Acusado de pagar uma mesada de R$ 30 mil a parlamentares do PL e do PP, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, disse ontem que o partido, o governo e o Congresso estão sendo vítimas de chantagem, ao falar pela primeira vez sobre a denúncia feita pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson. Evitando citar o nome do deputado, Delúbio não explicou por que motivo nem por quem estariam sendo feitas as chantagens.
O tesoureiro falou à imprensa depois de uma reunião de quase cinco horas com a executiva nacional do PT. Ele disse que vai pôr à disposição da Justiça seus sigilos bancário e fiscal e que não vê problemas na eventual quebra do sigilo telefônico. Delúbio também afirmou que aceita ser submetido a uma acareação com o presidente do PTB, mas apenas em um "fórum correto". No momento, não, ressaltou.
Segundo ele, o forte esquema de segurança que o tem acompanhado se faz necessário devido a uma perseguição que estaria sofrendo há um ano e meio. Além de usar carros-clones e blindados, o tesoureiro é protegido por dois batedores de motocicletas por onde passa. Delúbio também contou que tem o hábito de receber dirigentes de partidos aliados em sua residência para tratar de assuntos eleitorais.
Veja alguns trechos da entrevista coletiva concedida pelo tesoureiro nacional do PT na sede do partido, ontem, em São Paulo:
Congresso ameaçado
"O conteúdo da entrevista dada (por Jefferson), de compra de deputado, compra de voto e compra de apoio da base parlamentar, é uma ameaça que se faz ao Congresso Nacional, aos membros do Congresso Nacional e aos partidos políticos citados. Por isso, entendemos que é uma chantagem política."
Chantagem
"Não aceitamos nenhum tipo de chantagem (...) A chantagem é pública, publicada no jornal na segunda-feira. E não vamos aceitar chantagem. Nós estamos entendendo que o conteúdo da entrevista dada no que se refere à compra de deputados e à compra de votos é chantagem. A chantagem é para que possa pairar uma dúvida. Como disse Genoino ontem, é a tática do gambá (de espalhar o mau cheiro para todos os partidos). O PT não participa da compra de votos de deputados. Não participa de compra de apoio de deputados. Estão tentando chantagear não só o PT, mas também o governo e o Congresso Nacional."
Abertura de sigilo
"Quero deixar claro à sociedade que ponho à disposição da Justiça o meu sigilo fiscal e bancário. É fundamental não ter dúvida neste momento. Até agora tenho sido caluniado e massacrado."
Mensalão
"A primeira vez que ouvi essa palavra foi numa reportagem do 'Jornal do Brasil', em setembro do ano passado. O presidente do PT, José Genoino, tomou as providências na Câmara, que fez as investigações. Essas investigações foram feitas no Congresso e no Tribunal Superior Eleitoral, que acabaram de ser julgadas na semana passada. O PT não tem nenhuma participação em esquema de compra de votos ou de compra de apoio de deputados."
Frente a frente com Jefferson
"Não se trata disso neste momento. Mas se houver uma investigação num fórum correto, não vejo problemas."
Permanência no cargo
"A permanência na direção da executiva nacional é de responsabilidade de uma eleição que tivemos no Processo de Eleições Diretas (PED). A função foi a mim delegada e aprovada pelo diretório nacional. Não foi tratada na reunião da executiva, que é quem delibera pelo afastamento de qualquer membro. Esse assunto não foi tratado. Vou continuar exercendo minha função no PT."
Denúncia acentua crise no PT
O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, terá de se explicar novamente aos colegas, durante reunião do diretório nacional, instância máxima do partido, marcada ontem pela executiva para o próximo dia 18, em São Paulo. Ao diretório serão submetidos dois textos apresentados no encontro de ontem.
Um deles, assinado pela maioria dos participantes, reforça o apoio do partido à política econômica do governo e elogia as iniciativas governamentais no combate à corrupção, além de reiterar os compromissos éticos do PT. Apesar de defender a CPI dos Correios, o texto não se posiciona em relação à necessidade de se criar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar denúncia de pagamento de mesada no Congresso.
A outra proposta, assinada por correntes de esquerda e centro, pede a revisão do modelo econômico e o rompimento com aliados como o PTB, além de uma reaproximação do governo com os movimentos sociais e a sociedade civil.
PTB anuncia que vai entregar cargos ao governo
A bancada do PTB no Congresso desistiu de pedir o afastamento do presidente do partido, Roberto Jefferson, e decidiu romper com o governo, entregando os cargos que ocupa na administração federal. A decisão foi precipitada pela declaração do ministro das Cidades, Olívio Dutra, de que o governo estaria pagando um preço alto pelas "más companhias" com as quais teve de se cercar por não ter maioria na Câmara e no Senado.
