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DEMOCRACIA
Congresso em Foco
2/6/2025 16:36
Há exatos 37 anos, em 2 de junho de 1988, o Brasil vivia um importante capítulo de sua transição democrática. A Assembleia Nacional Constituinte aprovava, por ampla maioria, uma emenda constitucional que garantia cinco anos de mandato para o presidente José Sarney. A sessão foi tensa, marcada por palavras de ordem vindas das galerias do plenário da Câmara, vaias, faixas rasgadas e partidos divididos.
Com a emenda, sepultava-se a pretensão dos políticos que queriam que a primeira eleição direta para presidente desde o golpe militar ocorresse ainda naquele ano, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. O eleitor brasileiro só voltaria a escolher o chefe do Executivo federal em novembro e dezembro de 1989, quando o país elegeu Fernando Collor de Mello.
Era o desfecho de um longo e conflituoso embate entre governistas e opositores, que expôs fissuras profundas dentro do PMDB, fortaleceu o recém-formado Centrão e pavimentou o caminho para a criação do PSDB.
Um mandato em disputa
Eleito vice-presidente em 1984 pelo Colégio Eleitoral, Sarney assumiu a Presidência após a morte de Tancredo Neves, em março de 1985, com um mandato originalmente previsto para seis anos. Com a Constituinte de 1987, seu futuro no Planalto entrou em debate: pesquisas de opinião indicavam que a maioria da população defendia um mandato de quatro anos e eleições diretas já em 1988.
O governo, no entanto, articulava para manter Sarney por mais tempo, alegando necessidade de estabilidade para concluir a transição democrática. A proposta de cinco anos, apresentada pelo deputado Matheus Iensen, ganhou força, especialmente após a formação do Centrão, bloco suprapartidário de centro-direita que garantiu sustentação a Sarney no Congresso.
Congresso em ebulição
A sessão daquele 2 de junho de 1988 começou às 9h da manhã e foi marcada por tensão crescente. Parlamentares da esquerda tentaram barrar a votação com expedientes regimentais, ignorados pelo presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães. Os constituintes já haviam aprovado, em outubro de 1987, mandato de cinco anos para os presidentes da República meses antes, mas faltava definir se a medida valeria para Sarney.
Nas galerias, manifestantes gritavam "Diretas já!", "Fora Sarney!" e "Traidor!". No plenário, os deputados Francisco Kuster (PMDB-SC), Ana Maria Rattes (PMDB-RJ) e Moema Santiago (PDT-CE) tentaram afixar uma faixa que classificava a aprovação dos cinco anos de mandato para Sarney como traição ao povo. Contrário à manifestação, o segundo secretário da Mesa, Alberico Cordeiro (PFL-AL), rasgou a faixa, inflamando ainda mais os colegas.
Em busca de acordo, Ulysses articulou a fusão de três emendas a de Iensen e as dos deputados Basílio Villani (PMDB-PR) e Bonifácio Andrada (PDS-MG). Às 17 horas daquele dia, o presidente da Assembleia dava início à votação, à época já registrada em painel eletrônico. Com 328 votos a favor, 222 contrários, três abstenções e cinco ausências, a emenda foi aprovada uma vitória com mais de cem votos de vantagem para o governo.
Bastidores e denúncias
Nos bastidores, não faltaram acusações de casuísmo e fisiologismo. O deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE), da ala progressista, denunciou aliciamento de parlamentares com dinheiro público e com promessa de apoio à aprovação de projetos.
Relatórios feitos à época pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), braço remanescente da ditadura, registraram, por exemplo, a presença de políticos junto ao então deputado constituinte Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) em atos favoráveis a quatro anos de mandato para Sarney, em cidades como Goiânia e Caruaru (PE).
Repercussões políticas
A vitória de Sarney aprofundou a crise no PMDB. Segundo relatório do SNI, em maio de 1988, o partido vivia a pior crise política de toda a sua história. O próprio Ulysses Guimarães tentava conter a debandada, mas não evitou a dissidência que resultaria, em junho de 1988, na fundação do PSDB, por lideranças como Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso.
"Eu não fico num partido com uma podridão como esta", declarou FHC, segundo o Jornal do Brasil, em março daquele ano. À época, o PMDB governava todos os estados do país, exceto Sergipe, administrado pelo PFL.
Já o Centrão emergiu como força determinante. Criado em 1987 para combater propostas da esquerda e da Comissão de Sistematização, o grupo, com representantes de vários partidos, garantiu a aprovação do presidencialismo e dos cinco anos para Sarney, consolidando seu peso no jogo político.
Transição democrática
As articulações no Congresso envolveram diretamente ministros de Sarney, como Renato Archer (Previdência) e Luiz Henrique (Tecnologia). Apesar de toda a mobilização do governo para aprovar a emenda, José Sarney comemorou publicamente de maneira discreta.
"Eu não tenho muita coisa a dizer. Acho que quem governa, governa com a realidade. E a realidade deste instante é que a Assembleia Nacional Constituinte deu-me a confiança de governar o país até 1990. Vou exercer o mandato agora com maior responsabilidade ainda."
Em sua manifestação, Sarney destacou que tinha pela frente duas tarefas gigantescas: "A primeira delas é concluir a transição democrática, que é a tarefa mais importante e histórica para este país. Consolidar a democracia. A Constituição não é um fim em si mesma. Ela precisa ser viabilizada", pontuou.
"Temos que fazer a eleição presidencial no próximo ano num clima de paz, num clima de liberdades democráticas, sem qualquer risco, para que eu possa entregar ao meu sucessor um país sem os momentos dramáticos que eu tive que passar", acrescentou. Enfrentar a crise econômica era o outro objetivo, destacou.
Apesar da vitória, Sarney sairia da Presidência em meio a grave crise econômica com inflação em torno de 46% ao mês e popularidade em queda. Seu maior legado seria a própria Constituição de 1988, que garantiu avanços significativos nos direitos civis e sociais do país.
Do passado ao presente
O mandato de cinco anos para Sarney se encerrou em 15 de março de 1990. As eleições presidenciais de 15 de novembro de 1989 as primeiras diretas desde 1960 marcaram um novo capítulo na democracia brasileira.
Anos depois, em 1994, o chamado Congresso revisor reduziu de cinco para quatro anos o mandato presidencial. Em 1997, os parlamentares aprovaram o direito à reeleição no Executivo, medida que favoreceu diretamente o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
No mês passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o aumento do mandato dos chefes do Executivo para cinco anos, com o fim da possibilidade de reeleição. O texto ainda precisa ser analisado pelos senadores em plenário antes de seguir para a Câmara.
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