse a esquerda, o que essa turma de bolsonaristas acharia? Isso é uma coisa que não se pode tolerar. Como professor, como educador e sociólogo, eu entendo que toda formação oferecida à criança que legitime a violência é um desrespeitos aos direitos da infância e da juventude e uma ameaça muito concreta à democracia brasileira. É uma situação que os Ministérios Públicos e demais agentes políticos devem estar muito atentos para que se possa produzir um regramento no Brasil a respeito disso", finaliza Rolim.
* Reportagem atualizada às 11h54 para publicar as declarações de Daniel Majone Moretto, da Força Pré-Militar Brasileira.LEIA MAIS
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