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Congresso em Foco
5/3/2021 | Atualizado 10/10/2021 às 17:29
Ainda, segundo o ministro, o uso desse tipo de argumento para defender-se de adultério não só não pode ser compreendido como legítima defesa de direito, mas ainda é capaz de configurar uma agravante do crime, porque ataca sua companheira de forma covarde e criminosa. Assim, esse argumento é odioso, desumano e cruel, imputando às próprias vítimas a "culpa" por sua morte, contribuindo imensamente para a naturalização e perpetuação da violência contra a mulher no Brasil.
A discussão, ainda que bem vinda, tendo em conta o notório machismo estrutural que permeia nosso Judiciário, toca em pontos sensíveis da prática processual para tentar desfazer um mal social. Explica-se: também com bases constitucionais, o Direito à Plenitude de Defesa confere ao Advogado que realiza a sua sustentação oral perante o Tribunal do Júri a utilização de todos os meios argumentativos possíveis, incluindo-se argumentações morais, éticas, religiosas. Isto porque, ao contrário do Juiz togado, o jurado do Tribunal do Júri possui liberdade para julgar de acordo com a sua íntima convicção, sem precisar fundamentar juridicamente sua decisão.
É com esta base que surgem argumentações que permitem, por exemplo, as absolvições por clemência em delitos de homicídios como os de Maria*, que obrigada a casar-se com seu abusador após engravidar aos 14 anos de idade, descobre que os mesmos abusos estão sendo cometidos contra a filha em comum Eduarda, de apenas 11 anos. Maria então comete homicídio em face de seu algoz. Seu perdão perante os jurados não é outro senão de base moral: ininteligível juridicamente, mas compreensível pelo ser humano do outro lado, que decide absolvê-la. Seguramente pode-se construir um sem-fim de argumentos retóricos pela inconstitucionalidade do caso narrado: se está diante de uma conduta típica, jurídica e culpável, escusada tão somente com base na empatia.
Assim são as defesas por vezes realizadas no Plenário do Tribunal do Júri: calcadas em argumentos morais ou éticos, sem fundamentações jurídicas propriamente ditas. Difícil avaliar se a decisão liminar conferida no âmbito do STF funciona como proteção às mulheres vítimas de feminicídio - muitas vezes duplamente vitimizadas em Plenário - ou como ataque à liberdade do exercício de Defesa. Argumentar a inconstitucionalidade de uma Defesa (i)moral adentra espaços argumentativos pantanosos.
Fato é que o maior problema da tese de legítima Defesa da honra em um Tribunal autorizado constitucionalmente a julgar por sua íntima convicção não é o uso da tese pela Defesa em si, mas os constructos sociais que ainda fazem de tal tese um argumento bem recebido pelo corpo de jurados. Chamem-nas de como quiserem, as teses patriarcais sempre terão espaço em uma sociedade patriarcal; não é um proibitivo isolado que modificará tal realidade.
Na prática, a decisão liminar impede que os advogados sustentem, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra ou qualquer argumento que induza à tese em questão, seja na fase de investigação ou nas fases de sumário de culpa e julgamento perante o júri, sob pena de nulidade do ato; até que ela seja submetida a referendo do Plenário do Tribunal, o que acontece hoje.
*Nome fictício.
Camila Saldanha Martins é professora de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Opet (UNIOPET). Especialista em Direito Penal econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu (IDPEE) e Faculdade de Direito de Coimbra - Portugal. Advogada criminalista.
Juliana Bertholdi é professora de Direito Penal e Processo Penal (UniOpet e Uninter). Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Direito Público (UniBrasil). Especialista em Direito Eleitoral (IDDE). Advogada criminalista.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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