Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Congresso em Foco
24/1/2006 | Atualizado às 8:36
II - VOTO DO RELATOR
8. DO PROCESSO
Pesa sobre o Deputado Pedro Corrêa, presidente nacional do Partido Progressista - PP, a acusação de ter participado do esquema do "mensalão". Os indícios recolhidos, tanto pela CPMI dos Correios, quanto pela Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados, foram no sentido de que o Partido dos Trabalhadores - PT, repassava valores substanciais, em espécie e não contabilizados, ao Partido Progressista, sendo que esses repasses faziam parte de um esquema de corrupção, denominado por alguns de "mensalão".
Ao que nos foi dado compreender, o deputado representado, na qualidade de dirigente nacional do Partido Progressista, juntamente com o Líder José Janene, autorizava o Sr. João Cláudio Carvalho Genu, funcionário da liderança do Partido Progressista na Câmara dos Deputados, a recolher elevadas quantias em dinheiro, que o Partido dos Trabalhadores, por intermédio do Sr. Marcos Valério, disponibilizava na agência do Banco Rural, em Brasília. Segundo restou comprovado, os valores recebidos pelo Sr. Genu eram entregues na presidência do Partido Progressista.
A defesa, em momento algum e em nenhuma instância, negou tais fatos. Limitou-se a contestar o valor de R$ 4,1 milhões que, segundo o Sr. Marcos Valério, teriam sido repassados ao Partido Progressista. Alega a defesa que os repasses feitos pelo Partido dos Trabalhadores totalizaram R$ 700.000,00 (setecentos mil reais).
Registra, ainda, o nobre defensor do representado, que esses recursos foram utilizados para atender um correligionário, o Deputado Ronivon Santiago, que estava em sérias dificuldades para saldar custas advocatícias.
Segundo a defesa, logo após as últimas eleições para cargos do Legislativo, o Partido dos Trabalhadores do Acre teria instigado outros partidos ou ele próprio movera uma série de ações judiciais contestando o resultado das eleições. O Partido Progressista, que havia eleito dois deputados federais no estado, foi alvo dessas ações.
Em razão de tais ações, um dos deputados eleitos, Deputado Narciso Mendes, acabou tendo, inclusive, seu mandato cassado. Já o segundo eleito, qual seja, o Deputado Ronivon Santiago, encontrava dificuldades para custear sua defesa, face ao elevado número de ações (aproximadamente 38), movidas ou instigadas pelo Partido dos Trabalhadores.
Segundo alega o representado, diante dessas dificuldades, o Deputado Ronivon Santiago teria procurado a direção nacional de seu partido, solicitando ajuda financeira. Foi então que, buscando auxiliá-lo, o Partido Progressista, que negociava sua entrada na base do governo, colocou na mesa de negociação a necessidade de o Partido dos Trabalhadores fornecer os recursos necessários para que o Partido Progressista pudesse defender seu deputado.
Daí a ponderação do advogado do representado, quando da sua defesa escrita:
"O único envolvimento do Acusado no recebimento de recursos repassados pelo Partido dos Trabalhadores diz respeito ao acordo político realizado entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Progressista.
No início do Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva diversas reuniões foram realizadas entre a cúpula do Partido Progressista e do Partido dos Trabalhadores visando formalizar aliança para formação da base de sustentação do Governo Federal.
..........................................................................................................................
Entre as diversas negociações políticas havidas com o Partido dos Trabalhadores, restou acertado que este ajudaria no pagamento de tal encargo, já que muitas das ações teriam sido geradas pelo embate político havido com o próprio Partido dos Trabalhadores à nível regional".(suprimimos alguns parágrafos que não tinham relação direta com nossa linha de argumentação)
Esta foi, portanto, a síntese da tese esposada pela defesa.
Inicialmente, peço vênia aos colegas deste Conselho para registrar a minha perplexidade com a supracitada tese da defesa. Vejam, Vossas Excelências, com que realidade inusitada nos deparamos. De um lado, temos o Partido dos Trabalhadores do Acre a questionar a lisura que deve pautar os pleitos eleitorais e, de outro lado, temos o Partido dos Trabalhadores Nacional, movido por propósitos outros, fornecendo recursos para que o Partido Progressista pudesse defender-se das acusações feitas pelo Partido dos Trabalhadores do Acre.
