Rodolfo Torres
O ano recém-iniciado vem com um desafio em relação aos anteriores: os parlamentares terão de provar que são capazes de alterar a estrutura de impostos e o modelo político brasileiro nos próximos 12 meses. Sem eleições para reduzir as atividades do Congresso e com o apoio do governo, que defende a aprovação das matérias, parlamentares terão tempo necessário para aprovar as reformas tributária e eleitoral. Do outro lado, uma crise econômica global sem precedentes e a desconfiança da oposição podem dificultar a análise dessas propostas. Além dessas matérias, também estão na pauta a mudança da tramitação das medidas provisórias no Congresso. Apontadas como um dos fatores da baixa produtividade parlamentar, as MPs podem ter seu rito alterado neste ano. Outros projetos à espera de apreciação do Parlamento neste ano são a instituição de mais um tributo, a Contribuição Social para a Saúde (CSS) – que viria para substituir a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – e a criação de cotas em instituições públicas federais de educação superior para estudantes de escolas públicas. O ano ainda trará, no mínimo, a instalação de três comissões parlamentares de inquérito (CPIs): a da dívida pública; a que investigará o desaparecimento de crianças e adolescentes; e a que explorará o tema da violência urbana. Reformas Aprovada na comissão especial no final de novembro de 2008, o texto da reforma tributária será analisado no plenário a partir de março. O governo, que pretendia aprovar a matéria ainda no ano passado, teve que retroceder da idéia após intensa obstrução dos partidos oposicionistas. Em linhas gerais, a proposta de reforma tributária a ser analisada inicialmente pelos deputados prevê a unificação das 27 legislações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a extinção de quatro tributos (Cofins, PIS, Salário Educação e CSLL) para a criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F). Por sua vez, a proposta de reforma eleitoral foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em dezembro passado. Para seguir para a análise do plenário, o texto ainda precisa ser apreciado por uma comissão especial, que analisará o mérito das mudanças sugeridas. As 62 propostas de emenda à Constituição analisadas pelo colegiado determinam, entre outras coisas, o fim da reeleição em cargos executivos, mandatos de cinco anos para todos os cargos no Executivo e no Legislativo (inclusive o de senador), e mudança na data da posse – hoje fixadas em 1º de janeiro e 1º de fevereiro. Uma das PECs admitidas prevê a coincidência de mandatos. Nesse caso, uma única eleição definiria vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e o presidente da República. A proposta de reforma eleitoral aprovada na CCJ não prevê o voto distrital misto, como propôs o governo. A reforma eleitoral não deve ser confundida com a reforma política, que foi rejeitada pelo plenário da Câmara em 2007. Essa reforma preterida tratava de financiamento público de campanhas eleitorais e do voto em listas partidárias. Embates Em relação à reforma tributária, o impasse está na carga tributária. Governistas alegam que a proposta reduzirá a carga tributária, incentivará o investimento e auxiliará o país a atravessar o atual momento de turbulência nas finanças internacionais. “A proposta não é perfeita, mas é a proposta possível”, afirmou o líder do PT, Maurício Rands (PE). Já a oposição, que conseguiu mais tempo para apreciar a matéria, destaca que o projeto aumentará a carga tributária no país e provocará demissões. De acordo com o deputado José Carlos Aleluia (BA), vice-líder do DEM, a reforma tributária proposta “inviabiliza o próximo governo”. Uma emenda aprovada na comissão especial da reforma tributária garante isenção do ICMS aos produtos da cesta básica. Deputados também mantiveram a cobrança do ICMS sobre a comercialização de softwares, e aprovaram a isenção desse imposto para resíduos e sucata usados como matérias-primas para reciclagem. Além disso, texto que será analisado em plenário elimina a possibilidade de criação de uma nova CPMF por meio de lei complementar. Em relação à reforma eleitoral, o principal embate a ser travado no Congresso diz respeito a uma suposta extensão do mandato do presidente Lula. Apesar de o texto da proposta não tratar desse assunto, há quem defenda abertamente a realização de um plebiscito em 2009 para abrir a possibilidade de o presidente concorrer a um terceiro mandato. “Não pode ser a Casa a decidir isso. A sociedade é que vai dizer”, afirmou o deputado Carlos Santana (PT-RJ) ao Congresso em Foco. O petista, que promete apresentar uma emenda ao texto da reforma eleitoral na comissão especial, também afirmou que vai brigar pela instalação de uma frente parlamentar pró-plebiscito. De acordo com ele, a frente já conta com o apoio de outros deputados, como Domingos Dutra (PT-MA), Jaime Martins (PR-MG) e Devanir Ribeiro (PT-SP). No entanto, o relator da reforma eleitoral, deputado João Paulo Cunha (PT-SP) desdenhou da emenda do correligionário. “Essa proposta não existe. Eles têm o direito de propor, mas a maioria tem o direito de dizer que não prospera.” MPs Outra PEC também terá espaço reservado nas discussões dos congressistas em 2009. Deputados analisarão, em segundo turno, a PEC 511/06, que altera a tramitação das medidas provisórias no Congresso. Amatéria foi aprovada em primeiro turno na última sessão deliberativa da Câmara em 2008. Após ser analisada em segundo turno pelos deputados, a matéria será encaminhada ao Senado. A proposta, defendida à exaustão pelo atual presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP), possibilita que a maioria absoluta possa inverter a pauta quando uma medida provisória trancar as votações. Atualmente isso não é possível. Outro ponto dessa PEC determina a análise, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e do Senado, dos preceitos constitucionais de relevância e urgência que deve ter uma medida provisória. Somente após essa fase é que uma MP seguirá ao plenário. Governistas ainda mantiveram a possibilidade de o governo editar uma MP para revogar outra MP editada anteriormente. Além disso, pela proposta o governo poderá retirar uma medida provisória até 15 dias após sua edição. As matérias citadas são propostas de emenda constitucionais (PECs). Por alterarem a Constituição, elas necessitam ser analisadas em dois turnos em cada uma das Casas Legislativas (Câmara e Senado). Além disso, cada uma dessas votações requer, no mínimo, 3/5 dos votos. Ou seja, 308 deputados e 49 senadores. Pouca mudança Para o jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), 2009 não terá uma grande produtividade parlamentar. Isso porque, em sua análise, a sucessão na Câmara e no Senado e as articulações em torno da sucessão presidencial de 2010 ocuparão espaço privilegiado neste ano. “Na reforma política tende a prevalecer o projeto que permite a mudança de partido sem perda de mandato. Na reforma tributária, o máximo que poderá esperar será um IVA federal, já que não há acordo com os principais Estados: Minas e São Paulo... A regulamentação de MPs pode andar, mas o governo dispõe de meios para impedir seu avanço”, afirmou em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco (confira a íntegra da entrevista). CPIs O ano de 2009 trará, no mínimo, mais três novas comissões parlamentares de inquérito (CPIs). São elas: a CPI da dívida pública; a que investigará o desaparecimento de crianças e adolescentes; e a que irá apurar o tema da violência urbana.
