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Congresso em Foco
2/4/2020 14:37
Em virtude desta realidade, no Brasil estamos sujeitos a um grau de vulnerabilidade enorme, como se tem revelado especialmente a partir do processo eleitoral de 2018, e com riscos de danos irreparáveis se avolumando diante da ausência de uma LGPD. Mesmo que ela entre em vigor em agosto próximo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) - órgão com atribuições fiscalizatória e regulatória - infelizmente não estará estruturada de modo a fazer valer e dar plena efetividade aos direitos conquistados.
E, pior, por pelo menos dois anos a ANPD estará vinculada à Presidência da República, num governo com pouco apreço pelos direitos fundamentais, o que se revela, por exemplo, com a edição do Decreto 10.046 no ano passado, com diversos aspectos em descompasso inadmissível com a LGPD, principalmente no que diz respeito a dados sensíveis.
Ainda que essa dinâmica possa causar incertezas por conta de decisões judiciais conflitantes, é fundamental que a LGPD entre em vigor e que os Ministérios Públicos Estaduais e Federais, assim como a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor e o Poder Judiciário, estejam atentos ao seu cumprimento, de modo que o cidadão possa, por si ou por intermédio de suas entidades representativas, diante da inexistência do órgão regulador, fazer valer seus direitos. Isso é melhor do que seguirmos sem a lei.
Abrir mão da vigência da LGPD neste momento é abrir mão das garantias que o Estado deve nos prover, tendo em vista os fundamentos e princípios da República, expressos na nossa Constituição. Como nos ensina Morozov, os cidadãos, diante de falsos dilemas como "vigilantismo ou saúde", devem tomar consciência de que não se trata de escolhas como "Estado ou mercado". Estaremos escolhendo entre o exercício da cidadania, dos nossos direitos políticos, e não política.
Sendo assim, não podemos ceder à falácia de que para garantirmos a saúde pública e viabilizar medidas sanitárias teremos de abrir mão de direitos de proteção de dados pessoais e privacidade. Pelo contrário, a LGPD já traz hipóteses de tratamento de dados que dialogam com a atual conjuntura, como situações em que se faz necessário tutelar a saúde, ou para a realização de pesquisas com anonimização de dados, entre outros. Tudo isso, entretanto, de acordo com normas estabelecidas em ambiente democrático.
Ou seja, se a situação do covid-19 impõe que sejam operadas exceções, justamente por isso é fundamental que elas ocorram sustentadas por uma rede regulatória, com transparência, de modo que nós, cidadãos, possamos exercer o controle social, verificando se estarão ou não sendo cumpridos os princípios da finalidade, da adequação, da não discriminação, entre outros, neste momento crítico.
O que não é justo socialmente é que os/as brasileiros/as, depois de mais de 10 anos de discussão para a construção do texto aprovado no Congresso Nacional, sejam colocados/as diante de um falso e cruel impasse: desistir de nossa cidadania para assegurar nossa saúde.
Em artigo publicado em 20 de março no Finantial Times, intitulado "O mundo depois do coronavírus", Yuval Noah Harari diz: "Nesse momento de crise, enfrentamos duas escolhas particularmente importantes. A primeira, entre a vigilância totalitária e o empoderamento cidadão. A segunda, entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global".
É compreensível que, sem a devida reflexão, quando as pessoas se vêem obrigadas a escolher entre privacidade e saúde, que terminem por escolher a saúde. Mas os governos não podem nos colocar diante dessa escolha. Harari nos propõe que, no lugar da vigilância massiva e arbitrária, se desenvolvam mecanismos para a retomada da confiança e da transparência. Precisamos, por exemplo, ter certeza de que as informações governamentais a respeito do isolamento e das medidas de higiene de fato são necessárias e eficazes. E, na medida em que há confiança, a sociedade adere e a necessidade de adoção de medidas de vigilância fica reduzida.
Adiar a entrada em vigor da LGPD neste momento de pandemia e emergência na saúde pública significaria potencializarmos cruelmente a tragédia. A tempestade perfeita estaria dada se, em meio a um eventual adiamento, a promessa do governo federal de privatização do SERPRO e Dataprev, que concentram dados dos todos os cidadãos brasileiros, se confirmem. Que o Senado Federal entenda a importância da proteção de dados neste momento e exclua do texto a ser votado nesta sexta-feira a previsão de adiamento da vigência da LGPD.
* Flávia Lefèvre é advogada, integra o Conselho Diretor do Intervozes e é uma das representantes do 3o setor no Comitê Gestor da Internet no brasil (CGI.br).
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