Em suma, estamos diante de uma situação, no mínimo, surpreendente, pois o mesmo partido político que, no âmbito estadual, num primeiro momento, denuncia fraudes eleitorais, fornece, no âmbito nacional, recursos financeiros para defender os supostos fraudadores.
Se rememoro esses fatos, faço-o à guisa de desabafo. Mas que fique clara, desde logo, a minha posição: - Para o julgamento deste caso, pouca relevância tem a destinação do dinheiro que foi repassado ao Partido Progressista. Explico:
Restou cabalmente demonstrada e comprovada a participação do Deputado Pedro Corrêa no recebimento de, pelo menos, R$ 700 mil, provenientes do Partido dos Trabalhadores. O fato foi admitido de maneira expressa pelo próprio representado, quando de sua oitiva.
Aliás, também quando inquirido pelo Deputado Jairo Carneiro, sobre o fato do representado ter ciência dos saques realizados pelo Senhor Genu, o Deputado Pedro Corrêa respondeu textualmente:
".......evidentemente que nós sabíamos que ele estava indo buscar os recursos que tinham sido autorizados para pagamento do advogado..."
Ademais, a participação do representado foi ainda descrita e admitida, com riqueza de detalhes, pelo Sr. João Cláudio Carvalho Genu, encarregado pelo Deputado Pedro Corrêa de efetuar os saques e entregá-los na sede do Partido Progressista.
Portanto, dúvidas inexistem quanto ao fato do representado ter atuado, de forma direta, na negociação que culminou com os repasses feitos pelo Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista, bem como inquestionável a sua participação direta nas autorizações para que os saques fossem realizados pelo Senhor João Cláudio Carvalho Genu.
É certo que o representado se justificou, alegando que agia na qualidade de presidente nacional do Partido Progressista.
Todavia, apesar de alegar que a citada quantia foi uma doação do Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista, razão pela qual não prestou contas à Justiça Eleitoral, o certo é que os recursos sequer foram registrados na contabilidade interna do partido. Isso restou cabalmente evidenciado no depoimento do Sr. Valmir Campos Crepaldi, testemunha de defesa ouvida por este plenário na sessão de 13 de dezembro de 2005.
Portanto, é inegável que, apesar da doação ter sido feita "ao partido e não ao representado", como salientou a defesa do Deputado em seu aditamento, essa não contabilização da doação nas contas do partido, por si só, já demonstra a obscuridade que pautou essa relação havida entre o Partido Progressista e o Partido dos Trabalhadores.
Afinal, como dois partidos de convicções ideológicas tão diversas, com trajetórias tão distantes se uniram para, juntos, governar?
Essa união, aliás, foi a causa da indignação do Deputado Nélson Trad que, inquirindo o Deputado Mário Negromonte, assim simbolizou seu inconformismo:
"Como duas paralelas se tornam tangentes? Qual seria a mágica geométrica partidária a justificar essa união?"
Foi então que, em resposta, o Deputado Mário Negromonte fez sua perolação, mas, em verdade, não conseguiu explicar essa união, pois, se assim o fizesse, estaria a explicar o inexplicável.
Portanto, também essa união espúria está a evidenciar que os repasses feitos pelo Partido dos Trabalhadores ao Partido Progressista, de fato, fizeram parte da negociação que possibilitou o ingresso ou a permanência deste último na base aliada.
Já num outro momento do procedimento investigatório (fls. 29), lembro-me de que, inquirido por mim sobre a origem do dinheiro recebido, o Deputado Pedro Corrêa respondeu textualmente:
"Eu tinha certeza de que era do PT. Até porque se dizia que o PT estava com as burras cheias, que todo mundo contribuía. O PT estava comprando cinco mil computadores. Aliás, fazia inveja a todos os partidos..."
Ora, se o próprio Deputado Pedro Corrêa alega que tinha a mais absoluta convicção de que os recursos que recebera eram do PT, forçoso é reconhecermos que inexistiria razão para o representado não contabilizar ou mesmo determinar a contabilização das respectivas entradas.
Se inexistiu o registro, peço escusas a douta defensoria, mas sou obrigado a concluir que essa omissão por parte do representado se deu de forma proposital, ou seja, não se registrou no partido a entrada das referidas quantias, pois se sabia que o dinheiro tinha origem ilícita.
