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Poder
4/12/2025 9:00
A Presidência da República no Brasil é o único cargo em que o político sobe a rampa como se fosse rei e desce como se fosse réu. É a função que dá palanque, avião da FAB e ego inflado, mas também entrega, cedo ou tarde, o recibo do que realmente importa: o que ele fez quando achou que ninguém estava olhando. Porque aqui o poder não corrompe, ele revela. E o que ele revela nunca combina com o discurso da posse.
Desde a redemocratização, sete presidentes chegaram ao topo e quatro terminaram conhecendo o Estado não só como símbolo do cargo, mas como réus que passaram pela prisão. Não é coincidência, não é estatística, não é acidente. É escândalo em série, é um país que celebra a posse como glória e assiste o pós-mandato como acerto de contas.
Collor virou símbolo de corrupção e lavagem de dinheiro num país que ainda engatinhava na democracia. Temer escorregou direto para o centro de uma operação que parecia mais roteiro de filme B do que trajetória presidencial. Lula atravessou o turbilhão da Lava Jato, foi condenado, preso, saiu e viu suas condenações ruírem junto com a credibilidade de quem achou que o Judiciário era palco para estrelismo. Bolsonaro levou o caos ao paroxismo. Articulou golpe, tensionou as instituições até o limite, acumulou medidas judiciais descumpridas, passou por prisão preventiva e agora, com o trânsito em julgado da condenação pela trama golpista, inicia o cumprimento da sua pena definitiva.
Quatro histórias, uma constante: quando o topo cai, ninguém cai sozinho. Cai arrastando a confiança pública junto. E o Código Penal, sempre rápido contra os vulneráveis, chegou ao andar de cima como quem chega atrasado à própria obrigação. Tarde, lento, empurrado pelas circunstâncias, mas chegou. E quando chega, não importa se o sujeito já teve tanque, helicóptero ou guarda-costas: a queda é igual para todos.
Enquanto isso, o sistema de justiça virou protagonista oficial do Brasil. O STF pauta a semana. A PF narra ao vivo. O Ministério Público entrega capítulos melhores que qualquer streaming. E a mídia, claro, faz o serviço completo: repercute, dramatiza, interpreta e transforma cada prisão em temporada nova de um país que nunca muda o elenco, só os escândalos.
E desse show nasce a polarização permanente. Para uns, Lula foi alvo de perseguição judicial travestida de moralidade. Para outros, Bolsonaro é vítima de uma cruzada institucional E para muitos, nenhum deles tem moral para pedir defesa por escrito.
O Brasil virou um país onde fatos importam menos que fidelidade. Narrativa virou arma, prova virou detalhe e sentença virou termômetro de torcida. E quando a justiça é tratada como instrumento político, ela perde o poder de pacificar e ganha o poder de incendiar.
A primeira prisão presidencial chocou. A segunda rachou. A terceira virou espetáculo. A quarta não surpreendeu ninguém. Virou parte do noticiário, como se prender ex-presidente fosse só mais um item da programação do fim de semana.
Normalizamos o absurdo. O país assiste à queda de cada figura como quem confere previsão do tempo. E, enquanto isso, quem não tem sobrenome famoso segue sendo preso no atacado, sem delação, sem manchete, sem defesa técnica, sem glamour de crise institucional.
Assim, seguimos sendo uma democracia que pune, mas pune tarde. Pune quando o golpe já foi tentado. Pune quando o esquema já virou rotina. Pune quando o prejuízo já se tornou irreversível. É a justiça que chega quando já é tarde demais para impedir e cedo demais para esquecer.
E a pergunta que ninguém tem coragem de fazer em voz alta continua martelando. Por que tantos presidentes brasileiros flertam com a ilegalidade? Porque aqui o poder não é visto como responsabilidade, mas como território livre. Porque quem chega lá acredita que o Brasil é permissivo demais para se revoltar e lento demais para punir. E aí a queda não é só queda. É exposição pública, é vexame nacional, é pedagogia às avessas.
Até o dia em que o Brasil decidir impedir, em vez de remediar, vamos continuar repetindo esse teatro de absurdo: presidente de manhã, réu à tarde, trending topic à noite. Uma sequência que já virou coreografia republicana e que diz mais sobre nossas instituições do que qualquer promessa feita diante das câmeras.
E é por isso que seguimos conhecendo nossos líderes por duas imagens inconciliáveis. A oficial, com faixa e sorriso treinado, e a real, a da sombra do poder estampada em processos, inquéritos e prisões.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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