O pedido de abertura CPI que investigará a dívida pública teve como instrumento de reforço uma matéria publicada no início do ano passado pelo Congresso em Foco (Juros da dívida consumiram 22 CPMFs em cinco anos). Segundo a reportagem, desde o início do primeiro mandato, em 2003, até o começo de 2008, o governo Lula já havia destinado mais de R$ 851 bilhões – o equivalente a 22 CPMFs – apenas para o pagamento de juros nominais da dívida pública consolidada (interna e externa). CSS Deputados precisam votar apenas um destaque para concluir a análise da proposta que cria a CSS, imposto que funcionaria nos moldes da CPMF e serviria para financiar a saúde pública. Ao contrário da CPMF, que tinha caráter provisório, a CSS será permanente e destinada exclusivamente para a área da saúde. No entanto, o tributo não será cobrado de aposentados, pensionistas e trabalhadores que recebem até R$ 3.038,00 por mês. Apresentado pelo DEM, o destaque pendente acaba com a base de cálculo do novo tributo. Na prática, inviabiliza a cobrança da CSS. Após passar pela Câmara, a matéria seguirá para votação no Senado, onde deve enfrentar forte resistência da oposição. Cotas em universidades Outra matéria que deve ser analisada pelo Congresso em 2009 é o Projeto de Lei 3627/04, que determina que as instituições públicas federais de educação superior devem reservar, no mínimo, 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A matéria já foi aprovada na Câmara e agora está no Senado. De acordo com uma emenda aprovada pelos deputados, do total das vagas que serão reservadas aos estudantes do ensino público, metade deverá ser destinada a estudantes oriundos de famílias cuja renda per capita seja de até 1/5 de salário mínimo. A outra metade será para estudantes que se declarem negros, pardos e indígenas. Na Justiça Apesar de já ter sido aprovada na Câmara e no Senado, a PEC dos Vereadores foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O impasse ocorreu entre as duas Casas porque o Senado decidiu não adotar o dispositivo aprovado pela Câmara que determina a redução dos custos com as câmaras municipais. Em virtude dessa alteração, Chinaglia decidiu não assinar a promulgação da PEC. A atitude do petista fez com que o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), acionasse a advocacia da Casa para ingressar com um mandado de segurança junto à Suprema Corte. Garibaldi quer conseguir na Justiça a promulgação dessa proposta. Em linhas gerais, a PEC dos Vereadores amplia de 51.748 para 59.791 o número de desses cargos no país (diferença 7.343 – ou 14,1% de ampliação de vagas). A matéria altera a proporcionalidade de vereadores em relação à quantidade de habitantes de cada município. Assim, os menores municípios (até 15 mil habitantes) teriam nove e os maiores (até 8 milhões) 55 vereadores. Outra matéria que foi parar nos tribunais foi o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Apesar de a proposta ter sido aprovada no Congresso, parlamentares não destinaram recursos do orçamento para compor o fundo soberano. Para iniciar o FSB, o governo editou a Medida Provisória 452/08, que autoriza o Tesouro Nacional a emitir títulos da dívida pública mobiliária federal em favor do fundo soberano. Contrários a criação do fundo soberano, partidos oposicionistas impetraram uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) no STF. De acordo com a argumentação das siglas de oposição, o governo só pode editar medida provisória em casos excepcionais, como calamidades, catástrofes naturais e guerras. Além disso, oposicionistas ressaltam que o Congresso não aprovou os recursos que seriam destinados ao fundo soberano por meio do Orçamento da União. O fundo soberano é uma espécie de poupança de R$ 14,2 bilhões. De acordo com o governo, esses recursos serão utilizados em investimentos e ajudarão o país a enfrentar os efeitos da atual crise no sistema financeiro internacional. Por sua vez, a oposição ressalta que os recursos do FSB poderão ser utilizados para qualquer finalidade e sem nenhuma fiscalização. De acordo com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o fundo soberano garante ao governo federal “recursos abundantes fora do orçamento, fora de qualquer controle, fora de qualquer fiscalização, para ser investido aonde quer que queira, inclusive em período eleitoral”.