Em outra parte de sua defesa, buscando ainda demonstrar a lisura de seu proceder, o representado invoca a literalidade do art. 31 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, Lei no 9.096, de 1995, que, ao arrolar as vedações quanto a doações a partidos políticos, não cita partidos políticos. Ou seja, a citada lei, no entender da defesa, não proibiria que um partido político fizesse doação a outra agremiação partidária.
Não obstante ser correta a menção ao art. 31 da chamada Lei Orgânica dos Partidos Políticos, o certo é que essas doações foram feitas em descumprimento de inúmeras outras disposições legais que exigem transparência no processo eleitoral. Sobressaem, como mais importantes, o art. 30 e os §§ 1o a 3o do art. 39 desta mesma lei, que determinam a prestação de contas dos valores recebidos e descrevem, minuciosamente, a forma, obrigatória, para a realização de contribuições financeiras a partidos políticos, in verbis:
"Art. 30. O partido político, através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.
..................................................................................
Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.
§ 1o As doações de que trata este artigo podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual e municipal, que remeterão, à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido, o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, juntamente com o balanço contábil.
§ 2o Outras doações, quaisquer que sejam, devem ser lançadas na contabilidade do partido, definidos seus valores em moeda corrente.
§ 3o As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político.
..........................................................................................."
A ratio legis, ou seja, a razão desses preceitos legais, sem dúvida, é a de permitir sempre, e em todo caso, a identificação perante a Justiça Eleitoral da origem e destinação dos recursos dos partidos políticos.
Que não se alegue, como fez a defesa, que a obrigatoriedade de comunicação dos recursos à justiça eleitoral se vincula exclusivamente às despesas eleitorais. Não, a lei não autoriza, de forma alguma, tal interpretação restritiva. O que a legislação quer é tornar pública, integralmente pública, a totalidade das fontes financiadoras dos partidos políticos. Dentro e fora dos períodos eleitorais.
O mais certo, dentro de uma rigorosa hermenêutica jurídica, seria defender justamente o contrário. A lei Orgânica dos Partidos Políticos obrigaria a prestação de contas à justiça eleitoral apenas das contas ordinárias, excluindo-se as não-eleitorais, cuja normatização se daria por um diploma específico, a Lei das Eleições (Lei no 9.504, de 1997). Todavia, justamente para afastar tal entendimento, a Lei das Eleições também dispõe de forma a obrigar a prestação de contas das verbas eleitorais. Ou seja, a prestação de contas à justiça eleitoral deve se referir tanto às verbas eleitorais quanto às doações feitas fora do período eleitoral.
Esta, aliás, é a linha de raciocínio do doutrinador Olivar Coneglian que, analisando a Lei das Eleições e, especificamente, o disposto no art. 23, § 4o da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, asseverou:
"...o que interessa para a lei é que haja possibilidade de se identificar a origem das doações".
Depreende-se, portanto, dos autos que a contribuição do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista foi efetuada de maneira irregular, apenas por contatos verbais. Não houve comprovação, registro ou prestação de contas da operação, seja para efeitos de contabilidade interna do Partido Progressista, seja para o cumprimento dos deveres do Partido Progressista junto à justiça eleitoral.
Não bastasse a irregularidade da operação, conduzida deliberadamente de modo a ser ocultada, registramos ainda que o art. 24, IV da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997 veda, expressamente, aos partidos políticos, receber, ainda que indiretamente, doação em dinheiro procedente de entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal.
Ora, o Partido dos Trabalhadores é uma dessas entidades, recebendo, por disposição legal (art. 38, Lei no 9.096, de 1995) e constitucional (Constituição, art. 17, § 3o), participação compulsória no fundo partidário, e estando, portanto, impedido de doar recursos ao Partido Progressista.
Também aqui, não podemos conceber que se invoque a tese de que as citadas normas se aplicam exclusivamente em períodos eleitorais. O escopo das normas, a finalidade do ordenamento jurídico, neste ponto, é que haja uma fiscalização, não somente integral, mas também permanente, das finanças partidárias.
