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Congresso em Foco
16/7/2014 | Atualizado às 19:56
A euforia e o frenesi dos jogos, ampliados pelos "mil altofalantes" tocando o canto de sereia do #Itau, da #Sadia, da #Sony, da #Seara, da #Adidas, etc., seduziram sem muita dificuldade a moçada dos protestos. E o que se viu foi um "bagulho louco, um babado, confusão e gritaria" histérica de torcedores irmanados em um só coração. Salve a seleção! Os ativistas vestiram a camisa amarela e instalaram-se confortavelmente inativos nos sofás. Os deuses das logomarcas impuseram a sua vontade sobre a reduzida minoria que tinha se rebelado um ano antes. No protesto da Candelária, 19 mil facebookers confirmaram presença, 50 apareceram, e os 5 mil policiais enviados para proteger as logomarcas foram filar a imagens das TVs dos botecos da Presidente Vargas. Sem desdenhar é claro o "cafezinho por conta".
Uma grotesca aglomeração de armaduras articuladas compradas a peso de ouro, especialmente para a Copa, pode ser vista nas fotos do dia 17 de junho. "Uma hora antes do horário marcado para o ato, havia apenas policiais na Candelária. Às 17h, eram 15 manifestantes". Salvo os 50 que compareceram, 90% garotas que não se deixaram corromper, o resto, meninões autodenominados ativistas digitais, na precocidade dos seus 30 ou 40 anos, sentaram os fundilhos no Twitter para tecer comentários de torcedor fanático.
Nem o desabamento do viaduto, que fazia parte das obras de mobilidade urbana, e serviria como um dos acessos ao Mineirão, obra de empreiteira premiada pelo PAC, freou o frenesi. Ninguém, a não ser o pai da motorista morta, perguntou por que, dias antes do jogo, o viaduto foi limpo das escoras.
"A pressa por causa de jogo da Copa do Mundo é que fez eles tirarem o calço antes da hora", disse o pai de Hanna, José Antonio dos Santos.
Os técnicos, os engenheiros, os planejadores, ninguém sabe o que pode ter ocorrido. É muito cedo, sempre é muito cedo, para apontar culpados. Não cogitam que exista nexo de causalidade entre a retirada das escoras, para mostrar como pronta uma obra atrasada, e o desabamento no dia seguinte. O prefeito de Belo Horizonte correu para dizer - é possível que esse tenha sido o cúmulo da bestialidade - que não houve culpados. Contra isso, ouviu apenas a voz solitária e indignada da família da jovem motorista. Mais nada. A classe média, os intelectuais, os estudantes universitários, foram para o estádio ou para frente da televisão. Não se deu atenção a ninharias, nem se quis saber se era verdade, e era, que o desabamento do viaduto abalou a estrutura de outro que faz parte do complexo, e terá também de ser demolido.
Para a neta do Havelange, Joana Havelange, diretora do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo (COL), "o que tinha pra ser roubado já foi". Ela, na sua pureza de coração, esqueceu que o que "tinha para ser roubado" continua a ser roubado, não só em vidas roubadas por desabamentos, como o desse viaduto em BH, mas nos próximos que virão abaixo na devida hora. E também em muitas outras frentes (como nos hospitais) em que o que "tinha para ser roubado" continuará sendo roubado. Isso é o que ela quer: "Quero ver um Brasil lindo". Ora, o Brasil está mais lindo que nunca.
Na torrente do selfie e do meme, formas apocalípticas da imbecilidade coletiva, a escalada policial, com os últimos 19 presos, vai crescendo junto com a demência social patrocinada pela hashtag, com a internação de todo o país nos campos concentracionários das empresas (especialmente no âmbito da interação comunicativa: facebook, instagram, Twitter, whatsApp, etc etc), ao que se junta o crescimento cancerígeno do digitonegócio (#magazineluiza com seus juros vampirescos, verdadeiro linchamento econômico dos pobres) e a falência múltipla dos órgãos dos "ativistas" anti-Copa. A coisa vai ferver. Ou melhor, vai congelar. Mas o gelo, é bom que se lembre, queima tanto quanto a fervura.
Em torno dessa Copa tudo foi falso. Sua verdade foi construída tecnicamente com muito equipamento e engenharia pesada da alma. Leia-se: marketing. A falsidade da Copa aflorou nos protestos de 2013 com muita força, o padrão Fifa foi desmascarado, a ausência de investimentos em hospitais, escolas, e outros serviços públicos, os despejos e o estado de exceção foram as bandeiras mais constantes. A denúncia da roubalheira desbragada foi brandida aos quatro ventos. Na sequência, toda a mentira por trás da "ordem social democrática", ficou muito explícita com o ministro da Justiça articulado e costurando nacionalmente, junto com os secretários de Segurança dos estados, o aparato jurídico e repressivo para deter os protestos. No último sábado (12 de julho), quando duas dezenas de pessoas, incluindo a Sininho, foram presas sob a falsa alegação de "formação de quadrilha armada", temos um bom diagnóstico do trabalho urdido nos porões do Ministério da Justiça. O sonho do ministro José Eduardo Cardozo é governar São Paulo (trampolim seguro para a Presidência da República) e não se chega ao governo de São Paulo sem mostrar completa sintonia com as práticas mais violentas e mais sórdidas.
O pavio aceso pela Copa exaltou ânimos animalescos e acabou criando uma identidade nítida da "classe dominante", que deu nisso: a cavalar exibição escrotoselfica de uma baranga carioca repulsiva. Genialmente definida, por um voyeur local como um "bagulho louco, um babado, confusão e gritaria", a cena não deixa dúvidas. Mas é preciso lembrar que essa não é a primeira. Nem será a última. Não nos esqueçamos daquela outra que, em apoio à discussão do cineasta de nariz alérgico, que "ganha bem pra caralho", no rolezinho do Shopping Leblon, denunciou em tom histérico o golpe comunista no Brasil. Só o PT não vê aonde a munição policial que ele dispensou aos governos estaduais - que disso sirva como ilustração a gigantesca frota de viaturas policiais que cruza o país e ultrapassa os sinais vermelhos de toda a federação nesse instante - irá conduzir.
A Copa deixa como seu legado corrupção exponencial, violência repressiva, exclusão social, despejos, desmandos, mentiras públicas, racismo escancarado (vejam as musas das Copas em todas as homes), babaquice generalizada, produção em massa de zumbis hashtags, vandalismo da classe média livre xingando livre de inibições civilizatórias, oportunismo eleitoral, burrice exposta, maquiavelismo de botequim, e tantos outros eteceteras. O Brasil não venceu o complexo de vira-latas. Mas produziu um superviralatismo superlativo compartilhado num achatamento craniano generalizado. Sobre essa massa amorfa, ou essa montaria fofa, até um Jair Bolsonaro poderá cavalgar como guia e füher. Da # até a ? a diferença é menor do que se pensa.
*É doutor em Filosofia, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas. Foi duas vezes premiado pelo Ministério da Cultura por seus ensaios sobre o pensamento social e cultura no Brasil. É coordenador da revista eletrônica, Revista Humanas , órgão de divulgação científica da Cátedra Unesco de Multilinguismo Digital (Unicamp) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Ufes.
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