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Ética pública

O abismo moral da política brasileira: quando a ignorância veste terno e ocupa o Parlamento

Reflexões sobre a crise ética, cognitiva e democrática revelada por discursos pseudocientíficos e discriminatórios no Legislativo.

Eduardo Vasconcelos

Eduardo Vasconcelos

7/10/2025 13:00

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Um parlamentar brasileiro, conhecido por declarações que associam raça, inteligência e hormônio a ideologias políticas, tornou-se o retrato mais visível da decadência ética e cognitiva que ameaça a democracia nacional. Suas falas, amparadas em pseudociência e preconceito, não são meras "opiniões polêmicas": são expressões de um projeto ideológico que despreza a razão, nega a dignidade humana e converte o Parlamento em palco de irracionalidade. Este artigo analisa, sob perspectiva filosófica, ética e científica, como esse tipo de discurso destrói os fundamentos republicanos, banaliza o ódio e evidencia a falência moral de parte da representação política brasileira. Amparado em autores como Kant, Arendt, Adorno e Levitsky, o texto é também um manifesto de repúdio - uma defesa veemente da razão, da educação e da ciência como únicas trincheiras possíveis contra a barbárie que ameaça a República.

1. Introdução

Há momentos em que o silêncio não é prudência, mas cumplicidade. O caso de um parlamentar brasileiro que, em entrevistas e vídeos, associou "baixa capacidade cognitiva" a povos africanos e afirmou que "homens de esquerda tendem a ter testosterona baixa", não é uma mera controvérsia de opinião - é uma crise civilizatória.

Essas falas representam o colapso da razão pública e o triunfo da ignorância travestida de coragem.
Meu repúdio é total e absoluto a esse tipo de pessoa preconceituosa, retrógrada e desprovida de empatia.
É inaceitável que indivíduos com esse perfil estejam no Congresso Nacional representando o povo brasileiro.
Esse tipo de parlamentar é melhor não ter.

A indignação não é apenas pessoal; é institucional. Trata-se de um sintoma de um processo lento e corrosivo de desconstrução da democracia brasileira, que começa quando o Parlamento perde a vergonha de falar o inaceitável.

2. A decadência da razão pública e o culto à ignorância

Na teoria política clássica, Aristóteles via a política como o espaço da phronesis, a prudência prática voltada ao bem comum.

Hoje, porém, vemos emergir uma política do instinto, do ressentimento e da performance.

A fala do parlamentar em questão não é espontânea: ela é estratégia de engajamento baseada no ódio e na ridicularização da ciência.

Como advertiu Umberto Eco (2015), as redes sociais deram voz a uma legião de ignorantes que confundem opinião com conhecimento. O problema se agrava quando tais indivíduos conquistam mandatos e transformam o populismo da ignorância em método de poder.

A política, nesse contexto, degenera em irracionalismo performático - um espetáculo de testosterona simbólica, onde a força substitui o argumento e o grito se torna sinônimo de verdade.

3. O racismo travestido de cientificismo

A tentativa de justificar desigualdades raciais por meio de argumentos biológicos é uma velha farsa.

Desde o século XIX, o racismo científico buscou legitimar a escravidão e o colonialismo com medições cranianas, testes de QI e manipulações estatísticas.

A ciência moderna refutou esse delírio.

A UNESCO (1950) declarou que não há base biológica para hierarquias raciais; as diferenças genéticas entre indivíduos de um mesmo grupo são maiores do que entre grupos distintos.

A inteligência humana é moldada por fatores sociais, culturais, nutricionais e educacionais, não por raça.

Atribuir inferioridade cognitiva a africanos, portanto, é pseudociência racista, e, como tal, uma agressão à humanidade inteira.

Mais grave ainda é que essas falas vêm de dentro do Estado, de alguém investido de poder público, o que lhes confere uma aparência de legitimidade.

É o mesmo mecanismo que, historicamente, transformou preconceito em política de Estado.

4. O biologismo ideológico e a falácia da testosterona

Ao afirmar que "homens de esquerda têm testosterona baixa", o parlamentar repete um tipo de biologismo político tão absurdo quanto perigoso.

A endocrinologia e a psicologia comportamental mostram que os níveis de testosterona não definem valores morais, preferências políticas ou inteligência.

As variações hormonais são influenciadas por fatores biológicos, emocionais e ambientais - e não há qualquer correlação estatística robusta entre testosterona e orientação ideológica.

Essa retórica, portanto, não tem função explicativa; tem função simbólica: projetar a masculinidade autoritária como ideal de poder e deslegitimar a sensibilidade, a empatia e o pensamento crítico como fraquezas.