Nesta fiscalização está uma das principais bases da segurança e lisura de todo o sistema político adotado por nosso país. Os partidos políticos estão na base da democracia representativa adotada no ocidente. Logo, o controle financeiro dos partidos, por parte da justiça eleitoral, é uma das garantias que preservam o sistema eleitoral brasileiro.
Não é por outra razão que a obrigação de prestar contas das verbas recebidas é princípio de estatura constitucional, prevista no inciso III do art. 17 da Carta Magna. Aliás, a propósito do tema, Manoel Gonçalves Ferreira Filho preleciona que:
"A transparência na contabilidade partidária busca impedir que os partidos sejam elementos corrompidos e corruptores do sistema político. Corrompidos, por sofrerem a indevida influência de financiadores inescrupulosos. Corruptores, por usarem de seus recursos para a compra de consciências e votos".
Esse dever constitucional se reflete na legislação ordinária, sendo previsto nos arts. 28 e seguintes da Lei no 9.504, de 1997 (Lei das Eleições) e nos arts. 30 e seguintes da Lei no 9.096, de 1995 (Lei dos Partidos Políticos). Ali, a obrigação de prestar contas é formulada de modo amplo, atingindo tanto candidatos como partidos, em nível nacional, estadual e municipal, sempre no interesse da lisura e da integridade do processo eleitoral. Seu descumprimento sujeita o partido político à suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, até que eventual esclarecimento sobre recursos não declarados, seja acolhido pela Justiça Eleitoral.
De outra parte, a omissão ou inserção de informação falsa, na prestação de contas a que estão obrigados os partidos e candidatos, é tipificada como falsidade ideológica, prevista no art. 299 do Código Eleitoral.
É princípio geral de Direito, consagrado em todos os ordenamentos jurídicos da família romano-germânica, que ninguém pode escusar-se de cumprir a lei, alegando sua ignorância.
Assim sendo, não pode merecer guarida a alegação do representado, feita por ocasião de seu depoimento pessoal, de que não sabia estar incorrendo em ilícitos ao receber doações de outro partido político e não contabilizá-las. Também não pode prosperar a tese de que se trata de "mera presunção", desprovida de efeitos práticos, a obrigatoriedade de o representado conhecer a origem do dinheiro que o Partido dos Trabalhadores lhe passava.
A responsabilidade dos dirigentes partidários pela prestação de contas e escrituração contábil dos partidos vem claramente determinada no art. 34, II da Lei 9.096, de 1995. Aliás, nem poderia ser diferente, pois, caso contrário, estaríamos autorizando a criação de um novo modelo partidário, no qual admitiríamos a figura do dirigente partidário, sem qualquer responsabilidade sobre verbas com finalidade partidária que lhes foram diretamente confiadas e sobre cuja destinação decidiu pessoalmente. Concebermos essa esdrúxula hipótese seria, como já disse, criarmos a figura do intermediário sem obrigação e sem responsabilidade perante sua agremiação, o que seria inaceitável.
O Deputado Pedro Corrêa, conforme constatado, era e é presidente nacional do Partido Progressista. Como tal, deveria estar a par das obrigações do partido, zelando pela obediência à lei. No caso da alegada doação de R$ 700 mil, a origem da verba não foi oficialmente atestada pelo partido.
Paradoxalmente, malgrado sua atuação central e determinante no recebimento e distribuição desses valores, o Representado declara que não lhe cabia qualquer responsabilidade de verificar a origem ou de declarar a entrada desses recursos no caixa do partido. Isso a despeito do fato de presidir nacionalmente o partido, ao qual incumbia, repita-se, por determinação legal, receber doações e manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.
Esse seu proceder, como dissemos alhures, feriu a ética e frustrou a intenção da lei. Aliás, não podemos esquecer, Senhores Conselheiros, que foi justamente esse proceder, ou seja, a não contabilização, o não registro e o "oportuno" descompromisso dos dirigentes partidários, a peça chave e fundamental que permitiu ao Partido dos Trabalhadores fazer repasses a inúmeros partidos da base aliada, inaugurando, neste parlamento, a mais vexatória e promíscua relação entre partidos de que se teve notícia na história de nossa República.
