Duas semanas após a morte da norte-americana Terri Schiavo, que havia 15 anos vivia em estado vegetativo e teve seus aparelhos desligados por decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, parlamentares brasileiros decidiram apresentar propostas que vão na contramão da justiça norte-americana: proíbem a eutanásia, isto é, o direito de uma pessoa pôr fim à sua vida.
Dois projetos de lei, um em tramitação na Câmara e outro, no Senado, vedam a prática sob qualquer circunstância. O mais rigoroso deles é de autoria do deputado Osmânio Pereira (PTB-MG), que considera a eutanásia "uma violação ao direito à vida" e o tipifica como crime hediondo - inafiançável, esse tipo de crime está na mesma categoria do homicídio qualificado, tráfico de drogas e estupro, por exemplo.
"Os doentes e os idosos também são merecedores de proteção especial, dada a sua condição de fragilidade. No entanto há quem defenda a prática da eutanásia com relação a estas pessoas desprotegidas", escreve Osmânio, ao ponderar que a prática é exercida "contra insuficientes". "É indispensável, portanto, que se explicite a natureza hedionda de tais crimes, bem como se vedem legalmente quaisquer ações nesse sentido", completa.
O segundo, do senador Papaléo Paes (PMDB-AP), é mais complexo, e pretende estabelecer o Estatuto do Enfermo, assegurando os direitos legais de quem tem a vida comprometida por doenças irreversíveis. Embora não preveja sanções penais a quem pratique a eutanásia, como faz o deputado Osmânio, a proposta do senador estabelece que o indivíduo "não tem o direito, em nenhuma circunstância, de solicitar ou de proceder no sentido de abreviar ou terminar a própria vida".
O senador, que é médico, condena expressamente a prática, e lança mão de argumentos religiosos para defender a sua proposta. "A eutanásia não deve ser permitida, já que a vida é uma coisa divina", disse. Na sua opinião, o desejo de praticar eutanásia é fruto do "egoísmo do doente", que não leva em consideração o sofrimento da família.
Outro senador governista, que não quis se identificar, disse que o Congresso não pode "fechar os olhos" para um fato presente na sociedade, e considerou as propostas contrárias à eutanásia uma "legalização da hipocrisia", já que a prática é realizada, ainda que ilegal.
Defensor sem propostas
Católico, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) é um dos poucos que defendem a prática da eutanásia abertamente. "Em certos casos, a vida deixa de ter razão de ser e perde a dignidade", afirmou o senador, que é autor da Lei do Transplantes de Órgãos.
Suassuna fala com a experiência de quem assistiu ao drama da evolução de uma doença sem cura em familiares. Anos atrás, sua mãe, Alice Leite Suassuna, sofria de um tipo de câncer que comprometia os movimentos. Ela não podia se mexer, sob pena de fraturar os ossos, e sofria de dores terríveis, contou o senador. "Foi um período muito difícil", desabafou.
Ele voltou a viver a situação anos depois, quando o pai, Raimundo Suassuna, sofreu de um acidente vascular cerebral (AVC). O senador não esconde o sofrimento de sua família com a doença dos pais, e já disse aos seus filhos que não gostaria que eles passassem pelo mesmo."É uma barbaridade manter uma pessoa se acabando a cada dia só porque se quer que ela viva mais um pouco", condenou o senador, que, contudo, não tem propostas para permitir a prática.
A discussão, no entanto, já avançou em alguns estados. Em São Paulo, o então governador Mário Covas (1930-2001) sancionou uma lei que dava aos pacientes o direito de recusar tratamento doloroso ou extraordinário para tentar prolongar a vida e pode escolher em que lugar quer morrer. "Faço isso não só como governador, mas também como paciente", comentou Covas, ao assinar o documento. O então governador paulista, que sofria de câncer na bexiga, passou quase quatro anos se tratando da doença.