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Congresso em Foco
5/7/2017 8:00
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André Rehbein Sathler *
Platão escreveu Leis na maturidade. Desencantado com a constatação do caráter irrevogavelmente utópico de sua A República, descreveu o que considerava um Estado viável, ainda assim, na sua visão, quase perfeito. Prestou atenção especial às crianças, que considerava terem uma visão aguda das coisas presentes. Uma vez alcançado o bom Estado, previsto nas Leis, sua preocupação era que se mantivessem inalterados os jogos e as brincadeiras pueris, pois mudanças nesses poderiam ocasionar mudanças degenerativas ao Estado.
Tema importantíssimo. Aquilo que se acumula na criança é o que vai se transformar nas aflições e compulsões de sua vida futura, conforme mapeado amplamente pela psicanálise. Sem apelar a determinismos, sabemos que a fisionomia interior dos homens é formada pelas suas experiências, com destaque para as da tenra infância. Independentemente da sua libertação ou não dessas vivências, são elas que constituem o seu destino.
Piaget chamava a atenção para o fato do real forçar a criança a acomodações infinitas. Em sua obra, analisou os comportamentos mnemônicos, o mecanismo da assimilação, com a tendência do reflexo a repetir-se, recursivamente, incluindo e incorporando os objetos suscetíveis de desempenhar o papel de excitantes. A compreensão desse mecanismo traz o entendimento do processo de generalização, com a criança sendo capaz de fazer assimilações cada vez mais complexas.
Ainda em Piaget encontramos a noção da inteligência como atividade organizadora, cujo funcionamento prolonga o da organização biológica, mas o supera com a elaboração de novas estruturas. Analisando ainda a evolução infantil, o famoso pensador suíço identificou um momento importante, quando os meios começam a se distinguir dos fins, pelo fato do surgimento da noção de valor. Quando isso acontece, os gestos executados e os objetos utilizados passam a se revestir de valores diferentes e a subordinar-se a uma totalidade ideal.
Esse ser, que nasce e se defronta com a necessidade de acomodações infinitas, apoia-se fortemente em comportamentos herdados - a dinamogenia. Não é estranho, portanto, conceber que existe também uma politogenia, ou os comportamentos políticos herdados. A dinamogenia e a politogenia bebem da fonte de nosso padrão de hábitos, o verdadeiro lócus de condicionamento psicossocial.
De um estágio pré-egótico, no qual a existência é completamente física, passamos ao desenvolvimento do ego, que prossegue até que se alcancem os estágios transpessoais, o nível em que se dá a política, o relacionamento com o próximo. Para o bem ou para o mal, ficamos condicionados a responder de um certo modo e nos esquecemos da liberdade que tínhamos quando em nosso estágio de ingenuidade primária. São os padrões condicionados que criam nosso ego, junto com a história contida na memória.
O organismo e o ambiente constituem um todo indissociável. Sair da própria menoridade é difícil, quando se conta com ajuda. Dificílimo, quando se está sozinho e os degraus só apontam para baixo. Somente quando capaz de assumir em si a ousadia do saber o homem pode se tornar responsável pelas próprias decisões, servindo-se de seu próprio entendimento. Nesse momento, pode assumir suas vestes de cidadão, avançando por cima das inconsistências discursivas de seus semelhantes e protagonizando suas próprias opiniões esclarecidas. Constrói, assim, sua autonomia, a capacidade de operar segundo suas regras. Essa autonomia, entretanto, respeitará o ambiente, seu condicionante, e por isso sobrevive-se em na heteronomia do sistema social. Ou seja, torna-se capaz de ser um dos pedreiros na construção da cidadania como patrimônio coletivo da sociedade.
O que fazer quando o ambiente está degradado? Quando a memória coletiva é uma história de corrupção, de jeitinho, de prevalência dos interesses privados sobre os interesses público, como crescerão as crianças? O que esperar dos cidadãos do futuro? Estará o Brasil condenado a ser um país grávido de promessas? Se o Estado não é ideal, como o de Platão, impõem-se que se tome seu conselho às avessas: mudem-se os jogos de nossas crianças! E que possa nascer uma nova dinâmica política para os filhos dos nossos filhos.
* Doutor em Filosofia, é professor do mestrado em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
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