9. DO DECORO PARLAMENTAR E DE SUA INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AOS DELITOS PENAIS
O ilustre advogado do Deputado Pedro Corrêa, em suas defesas técnicas, sempre procurou justificar a inocência de seu constituído, alegando princípios de direito penal. Principalmente alegando a atipicidade de sua conduta. A lógica de tal raciocínio é a de que os princípios do Direito Penal, bem como do Direito Processual Penal, regem os trabalhos do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, o que, data venia, não é uma lógica correta.
O artigo 4o do Código de Ética e Decoro Parlamentar assevera:
"Art. 4o Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, arte 55, §1o);
II - perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, arte 55, §1o);
lII - celebrar acordo que tenha por objeto a posse do Suplente, condicionando-a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos Deputados;
IV - fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação;
V - omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18." (grifo nosso).
Infere-se, portanto, desse enunciado, que decoro é comportamento, é imagem pública, é honra, é dignidade. Decoro parlamentar é obrigação de conteúdo moral e ético, que não se confunde com aspectos criminais, embora deles possa decorrer.
A palavra DECORO vem do latim decorus, e é entendida como decência, dignidade, honradez.
Para Aurélio Buarque de Holanda, DECORO significa ainda correção moral; compostura e nobreza.
Aliás, a exigência do decoro parlamentar é hodiernamente considerada como uma decorrência lógica da democracia representativa, estendendo-se por todas as corporações legislativas que adotam a representação popular em órgãos coletivos.
Em determinado momento de nossa história, ao fundamentar os motivos justificadores da perda de mandato, Tito Costa, buscando apoio em Miguel Reale, asseverou:
"Nosso mestre Miguel Reale, em primoroso parecer sobre a matéria, vai ás raízes da palavra decoro, a fim de desvendar, tanto quanto possível, seu preciso significado. Decoro, diz ele 'é palavra que, consoante a sua raiz latina, significa 'conveniência', tanto em relação a si (no que toca ao comportamento próprio) como em relação aos outros; equivale, pois, a ter e manter correção, respeito e dignidade na forma dos atos, de conformidade e à altura de seu status e de suas circunstâncias, o que implica uma linha de adequação e de honestidade'. (in Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores - 2a edição. São Paulo, Ed. RT, pág. 174).
No presente caso restou provado que o Deputado Pedro Corrêa, como dirigente-maior do Partido Progressista, exigiu, como parte da negociação que culminaria com o ingresso de seu partido na base aliada, que o Partido dos Trabalhadores efetuasse repasses de recursos ao seu partido.
Apesar do representado, num dado momento de sua oitiva, contrariando o que disse nesse mesmo depoimento, ter alegado que essa negociação não ocorreu, o certo é que, se acolhêssemos tal negativa, ainda assim, vislumbraríamos indignidade em sua conduta, pois, se não condicionou seu ingresso à base aliada, aos recursos que recebeu, inegável que o representado, minimamente, valeu-se do fato do seu partido pertencer à base governista para, dentre outras coisas, autorizar que sua agremiação "solicitasse" ao Partido dos Trabalhadores recursos para a defesa de um seu parlamentar, sem efetuar o registro das quantias recebidas.
Tal postura, vista sob qualquer dos enfoques que abordamos acima, indubitavelmente, fere a dignidade que deve revestir o exercício de mandato parlamentar. Permito-me dizer, neste particular, que qualquer cidadão teria essa mesma opinião, pois a conduta do Deputado ofendeu a honradez que deve nortear as relações político-partidárias. É, pois, nosso dever, como Conselheiros, desaprovar e rejeitar esse comportamento.
Aceitarmos esse tipo de proceder, retratado nas investigações, é admiti-lo como aceitável e, por conseguinte, julgar ética a conduta daqueles parlamentares que vinculam o seu apoio ou se valem deste apoio para obter vantagem econômica em proveito próprio ou de outrem.
Embasado nessa premissa é que peço vênia ao representado para rebater outra de suas teses: - A meu ver, pouca ou quase nenhuma relevância tem o fato de seu partido, em inúmeras ocasiões, ter encaminhado votações contra o Governo.
Esse agir não retira a mácula de sua conduta no que concerne aos recursos financeiros recebidos pelo partido presidido pelo representado; tampouco torna ética o repasse de recursos que o Partido dos Trabalhadores fez para pagamento de honorários advocatícios de um Deputado da agremiação presidida pelo próprio representado.
