Publicidade
Expandir publicidade
[caption id="attachment_254489" align="aligncenter" width="580" caption="Ponte sobre o rio Lençóis foi levada pela enxurrada"]
A ponte é bastante sólida, tanto que tem suportado seguidas pancadas de carros desgovernados, mas apresenta falhas na segurança. É estreita, sem acostamento, não conta com guard rails na entrada e mais da metade das guardas de concreto caíram e não foram repostas. Um policial civil de Canhotinho que já registrou acidentes no local conta que a ponte foi construída há 50 anos, quando ali havia uma estrada de terra. As pessoas passavam a 40 km/hora.
Mas a estrada estadual PE-177 foi asfaltada e transformou-se numa via de acesso a Maceió, pela BR-104. O tráfego aumentou muito. A reportagem registrou no local, em maio deste ano, carros e caminhões carregados descendo aquela ladeira a mais de 100 km/hora. Após vários acidentes, instalaram placas indicando a velocidade máxima de 60 km e, logo em seguida, 40 km. Mas, como não há lombadas eletrônicas no local, ninguém parece preocupado com o excesso de velocidade. Uma lombada no asfalto resolveria o problema, embora pudesse provocar até mais acidentes num primeiro momento.
Pelo menos 10 pessoas morreram ali em cinco acidentes com vítimas fatais nos últimos cinco anos. Uma semana depois do acidente com Gilson, dia 12 de setembro, o motoqueiro Ronaldo Rocha, morador do Sítio Tiririca, no município de São João, a 21 quilômetros dali, desceu pela mesma ladeira, não conseguiu fazer a curva e caiu à direita da ponte, já que não há guard rails no local. Morreu no choque com a laje de pedra embaixo da ponte.
Um mês depois, em 12 de outubro, o ex-presidiário Micael de Sales perdeu o controle do carro, um Corsa 2008, e caiu no mesmo local, levando mais um pedaço da mureta. O carro havia sido roubado no dia anterior em Caruaru (PE), distante 97 quilômetros pela BR 104. Os policiais encontraram no veículo um revólver 38 e uma espingarda calibre 12 carregados.
Naquele sábado à noite, dia 5 de setembro, continuava a luta para salvar Gilson. Pessoas que passavam pela estrada desceram os barrancos, entraram na água e tentaram abrir as portas do carro. Sem conseguir, retiraram os dois pelas janelas. Eles receberam os primeiros socorros do Samu ali mesmo. Wellington sofreu apenas ferimentos leves. Gilson foi levado de ambulância para Recife.
Nova chance
Abriu os olhos alguns dias depois. Ao contrário do que acontece com muitos acidentados, lembrou imediatamente o que acontecera. Chorou muito, segurando a mão da sua mulher, que estava ao lado da cama. Ela esperou ele ficar mais calmo e falou:
– Você nasceu de novo. Dos que caíram ali, só você escapou. Aproveite!
Gilson diz que foi exatamente esse o seu sentimento:
– Sim. Foi um aviso muito grande que o homem lá de cima me deu. Me protegeu bem, primeiro Jesus Cristo, depois o airbag. Todo mundo devia ter. Com o menino que vinha comigo não houve nada, nem no médico foi.
E tenta explicar o que teria provocado o acidente:
– Eu freei na curva, erro meu. O carro anda muito e eu andava muito. Não bebi nada, foi carreira mesmo.
Gilson lembra de outros acidentes no local.
– Ali já morreu muita gente. Caiu até um caminhão carregado com gado.
Ele também aponta possíveis medidas para evitar mais desastres:
– Um semáforo resolvia mais que placa. Iam ver de longe e pensar duas vezes antes de passar correndo.
Ele acabou com as “carreiras” pelas estradas.
– Não quero passar mais não por isso. Não passo mais de 80. Manero mesmo, quem estiver atrás que segure. Só sabe quem passa, e eu sei, triste, triste, triste.
História sem fim
A história terminaria aqui, com o relato do drama e do aprendizado de Gilson. Mas essa história, na realidade, não tem fim.
Quase um mês depois de nossa passagem por Canhotinho, na madrugada de 19 de junho deste ano, por volta das 3h da madrugada, um Fiesta preto lotado desceu o mesmo trecho percorrido por Gilson em direção à “curva da morte”. A família Oliveira seguia para Angelim, retornando de uma vaquejada em São José da Laje (AL). A adolescente Leigila, de 15 anos, ainda comemorava a segunda colocação no concurso “A Mais Bela Estudante de Angelim”, conquistado na noite do sábado anterior, como relata o site local Nova Replay. Mais uma vez, o carro não venceu a curva e despencou da ponte. Morreram o pai, Adelson; a mãe, Irenilda; a filha, Leigila; e mais três parentes.
Popular na cidade, Leigila postava muitas selfs e mensagens às vezes instigantes na sua página no Facebook, com o perfil “Lêêh Oliveira”. No dia 16 de junho, três dias antes do acidente, ela escreveu na sua “Linha do Tempo”: “Só pra lembrar: no final desse filme, a gente morre”.
[caption id="attachment_254167" align="aligncenter" width="580" caption="O carro da família Oliveira não venceu a curva e caiu pela cabeceira da ponte "] [fotografo]foto: site Nova Replay[/fotografo][/caption]
Making off
Mais sobre a série Pontes para o atraso
Mais sobre gestão pública