Acusado de comandar um esquema de corrupção nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), denunciou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no dia 6 de junho, que deputados do PP e do PL recebiam mesada, no valor de R$ 30 mil, para votar com o governo no Congresso. O dinheiro seria obtido ilicitamente em estatais e distribuído aos parlamentares pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, com o aval do então ministro da Casa Civil, José Dirceu. O pagamento mensal em troca de apoio ao governo nas votações foi batizado pelo petebista de mensalão.
Na entrevista, Jefferson diz que levou a denúncia ao presidente Lula no início do ano. Surpreso e com lágrimas nos olhos, segundo o deputado, o presidente teria ordenado a suspensão do pagamento. O corte seria a causa dos problemas enfrentados pelo governo para aprovar seus projetos no Congresso. Segundo Jefferson, os aliados não só pressionavam a administração federal e o PT para retomar o pagamento do mensalão como pretendiam elevar o seu valor.
Jefferson disse que também mostrou suas preocupações sobre o esquema aos ministros José Dirceu, da Casa Civil; Antonio Palocci, da Fazenda; Aldo Rebelo, da Coordenação Política; Ciro Gomes, da Integração Regional; e Walfrido Mares Guia, do Turismo. A prática, acusa o parlamentar, teria vigorado entre 2003 e janeiro de 2005.
A deputada federal licenciada Raquel Teixeira (PSDB-GO) confirma ter recebido proposta financeira do líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), para mudar de partido. Em troca de apoio ao governo, receberia R$ 30 mil mensais e R$ 1 milhão em "luvas". O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), disse que informou o presidente Lula ainda no ano passado sobre a proposta, rechaçada por Teixeira.
Citado pelo petebista como beneficiário do esquema, o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), dá entrada a processo por quebra de decoro parlamentar contra Jefferson. O pedido é acolhido pelo presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE), que determina ao Conselho de Ética que apure as denúncias do presidente do PTB.
Em nova entrevista à Folha, no dia 12 de junho, Jefferson dá mais detalhes sobre o mensalão. Segundo o deputado, o dinheiro era distribuído pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares; o líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR); e o empresário mineiro Marcos Valério, dono das agências de publicidade DNA e SMP&B, detentoras de várias contas governamentais. Também admitiu ter recebido de Valério R$ 4 milhões destinados a campanhas eleitorais do PTB nas eleições municipais de 2004.
No dia 14 de junho, em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o presidente do PTB acusou nominalmente Janene, Valdemar e os deputados Pedro Henry (PP-MS), Pedro Corrêa (PP-PE), Carlos (Bispo) Rodrigues (PL-RJ) e Sandro Mabel (PL-GO) de receberem dinheiro para votar com o governo. Na ocasião, apelou ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu, para que deixasse o cargo: "Sai, Zé, sai daí rápido, se não vai fazer réu um homem bom". O apelo foi atendido dois dias depois.
Ainda na noite de 14, a revista Istoé Dinheiro publica, em edição extra, entrevista na qual uma ex-secretária de Valério, Fernanda Karina Somaggio, contou ter visto a entrada e a saída de "malas de dinheiro" da agência de publicidade onde trabalhava, a SMP&B. Ela acrescentou que intermediou vários contatos entre o ex-patrão, congressistas de vários partidos e dirigentes do PT. Depois, Fernanda trouxe à tona a possibilidade de o mensalão incluir o PMDB ao revelar que o líder do PMDB, José Borba (PR), era um dos políticos com quem Valério mais falava.
A suspeita sobre a existência do mensalão cresceu quando se descobriu que foram sacados mais de R$ 20 milhões das contas das empresas de Marcos Valério, nos últimos dois anos, das agências do Banco Rural e do Banco do Brasil - em Brasília e Belo Horizonte, respectivamente.
No dia 8 de julho, a Polícia Federal prendeu em São Paulo o petista Adalberto Vieira da Silva com R$ 200 mil em dinheiro numa mala e US$ 100 mil na cueca. Adalberto assessorava o deputado José Nobre Guimarães, líder do PT na Assembléia Legislativa do Ceará e irmão do presidente nacional do partido, José Genoino. No dia seguinte, Genoino deixou o cargo e foi substituído pelo ministro da Educação, o gaúcho Tarso Genro.
Marcos Valério já apresentou pelo menos duas versões diferentes. Em ambas, nega a existência do mensalão. No depoimento à CPI dos Correios, no dia 6 de julho, disse que os saques destinavam-se a fornecedores e artistas e nunca repassou dinheiro a Delúbio. Admitiu apenas que foi avalista de um, apenas um, empréstimo bancário obtido pelo Partido dos Trabalhadores, empréstimo este que à época já havia se tornado público.
Nove dias depois, declarou ao Jornal Nacional, da TV Globo, que fez "vários empréstimos" para o PT, por solicitação de Delúbio, e entregou dinheiro diretamente a ele e a pessoas indicadas pelo tesoureiro. Eximiu-se de responsabilidade quanto uso dos recursos, atribuindo-a a Delúbio.
No dia seguinte, de novo no Jornal Nacional , Delúbio confirmou a versão de Valério. Falou que os recursos repassados pelo empresário destinavam-se a saldar dívidas da campanha de 2002 e financiar os gastos eleitorais em 2004. Acrescentou que os empréstimos não foram contabilizados e resultaram numa dívida que, atualizada, chegaria hoje a R$ 90 milhões (mais da metade da dívida total do PT, que ronda os R$ 160 milhões). Por fim, isentou a direção do PT, o ex-ministro José Dirceu e Lula de qualquer responsabilidade. Afirmou que eles não tinham conhecimento dos seus negócios com Valério.
Em coletiva dada em 8 de junho, dois dias depois da publicação da primeira entrevista de Roberto Jefferson, Delúbio havia dito que o PT tinha prestado conta de todos os seus gastos eleitorais à Justiça. "Nossas contas estão à disposição da sociedade e da imprensa no TSE", afirmou na coletiva. Segundo essa primeira versão, as acusações de Jefferson seriam meras "ofensas, agressões".