Em suma: A ética não comporta elasticidade, ainda mais no universo parlamentar, onde a conduta desonrada não se esgota no indivíduo que a cometeu. Como regra, compromete todo o coletivo a que ele pertence. Sim, pois, se determinado indivíduo partilha da honra de seu grupo, e com este se identifica, a sua desonra deita sombra sobre a honorabilidade de todos.
Portanto, no caso em tela, há ainda uma honra coletiva a ser preservada, que se traduz na noção de decoro parlamentar.
Enfim, o que queremos deixar claro é que o julgamento legislativo não se confunde com a esfera judicial penal, pois é político. Eventual cometimento de crime deve ser objeto de apuração junto ao Poder Judiciário, se assim entender cabível o Ministério Público. A independência do processo que estamos levando a termo, em relação à instância judicial, é tema uníssono na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante se pode verificar no já lembrado extrato do voto proferido pelo Ministro Paulo Brossard (Mandado de Segurança no 21.360-DF, item 7.1 deste voto), no qual o eminente jurista tece considerações acerca da dificuldade de conceituação do que seja decoro parlamentar. Naquele mesmo voto, em outra passagem, o ilustre jurista afasta o entendimento de que, quando o fato configurar simultaneamente falta de decoro e, em tese, ilícito penal, seria necessário o esgotamento da instância judiciária para, então, dar-se início ao julgamento político com base no art. 55, inc. VI, da Constituição de 1988. In litteris:
"Não faltou quem, exagerando mais o rigor, exigisse o prévio pronunciamento da Justiça comum, como base das deliberações parlamentares. O julgamento da conduta do congressista é um ato de soberania que foge, até, à apreciação de outro qualquer poder. Essa é a opinião dos nossos comentadores, entre eles Pontes de Miranda, e é também a jurisprudência do Poder Judiciário norte-americano, conforme se vê da copiosa lista de julgados transcrita na obra Calvo -- Diário do Congresso Nacional, 28, V. 49, pág. 4.385)" (RTJ 146/170).
Nessa mesma linha foi relatório proferido no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça, à epóca da chamada CPI dos Anões do Orçamento, pelo eminente Deputado Jarbas Lima:
"Preservar, fortalecer e ampliar o regime democrático é de importância capital para a classe política. Uma democracia estática é uma ameaça, pois tende à paralisia, à crise, ao autoritarismo, acabando, em última instância, com a própria política. O primeiro passo para uma reformulação radical dos padrões éticos na política brasileira prende-se, necessariamente, à modificação dos critérios de toda a sociedade, o que deve ser deflagrado pelo governante, através de seu exemplo e da legislação que se aprovar.
É imperioso que se volte às lições de Aristóteles quanto à legitimação da atuação política, fundamentada no principio de conformidade com a busca do bem comum. Incumbe ao político homem público, no real significado do termo - estabelecer a forma como se irá traduzir para a vida prática esse princípio. Cabe ao cidadão comum conscientizar-se da importância do respeito a esses princípios, como forma de construir um Estado justo, solidário e democrático. Somente com esse esforço conjunto se poderá erguer, sobre fundamentos sólidos, a ética na política, tomando real esse anseio e evitando que se transforme em apenas mais uma manchete vazia e mentirosa."
Ainda nesta esteira, temos as judiciosas razões que fundamentaram o Relatório do Deputado Inaldo Leitão, na CCJR, por ocasião do processo por quebra de decoro parlamentar do Deputado Hildebrando Pascoal:
"O processo de perda do mandato, em razão de comportamento incompatível com o decoro parlamentar inicia e tem fim na Câmara a que pertencer o parlamentar que adotar a conduta que se ajuste a visão da maioria quanto à postura ética que a instituição exige observada pelos seus membros.
Essa visão - entendemos - há de vir sempre informada do sentimento contemporâneo da sociedade com o qual os parlamentares, representando o somatório de todos os interesses, ideologias e aspirações, devem estar permanentemente afinados. Daí, a impertinência de critérios rígidos que impeçam o julgamento político, sem prejuízo no entanto da observância de regras formais que assegurem o amplo direito de defesa.