É a velha lógica fascista do "forte contra o fraco", transposta ao século XXI com vocabulário hormonal.

Como lembrava Nietzsche (1887), quando a força se torna critério moral, a política se transforma em barbárie.

E é exatamente essa barbárie disfarçada de autenticidade que hoje ocupa cadeiras parlamentares.

Discursos pseudocientíficos e discriminatórios no Congresso revelam a falência ética e cognitiva de uma elite política que despreza a razão e a dignidade humana.

Discursos pseudocientíficos e discriminatórios no Congresso revelam a falência ética e cognitiva de uma elite política que despreza a razão e a dignidade humana.Freepik

5. O impacto institucional: erosão da democracia e degradação da ética pública

Democracias não morrem por tiros, mas por palavras repetidas sem vergonha.

A erosão institucional começa quando o discurso do ódio é tolerado, quando a mentira é normalizada e quando o preconceito é rebatizado de opinião.

Levitsky e Ziblatt (2018) demonstram que os regimes autoritários do século XXI não nascem de golpes, mas da infiltração do autoritarismo nos próprios partidos e parlamentos.

Quando representantes eleitos passam a zombar da ciência, negar a igualdade humana e atacar o pluralismo, a democracia se autodestrói de dentro para fora.

A Constituição Federal de 1988 é explícita: o Brasil tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, a igualdade e o pluralismo político (art. 1º e art. 3º).

A fala do referido parlamentar viola frontalmente esses princípios e, portanto, fere a própria essência do mandato que exerce.

6. A responsabilidade moral e intelectual dos representantes

O cargo de deputado não é apenas um privilégio; é uma responsabilidade civilizatória.

Quem representa o povo precisa compreender a gravidade da palavra pública - uma fala de tribuna não é conversa de bar.

O que um parlamentar diz ecoa em escolas, igrejas, lares e redes sociais.

Quando alguém com mandato parlamentar afirma que um povo inteiro tem "capacidade cognitiva limitada", ele legitima o preconceito como saber, e autoriza o cidadão comum a reproduzir o ódio como se fosse patriotismo.

O filósofo Immanuel Kant (1785) defendia que o homem deve agir segundo princípios que possam valer como lei universal.

Se todos falassem e agissem como certos políticos falam, a sociedade degeneraria em selvageria moral.

A dignidade humana deixaria de ser fundamento para se tornar alvo.

7. A reação necessária: a educação, a ciência e a ética como trincheiras

Frente a esse cenário, a resposta não pode ser o silêncio.

É preciso reagir com educação política, pensamento crítico e cultura científica.

O combate à ignorância institucionalizada passa por escolas, universidades e meios de comunicação comprometidos com a verdade.

Hannah Arendt (1951) lembrava que o mal prospera quando o pensamento se ausenta.

A ausência de pensamento é o terreno fértil da manipulação e da estupidez coletiva.

É preciso devolver à política o seu verdadeiro sentido: o de construir o bem comum com base na razão e na dignidade humana.

8. Indignação, luto e esperança

Confesso, como cidadão e educador, estou profundamente triste e indignado.

Triste por ver o Parlamento - símbolo máximo da representação popular - abrigar discursos que negam a humanidade e insultam a inteligência.

Indignado porque esses discursos ainda encontram aplauso entre pessoas desinformadas e emocionalmente manipuladas.

Mas também espero.

Espero que o Brasil desperte.

Que nossos estudantes aprendam a diferenciar ciência de superstição, argumento de insulto, política de espetáculo.

E que a sociedade perceba que a ignorância, quando ocupa o poder, se torna uma arma contra todos nós.

Reitero com firmeza e dor: meu repúdio é total, absoluto e inegociável a esse tipo de parlamentar.
Melhor seria não tê-los, pois um Parlamento que abriga a intolerância é um Parlamento que trai o povo que o sustenta.

A democracia brasileira precisa escolher: ou volta a se fundamentar na razão, na ciência e na ética - ou continuará sendo corroída por aqueles que a confundem com palco de ofensas.

Como disse Jean-Jacques Rousseau, "quando o povo escolhe servos indignos, ele é o primeiro a se escravizar."

E como completou Kant, sapere aude! - ouse pensar.

Somente quando o Brasil ousar pensar, ousar educar e ousar se indignar, poderemos dizer que a democracia ainda respira.


Referências

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

ECO, Umberto. Número Zero. Rio de Janeiro: Record, 2015.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1785].

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 [1887].

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

UNESCO. The Race Question. Paris: UNESCO, 1950.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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