A discussão sobre limites e regras para a cobrança pelo uso de mesas, cadeiras e guarda-sóis nas praias brasileiras voltou ao centro do debate público após um episódio de violência registrado em Porto de Galinhas, no litoral sul de Pernambuco. O caso, ocorrido no sábado (27), serviu como pano de fundo para um tema que vem mobilizando prefeituras, câmaras municipais e órgãos de fiscalização em diferentes regiões do país: a necessidade de regulamentar a ocupação da faixa de areia e as práticas comerciais associadas a ela.
Na ocasião, um casal de turistas de Mato Grosso relatou ter sido agredido por comerciantes após se recusar a pagar um valor maior do que o inicialmente informado pelo aluguel de cadeiras. Segundo uma das vítimas, o preço combinado era de R$ 50, mas, horas depois, os responsáveis pela barraca exigiram R$ 80. Ao questionar a mudança, o turista afirma ter sido atacado por vários barraqueiros. Ele relatou que cerca de 15 a 20 pessoas participaram das agressões e levantou a suspeita de motivação homofóbica.
"Eu acredito também que foi algo homofóbico porque eles perceberam que nós somos um casal gay", disse.
O casal precisou de atendimento médico e registrou ocorrência na Delegacia de Porto de Galinhas. Exames descartaram fraturas, mas as vítimas relataram dores intensas e ferimentos.
Embora o episódio envolva violência, ele expôs uma questão recorrente em cidades litorâneas: a ausência ou fragilidade de regras claras sobre cobrança e fiscalização do uso da faixa de areia, que frequentemente gera conflitos entre comerciantes e banhistas. Em resposta a situações semelhantes, diversos municípios vêm adotando legislações específicas para disciplinar essas atividades.
Paraíba
Na Paraíba, por exemplo, tramita na Câmara Municipal de João Pessoa o projeto de lei nº 002/2024, que estabelece normas para o aluguel de guarda-sóis, cadeiras e mesas nas praias da capital. A proposta condiciona a atividade à autorização do poder público, exige cadastro prévio dos prestadores de serviço, impõe limites à quantidade de equipamentos na areia e proíbe a montagem antecipada sem solicitação expressa do cliente. O texto também prevê penalidades que vão de multa à suspensão da autorização.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a Prefeitura de Niterói editou o Decreto municipal nº 110/2025, que fixa o valor máximo que pode ser cobrado pelo uso de cadeiras, mesas e guarda-sóis nas praias da cidade. A norma também limita a quantidade de equipamentos que cada quiosque pode instalar previamente na faixa de areia e determina a desmontagem quando não houver ocupação, com o objetivo de preservar o livre acesso ao espaço público. O descumprimento pode resultar em multa, apreensão de mercadorias e até cassação do alvará .
Santa Catarina
Já em Florianópolis, o tema é disciplinado pelo Decreto nº 28.715/2025, que regulamenta a ocupação da faixa de areia por estabelecimentos comerciais. O texto estabelece regras para licenciamento, define limites de ocupação, proíbe a cobrança antecipada pelo uso de mesas e cadeiras e veda a exigência de consumação mínima. O decreto também reforça a proteção ambiental, restringindo a ocupação de áreas de restinga e prevendo sanções administrativas para infrações.
Ainda que a competência para legislar sobre o uso da orla seja predominantemente municipal, o acúmulo de iniciativas locais tem alimentado discussões mais amplas sobre a necessidade de diretrizes nacionais, especialmente em destinos turísticos de grande circulação.
Embora o vácuo legislativo no Congresso Nacional deixe a cargo dos estados e municípios a organização do solo, as práticas comerciais na orla estão estritamente submetidas ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). A exigência de consumação mínima ou a imposição de aluguel de equipamentos como condição para ocupar a areia pode configurar a chamada "venda casada", prática proibida pelo Artigo 39, inciso I, da Lei 8.078/1990.
Segundo especialistas, como a praia é um bem de uso comum do povo, o consumidor tem o direito de ocupar o espaço sem ser compelido a adquirir produtos ou serviços. Além disso, a alteração unilateral de preços após a contratação, como ocorrido no caso de Porto de Galinhas, viola o princípio da transparência e da boa-fé objetiva, expondo o fornecedor a sanções administrativas e cíveis por prática abusiva.