Quando o comportamento do parlamentar, no entanto, não só corresponder a uma infração à conduta ética, mas caracterizar, também, atitude delituosa, tipificada como crime, esta última circunstância, a nosso entender, não poderá ser sopesada pela Casa Legislativa para efeito de adotar, ou não, sanção justificada em motivação de ordem ética. Mas isto não impede, no entanto, que as circunstâncias do momento, o choque que a atitude ou atitudes delitivas venham a provocar na sociedade, autorizem ao corpo legislativo que no seu conjunto se veja ofendido indiretamente em razão de comportamento delituoso de um de seus membros firme-se no poder - dever de dar uma satisfação à sociedade, em correspondência com o status da relevada representação recebida, adotando a sanção que entender cabível àquele que conclua haver conspurcado a honra da respectiva instituição."
Vê-se, pois, que a falta de decoro parlamentar decorre, também, de conduta capaz de desmerecer o Parlamento ou comprometer a dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-Io a críticas infundadas, injustas e irremediáveis.
Enfim, para que se configure a quebra do decoro, não é necessário ter o deputado praticado conduta tipificada pelo Código Penal. Basta que a conduta seja considerada, em juízo político, como indigna.
Ademais, a conduta do Deputado Pedro Corrêa cresce em gravidade, quando se constata que traz como resultado o descrédito de um dos pilares mais importantes do Poder Legislativo: a independência dos partidos políticos. Com efeito, não há como negar que a independência financeira dos partidos políticos é uma das garantias da lisura do processo político nacional.
Nesse ponto, vem-nos à mente o imorredouro Ruy Barbosa, para quem:
"Toda a política se há de inspirar na Moral. Toda a política há de emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota ", conclui o mestre.
Daí a razão de se exigir daqueles que exercem cargos públicos e dos parlamentares, em particular, comportamentos condizentes com o decoro, em especial quando se sabe que a representação popular serve de referência. De boa ou má referência.
Se assim o é, não tenham dúvidas Senhores Conselheiros, que o decoro parlamentar faltará toda vez que se atuar com abuso das prerrogativas, com a percepção de vantagens indevidas, ou, ainda, quando algum comportamento afetar a respeitabilidade e a dignidade dos partidos políticos e do Parlamento, como, infelizmente, se caracteriza na hipótese em exame.
Não é preciso lembrar que a sociedade brasileira sempre requer providências da Câmara dos Deputados, para que práticas desta espécie sejam expurgadas. Logo, não se pode compactuar com os que, eleitos para o Parlamento, acabam por macular a instituição, em troca da satisfação de interesses pessoais e ou partidário.
Enfatizo que, com estas considerações, não estou estabelecendo uma disputa do bem contra o mal e nem pretendo com o meu voto, "limpar" a instituição. Se fosse movido por tais sentimentos, estaria adotando um discurso hipócrita ou de somente "dar satisfação". Não é isso. Não se quer encontrar um "bode expiatório"!
A esse respeito, ou seja, no tocante ao sentimento que nos move, acredito que caberia aqui, mais uma vez, a lição de Ruy Barbosa, para quem a indignação, diante de certas condutas, mais que um direito, é um dever de todos os homens de bem.
Em 1919, em seu pronunciamento intitulado "A Ira dos Bons", asseverou Ruy Barbosa:
"Nem toda a ira, pois, é maldade; porque a ira, se, as mais das vezes, rebenta agressiva e daninha, muitas outras, oportuna e necessária, constitui o específico da cura. Ora deriva da tentação infernal, ora da inspiração religiosa. Comumente se acende em sentimentos desumanos e paixões cruéis; mas não raro flameja do amor santo e da verdadeira caridade. Quando um braveja contra o bem, que não entende, ou que o contraria, é o ódio iroso, ou ira odienta. Quando verbera o escândalo, a brutalidade, ou o orgulho, não é agrestia rude, mas exaltação virtuosa; não é soberba que explode, mas indignação que ilumina; não é a raiva desaçaimada, mas a correção fraterna. Então, não somente não peca o que se irar, mas pecará, não se irando....... Quem, senão ela (a indignação), há de expulsar do templo o renegado, o blasfêmio ...... quem, senão ela, (poderá) exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário...... quem, senão ela, (irá) banir da sociedade o imoral, o corruptor..... quem, senão ela, (conseguirá) varrer dos serviços do Estado, o prevaricador...... quem, senão ela, (fará) precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, ou a tirania?" (os negritos são nossos)
III - CONCLUSÃO
No plano do decoro, mostra-se de todo reprovável a participação ativa e essencial do Representado em condutas que configuram graves irregularidades. A censurabilidade desse comportamento não apenas integra o senso geral de moralidade e de indispensável correção na atuação política, como também permeia toda a ordem jurídica, desde a Constituição da República até a legislação infra-legal, conforme já visto.
