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O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina

João Capiberibe

João Capiberibe

20/1/2016 | Atualizado às 10:23

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No Brasil de antes, dos meus anos vividos no Igarapé das Mulheres a luz de lamparina, a vida era sofrida e mais curta. De lá para cá o IBGE, ano após ano, vem espichando nosso existir. Em 2013, batemos o recorde, confirmando o que alguns saudosistas têm dificuldade em aceitar: hoje vivemos mais e melhor do que viveram nossos pais. Daquele janeiro, em que eu me arrastava navegando numa canoa a vela do rio Jurará até o igarapé das Mulheres, ao instante em que escrevo, dentro de um avião, indo de Brasília a Macapá, já se foram um pouco mais de 60 anos. É desses entretempos, da canoa na calmaria dos rios sem ventos que serpenteiam a ilha do Marajó, ao Boeing riscando o céu que, garimpando nos cafundós da memória, quero lhes falar. Dizer-lhes o que encontrei quando por aqui cheguei, pegar a ponta do passado e atar na ponta do presente. Para isso preciso de dois retratos do mesmo espaço, só que de tempos diferentes. O primeiro, e mais difícil, a paisagem natural e humana do Igarapé das Mulheres de outrora. O outro, o de agora, podemos buscar no Google, na tela do nosso computador. Comparando os dois, veremos a metamorfose operada pelo tempo nas pessoas, e pela mão humana, na natureza. Hoje, segundo o IBGE, nossa expectativa de vida, ou seja, a média entre os que partem mais cedo e os que por aqui ficam mais tempo é de 74 anos e nove meses. E na década de 1950? Quantos anos estariam reservados aos brasileirinhos e brasileirinhas ao nascer? Pasmem! 43 anos e três meses. Puxa! Sorte minha poder estar aqui contando essa história. Saudades? Só mesmo dos nossos mortos, dos que não resistiram a uma doença gravíssima que assolava o país, chamada pobreza. Naquela época, ela matava 135 crianças de cada 1.000 nascidas vivas, como nos informam os anais do IBGE. Essa doença ainda hoje continua sem cura, mas menos letal, mata 15 crianças de cada mil nascidas vivas. A verdade é que nós brasileiros passávamos rápido pela vida, e alguns - incluo os moradores do Igarapé das Mulheres - mais rápido ainda. Lembro-me de Sandrinha, oito anos, linda e graciosa, passava mais tempo em nossa casa do que na casa do Seu João Sampaio e Dona Mundoca, seus pais e nossos vizinhos do lado direito. Sua morte prematura me deixou sem chão, dia tristemente inesquecível, como se tivessem arrancado um pedaço de mim. Lembro de velório de criança acontecer na casa do seu João Padeiro, na de Seu Atana, e em tantas outras que nesse momento me escapa, cenas tristes que marcaram minha infância e adolescência quando as crianças morriam de mal olhado ou quebranto. Afinal, por que morriam tantas crianças? O igarapé estava lá há tempos, sem nome, as mulheres foram chegando, e dele passaram a usar a água para atender suas necessidades: beber, cozinhar e lavar. Esta última tarefa realizavam em ajuntamento em suas beiradas entre animada conversas e muito risos. Lavavam as poucas roupas de seus maridos, filhos, e as suas, inclusive a do corpo, ficando em pelo o que atraia a curiosidade dos homens, que atrás das moitas, espremiam-se disputando espaço para espiá-las. Daí a denominação: Igarapé das Mulheres. No começo não era tanta gente, contando com a minha, de 20 a 30 famílias de origem ribeirinha ocupavam de maneira desordenada a ancha várzea amazônica das margens do Igarapé das Mulheres. Viviam em pequenas e rústicas moradias, em geral de madeira cobertas com palha, mas também havia uma ou outra, do piso ao teto, inteiramente de palha. Morávamos na baixada, a cidade mesmo ficava na parte de cima. Macapá, ainda pequena, cabia em um oásis de terra firme cercado de várzeas e ressacas úmidas por todos os lados. - Não havia ruas? - É verdade, não havia ruas. Lembrem-se, falo de muitos anos atrás, das primeiras ocupações, que ao longo do tempo foram impactando e transformando as margens do Igarapé das Mulheres até chegar ao que é hoje, o populoso bairro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Naquele tempo, andávamos por trilhas estreitas, abertas no matagal, que nos levavam de uma casa a outra ou na direção da cidade. Uma vez por mês essas trilhas ficavam alagadas pelas marés lançantes do rio Amazonas. Por elas caminhávamos com água na cintura e, quando a água baixava, patinávamos descalços na lama. Sapato era privilégio de poucos. Se não havia rua, se ainda não era cidade, certamente não havia água encanada ou energia elétrica. Isso mesmo, não havia qualquer vestígio dos equipamentos que hoje protegem a saúde nos aglomerados urbanos, e isso determinava os alarmantes índices de mortalidade infantil. E por que então escolher um lugar desses para morar? * Este é o primeiro de uma série de oito capítulos escritos pelo senador sobre histórias vividas pelo povo da margem esquerda do Rio Amazonas. Mais textos de João Capiberibe
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Amapá João Capiberibe Macapá
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