De acordo com o líder do partido na Câmara, José Múcio (PE), Jefferson "tem muito a falar" e vai comprovar tudo o que disse nos depoimentos que prestará à CPI, à Corregedoria da Câmara e ao Supremo Tribunal Federal. "Ele quer depor o mais rapidamente possível e disse que tem prova de tudo. Ele não faria isso se não tivesse provas. Ao contrário de outras pessoas, ele quer ir a CPI", afirmou. Petebistas garantiam ontem que o presidente do partido teria mais de 50 fitas gravadas que comprometeriam parlamentares, partidos e membros do governo.
A declaração de Olívio causou mal-estar entre integrantes do governo. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, disse que a afirmação do colega não exprimia a posição do governo. O presidente do PT, José Genoino, disse que as "más companhias são um assunto do governo" e não do partido. "É fundamental a coesão da base para governar. O PT considera que as alianças foram importantes tanto no segundo turno quanto para aprovar as reformas. E vamos continuar fazendo alianças", garantiu.
Com maioria governista, CPI dos Correios começa hoje
Em meio a uma reunião tumultuada, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou no final da noite de ontem, por 40 votos a seis, a constitucionalidade da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Os deputados acolheram o parecer do relator, Inaldo Leitão (PL-PR), que restringiu o foco das apurações às denúncias de irregularidade na estatal. Os partidos confirmaram as indicações dos membros e a CPI deve ser instalada hoje às 16h (leia mais).
Oposição insiste em CPI do Mensalão
O governo tem maioria na CPI dos Correios, com 19 dos 32 integrantes, e vai brigar com a oposição para ter a relatoria e a presidência da comissão. PFL e PSDB não aceitam e ameaçam criar uma comissão parlamentar de inquérito no Senado para investigar a denúncia de pagamento de mesada a deputados aliados. O líder do PFL no Senado, José Agripino (RN), conseguiu ontem as 27 assinaturas necessárias para criar o colegiado.
A reunião da CCJ que confirmou a constitucionalidade do pedido de CPI rachou a oposição. Os pefelistas acusaram os tucanos de se aliarem com o governo para restringir o alvo das investigações. "O PFL não aceita restringir a CPI", protestou o líder do partido na Câmara, Rodrigo Maia (RJ).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ainda tenta dissuadir a oposição de criar uma nova CPI. "Acho politicamente equivocado que o Senado queira investigar a Câmara. Isso é politicamente errado. Havendo CPI, que seja feita pela Câmara ou seja mista", afirmou o peemedebista.
Câmara abre processo disciplinar e vai ouvir Jefferson
A pedido do PL, o Conselho de Ética da Câmara instaurou ontem processo disciplinar contra o deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente nacional do PTB. O petebista pode ser cassado e ficar inelegível até janeiro de 2015. Notificado pelo presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), Jefferson disse que irá pessoalmente se defender da acusação de quebra de decoro. Ele terá o prazo de cinco sessões para apresentar a defesa. O processo será relatado pelo deputado Jairo Carneiro (PFL-BA).
Ao receber a notificação, o presidente do PTB ainda escreveu: "Confirmo integralmente a entrevista dada à Folha de S. Paulo". Nela, ele denuncia o pagamento de mesada do PT a parlamentares do PL e do PP em troca de apoio ao governo no Congresso. A Corregedoria da Câmara também iniciou ontem a sindicância para apurar as denúncias feitas por Jefferson e marcou para a próxima terça-feira o depoimento do petebista, que será tomado em seu apartamento em Brasília e terá caráter sigiloso.
Grupo vai consolidar proposta de reforma política
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem a criação de um grupo interministerial para elaborar uma proposta de reforma política que contemple o fortalecimento dos partidos políticos, o aperfeiçoamento do sistema eleitoral e a disciplina do financiamento das campanhas eleitorais.
A comissão, que deve ser formada pelos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), Luiz Dulci (Secretaria-Geral) e Aldo Rebelo (Coordenação Política), vai apresentar suas sugestões em 45 dias.
Ao empossar os integrantes dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, órgãos que farão o controle externo do Judiciário e do Ministério Público, Lula disse que a reforma política ainda é um tabu no Congresso. "Por que não anda, se a grande maioria perguntada é favorável à reforma política? O que tem de tão sagrado que a reforma política não pode ser um instrumento de consolidação da democracia deste país e de fortalecimento dos partidos políticos do nosso país?"
Lula defendeu uma ampla discussão sobre o assunto. "A sociedade, que clama por um maior combate à criminalidade, à violência e a toda e qualquer irregularidade na vida pública, com devido julgamento e punição dos culpados. Tudo deve ser feito, por todos os poderes da República, para acabar definitivamente com a impunidade no nosso país", defendeu o presidente.
Rebelo esteve ontem no Congresso, onde conversou sobre a idéia do governo com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e com todos os líderes da base. Uma proposta de reforma política está pronta para ser votada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara há quase um ano. O texto institui o financiamento público de campanha, o voto em lista partidária e regras de fidelidade partidária, entre outras coisas, mas esbarra na resistência de partidos da base governista.