Manifesta-se com mais intensidade na opinião pública, particularmente quando a nação assiste, perplexa, ao desdobrar de um dos maiores escândalos da história recente do País e passa a exigir, com ainda mais veemência, lisura na condução da coisa pública.
A sociedade brasileira está claramente a indicar, nesse início de um novo milênio, que a probidade e a descência na condução da coisa pública pertencem ao grupo de valores sobre os quais não nos é dado transigir. Aliás, nesse momento que vivemos aumenta o clamor popular pela transparência nas relações político-partidárias. Cabe ao Congresso Nacional, portanto, corresponder a esse sentimento e tomar as medidas necessárias para erradicar, dentre outras coisas, essas relações obscuras e por vezes promíscuas entre partidos, relações essas estabelecidas em nome de uma "tal governabilidade".
Em conclusão: Dos episódios narrados na representação e do exame cuidadoso do conjunto probatório, vê-se que os fatos apontam para a responsabilidade do Deputado Pedro Corrêa no recebimento de recursos irregulares, obtendo assim "vantagem indevida, para si ou para outrem", conforme o art. 4o, II do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. A informalidade absolutamente incomum dos saques junto às instituições bancárias envolvidas; a transferência das quantias sem prestação de contas ou comprovação da origem, em deliberado descumprimento da legislação; a intermediação de empresário comprovadamente envolvido no chamado "escândalo do mensalão"; o testemunho do Sr. Marcos Valério; tudo contribui para essa conclusão.
Vistas em seu conjunto, tais operações revelam a intenção de ocultar, na contabilidade partidária, a origem dos recursos recebidos, sendo, ao mesmo tempo, indiferente o destino que lhe foi dado. Mostram ainda a omissão do Representado em cumprir obrigações legais e partidárias ligadas ao controle e à transparência, imprescindíveis, ainda mais para um dirigente partidário, e nas circunstâncias em que as doações foram efetuadas.
Outrossim, a forma e os meios pelos quais se realizaram as tais operações, contrariam frontalmente o direito positivo e a Constituição, em seus mais altos princípios. Resta claramente caracterizado que, assim agindo, o Representado violou a proibição de obter vantagens indevidas, para si ou para outrem - no caso, seu correligionário, e, por intermédio dele, seu partido político.
Os atos analisados merecem reprovação, na medida em que ferem frontalmente o Código de Ética e Decoro Parlamentar, que impõe ao Deputado os deveres fundamentais de respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional; de zelar pelo prestígio e valorização das instituições democráticas; de exercer seu mandato com boa fé e probidade; e de prestar contas do mandato à sociedade, disponibilizando as informações necessárias ao seu acompanhamento e fiscalização (art. 3o, II, III, IV e VIII). Tem-se, portanto, que a atuação do Representado configura quebra do decoro que se exige de um membro do Congresso Nacional.
Face ao exposto, considerando que os fatos imputados ao Deputado Pedro Corrêa estão concretamente comprovados e mantêm íntima adequação com as normas constitucionais e regimentais que discriminam as hipóteses de procedimento incompatível com o decoro parlamentar, o VOTO é pela perda do mandato parlamentar do Deputado PEDRO CORRÊA, em face de afronta ao art. 55, inciso II e § 1o, da Constituição, em concomitância com os arts. 240, II, e 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e do art. 4o, inciso II, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
Sala do Conselho, aos de janeiro de 2006
CARLOS SAMPAIO
Deputado Federal
Temas
PEC da Blindagem
Silvye Alves pede desculpas por voto a favor da PEC da Blindagem
PEC da Blindagem
Em vídeo, Pedro Campos diz que errou ao apoiar PEC da Blindagem
PEC da Blindagem
PEC da blindagem
Artistas brasileiros se posicionam contra a PEC da Blindagem
SERVIDOR LICENCIADO