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Brasília - Deputado Alessandro Molon durante abertura oficial da Campanha da Fraternidade 2017, na CNBB (José Cruz/Agência Brasil)
O advogado Alessandro Molon (PSB-RJ) foi considerado pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional o melhor deputado deste ano. Ex-integrante do PT e da Rede Sustentabilidade, Molon é o líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro. Nesta entrevista, ele aponta para o que considera riscos reais à democracia, a partir dos atos e das palavras do presidente, de seus filhos, e de outros que o cercam. E não tem receio de dizer com todas as letras que, na sua avaliação, “o atual governo é péssimo”.
Molon, no entanto, defende que as oposições não se restrinjam a criticar ao governo e sejam mais propositivas. O líder da oposição diz não acreditar que Bolsonaro concluirá seu mandato. Para ele, Bolsonaro é seu próprio maior inimigo e acabará derrubando a si mesmo.
"O comportamento, pra dizer o mínimo, insensato, imprudente e perigoso do presidente a todo momento me leva a crer que ele não vai conseguir terminar o seu mandato. O maior inimigo do presidente da Republica é o próprio presidente da República. Ele cria crises o tempo todo, arruma problema onde não existe, arruma inimigos, ataca outros países, partidos, parlamentares, juízes, instituições. Para mim, quem age desse jeito parece que procura a ocasião de encerrar o seu próprio governo. Então, acho possível que não termine o mandato. Não porque alguém vá querer derrubá-lo. Mas porque ele faz o máximo para derrubar a si mesmo", avalia.
A entrevista exclusiva foi concedida por Molon antes das polêmicas declarações do Eduardo Bolsonaro sobre a edição de um novo AI-5 e da revelação de Jair Bolsonaro de que pegou as gravações do seu condomínio que poderiam, segundo depoimento de um porteiro, envolver o presidente no caso Marielle. Veja a entrevista concedida à nova edição da Revista Congresso em Foco, que já está disponível para compra (compre aqui).
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Passados oito a nove meses do início do governo Bolsonaro, qual a sua avaliação?
É difícil encontrar algum aspecto positivo em um governo que não tem projeto para o país, que não tem uma visão clara do que quer que o Brasil seja, que papel desempenhar no cenário internacional. A verdade é que Bolsonaro não imaginava que o Brasil pudesse cometer o erro de elegê-lo presidente. Por isso, não tinha um projeto para o país, e por isso o governo dele é assim muito atrapalhado.
O senhor não enxerga nada de positivo?
Uma ideia que o governo defende com a qual concordo é a necessidade de desburocratização. Mas, na minha avaliação, o governo está implementando de um modo errado. Havia um grupo de trabalho com pessoas extremamente competentes e renomadas para preparar um projeto de lei. O governo pegou o projeto, que era excelente, rasgou e fez a MP da liberdade econômica. Um texto muito pior. O governo manteve programas sociais como o Bolsa Família. É uma iniciativa correta. Agora, em outras áreas é difícil apontar grandes acertos. De um modo geral, está se prestando o maior desserviço para o país. Na área de educação, ciência e tecnologia, relações exteriores, um desastre. A imagem do Brasil nunca esteve tão ruim no mundo como agora, um vexame completo. Ninguém ganha com isso. A destruição do meio ambiente, a destruição da Amazônia. O Ricardo Salles é o pior ministro das últimas décadas. Então, é um governo que é muito ruim. Não por acaso, bate recorde após recorde de desaprovação. É realmente um governo péssimo.
Há quem enxergue em alguns posicionamentos do presidente Bolsonaro e de outras pessoas do governo riscos à democracia. O senhor concorda?
Sim. Porque hoje em dia a maneira de se destruir a democracia não é uma maneira brusca que você já imediatamente coloca os tanques na rua. É algo mais sutil e, portanto, bem mais perigoso. É um movimento contínuo que vai minando as instituições. Vai normalizando o medo, a censura, a perseguição de quem pensa diferente. Coloca-se a população para se manifestar contra instituições como o Judiciário, contra o Congresso. O presidente da República diz “Eu respeito as instituições, mas eu respeito mais o povo”. Qual povo? O povo que vai nas manifestações que ele convoca? Estão jogando o povo contra os outros poderes? Armando a população, estimulando que a população se arme, com que objetivo? Dizendo que é para se defender de um golpe? Mas quem é que tem condições de dar um golpe hoje em dia? É um governo que nega a ciência, que nega a história. É um momento muito preocupante. Um dos mais graves da história do país.
E, nesse sentido, qual a importância do papel da oposição?
Eu considerei nas últimas eleições que era uma obrigação eu ser eleito novamente. Pelo grave momento que eu percebi que o país ia viver. Não lutar para chegar aqui novamente seria quase que uma deserção. A democracia corre risco, sim. É um momento também de muita cautela, muita prudência, e ao mesmo tempo de muita firmeza e combatividade para não permitir que as instituições sejam destruídas.
A esquerda teve responsabilidade na eleição de Bolsonaro?
Eu acho que sim. É preciso ter coragem de fazer essa autocrítica. Eu não acho que foi o Bolsonaro que ganhou. Eu acho que foi o candidato da esquerda que foi para o segundo turno que perdeu. Uma parte dos votos que foram para o Bolsonaro foram um voto anti-PT, especialmente no segundo turno. Não foi essa a única razão. Eu acrescentaria também a ilusão de que ele representava o combate à corrupção.
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Não representava?
Essa é uma ilusão que está sendo jogada por terra, quando ele interfere na Receita Federal, na Polícia Federal, no Coaf (Conselho de Controle da Atividade Financeira), o Ministério Público federal.
E agora que o governo tomou posse, o senhor acha que a oposição tem adotado uma linha correta?
Acho que acertamos em muitas coisas. Por exemplo, conseguimos, com um projeto de decreto legislativo do PSB aprovado na Câmara e no Senado, derrubar um decreto que impunha um sigilo maior aos documentos públicos. O decreto foi feito pelo vice-presidente Hamilton Mourão na ausência do presidente, mas certamente havia um acordo entre eles. Conseguimos fazer caducar uma medida provisória, a 867, que representaria uma anistia ao desmatamento de 6 milhões de hectares com a nossa obstrução. Mesmo sendo minoria, 130 a 140 deputados, com muita luta a gente consegue impedir esses retrocessos.