Uma interpretação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, sobre o prazo-limite para a concessão de aumento salarial aos servidores públicos levantou dúvidas sobre a legalidade de reajustes já concedidos e levou o governo federal a adiar a elevação dos vencimentos de 260 mil servidores. Marco Aurélio disse que a lei proíbe reajustes acima da inflação a menos de 180 dias da eleição, mesmo que o aumento seja específico para uma categoria ou decorra da reestruturação de carreiras.
Com isso, o governo federal suspendeu a edição de uma medida provisória, que seria assinada ontem, dando aumento para servidores do INSS, do Inmetro, da Fiocruz e do IBGE. Os ministros do TSE examinaram anteontem uma consulta do deputado Átila Lins (PMDB-AM) sobre o momento a partir do qual estão proibidos os aumentos salariais. A dúvida do deputado era se o prazo seria de 180 ou 90 dias. O tribunal respondeu que a data-limite foi 4 de abril (180 dias antes da eleição), que já havia sido fixada pelo próprio TSE em dezembro de 2005.
Ao anunciar a decisão, anteontem, Marco Aurélio disse que estavam proibidos todos os aumentos salariais que excedessem a reposição da inflação, ainda que concedido a apenas algumas categorias. A legislação, porém, só veda a "revisão geral" acima da inflação. O ministro chegou a dizer que o governante que tivesse autorizado aumento real de salário após 4 de abril estaria sujeito à cassação da candidatura ou do mandato, se eleito.
O Planalto decidiu esperar até que a Advocacia Geral da União se pronuncie sobre o tema. Para o presidente Lula, a decisão do TSE não afetará os reajustes. Em 30 de maio, ele assinou uma MP concedendo reajuste salarial a sete categorias do funcionalismo federal. O presidente pretendia editar mais cinco com o mesmo objetivo.
De acordo com a Lei Eleitoral, o agente público não pode "fazer revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição". Com isso, ministros do próprio TSE e advogados avaliam que a decisão do tribunal não tem efeito prático, porque Lula não concedeu revisão geral dos salários. Em 2002, o TSE distinguiu a revisão geral de aumentos a categorias determinadas.
Marco Aurélio, porém, confirmou ontem à tarde o seu entendimento anterior: "Qualquer reajuste que exceda o patamar da reposição do poder aquisitivo, considerada a perda do ano da eleição, e não perdas passadas, será conflitante com a legislação". Ao ser indagado se a lei não se aplica apenas à revisão geral, disse: "Mais importante do que o aspecto formal (da lei) é o conteúdo. O que a lei veda é a possibilidade de se cooptar eleitores mediante bondades."
O presidente do TSE justificou que a medida visa a coibir abusos na corrida eleitoral. "Em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível e então pode ocorrer até mesmo o lapso quanto à pratica verificada nos últimos tempos de conferir-se tratamento aos servidores públicos como se fossem os culpados pelas mazelas do Brasil, os bodes expiatórios. A bondade passa a ser uma constante", disse em seu voto.
Ao todo, se o projeto de reajustes do governo for implementado neste ano, serão beneficiados mais de 1,3 milhão de servidores do Executivo, entre funcionários civis e militares, na ativa e aposentados.
O presidente Lula disse que a posição do TSE não altera em nada o cronograma do governo. Lula ressaltou que o Orçamento da União para este ano só foi aprovado em abril e que vai continuar o ritual normal de atendimento às categorias. O governo tem dado aumentos diferenciados para as diversas categorias do funcionalismo. "Temos muitas categorias que estão em época de reajuste. O orçamento só foi aprovado em abril. Então, esse é o momento de dar o reajuste e acho que não houve mudança. Vamos continuar cumprindo o ritual normal de atendimento das categorias", disse.