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Congresso em Foco
23/7/2011 7:00
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Foi na Copa de 2002. Naquela época, eu passava minhas noites no bar do cearense,que fica na frente do Centro Cultural São Paulo. Onde conheci a Nelci e o Bactéria. Hoje, o Bac é meu grande chapa, ele que era bilheteiro do falecido grupo de teatro Cemitério de Automóveis. O homem sorriso, a simpatia do guichê. Bar do cearense. Um lugar freqüentando pelo pessoal sem grana que mosqueava no CCSP, além dos artistas e dos bebuns de praxe. Pois bem. A Copa do Mundo coincidiu com a mostra de teatro , 1 real a entrada, um frio dos diabos, e o boteco cheio. Em meio a uma discussão acalorada sobre os jogadores bons-moços de hoje, e os bandidos que sentíamos falta de ver na seleção, entre uma e outra talagada violenta de conhaque, na euforia da lembrança de Paulo César Caju, quando cotejávamos o futebol arte com a babaquice da dupla Zagallo & Parreira e, imediatamente depois dos elogios rasgados a Romário, quando alguém associou o baixinho à ilustre memória de Serginho Chulapa, bem, nesse momento, Nelci interrompe a discussão aos gritos. Ela conseguiu - vejam só - silenciar a arquibancada e a geral justo na hora em que o inigualável Serginho Chulapa ia chutar a cabeça do Leão: - Gente,gente! Chega de passado! Vocês têm que valorizar o que é nosso hoje. Somos Penta! Difícil defender a Nelci. Tinha o problema da voz esganiçada. O chapeuzinho ensebado. Em uma palavra e em todas as situações: Nelci era inconveniente. E ela grudava, pegava no pé e estava cheia de projetos e pesquisas em andamento. "Cê tem que ficar ligado, cara! É genial, cara!" Tudo para Nelci era "genial, cara!". Tinha o dom de se intrometer em todas as conversas, independentemente do assunto, deixava sua opinião genial registrada, além de empatar a foda de todo mundo, também se enfiava no apartamento dos caras para não sair nunca mais. Nelci fez cocozinhos de peixe na minha privada. Não sabia dar a descarga, e - para o bem e para o mal - não tirava aquele chapeuzinho verde da cabeça... tipo de ladinho. Embaixo do chapeuzinho, o cabelo rastafari. Não sou um cara exigente. Muito pelo contrário: já encarei muito tribufu na minha dolce vita, mas, toda vez que tocava no cabelo rastafari da Nelci, eu sentia vertigens da época que morava em Florianópolis. Aquilo me lembrava reggae e maconha, a Ilha da Magia, essas coisas que eu não posso nem cogitar que logo o Djavan vai aparecer nas minhas lembranças, e aí, mano, é vômito certo. Uma coisa é o Rastafari de salão, outra completamente diferente é nascer com o Demônio da Tasmânia encruado no couro cabeludo. A mulher canjica, do bom coração aloprado. Assim era Nelci. Nem vou falar sobre minhas seguidas broxadas. A essa altura do campeonato é algo perfeitamente compreensível e redundante. Né? Levei pra casa. "Genial, cara!" Eram umas oito horas da manhã. Ela dormia profundamente. E eu precisava tomar uma atitude. Pulei da cama para escrever. Abri as cortinas pra ver se ela "se ligava" e dava o pinote. Por incrível que pareça, em 2002, eu ainda escrevia numa Olivetti Lettera. Comecei a batucar violentamente na maquininha de saudosa memória: "A sabedoria zen-torresminho é algo que me incomoda em Leminski, sem falar nas piscadelas de cumplicidade ... " Etc,etc. E ela nem aí, continuava a roncar. Nelci roncava, e - é claro - deixava escorrer uma babinha desencanada da beiçola, a mesma babinha todas as vezes, o que me irritava não era exatamente a babinha, mas o fato de que era sempre o mesmo desenho que se projetava no lençol. Canjica. O que significa James Joyce, eu me pergunto, perto da babinha de canjica da Nelci? Nada, papo esotérico de concretista pré-histórico, musgo. Da mesa de trabalho, observava o calcanhar sujo dela. O calcanhar sujo de Nelci ... que tristeza. Nelci também atacava de atriz, porém o calcanhar nada tinha a ver com o tablado, era uma característica dela, intrínseca, feita sob encomenda pelo mesmo DNA que já havia sacaneado a pobre coitada com aquele Rastafari natural. O que dizer? Bem, serei generoso e direi apenas que o calcanhar sujo atrapalhou minha concentração. Eu tinha que dar um jeito. O ponto fraco dela (provavelmente por falta de compreensão) atendia pelo nome de Paulo Leminski. Nelci veio de Londrina, e eu não sei o que acontece com esse lugar. Deve ser a água do rio Tibagi. Sei lá. O tal do Leminski é um Deus por aquelas bandas. Não é que ele seja ruim, até que tem umas coisas boas. O problema são as viúvas. O cara deixou viúvas físicas e metafísicas. De longe, prefiro as viúvas do Antônio Marcos. No enterro do músico, tinha pelo menos sete. Mas as viúvas do Leminski, porra, são muito geniais pro meu gosto, se é que me faço entender. Metidas a cults. Um nojo. Para ser mais objetivo, diria que até as viúvas do Raul Seixas são mais palatáveis, a diferença, no caso das viúvas do Leminski, é que você (no caso, eu) não pode nem tirar um singelo sarro, e dizer que elas são histéricas, por exemplo. E o mais grave, ostentam uma sabedoria ancestral, algo que fica entre um zen-budismo de feirinha hippie e o sovaco do chapeiro. Elas "incorporaram" a sapiência bacon-zen do poeta como se fossem exaustores de boteco, e é essa gente, enfim, que, a pretexto de uma erudição que é pura gordura e não é delas, mas do "bandido que sabia latim" ( percebem como tenho boa vontade?) são elas que vêm cagar zen-torresminhos nos meus cornos. Puta chatice. Nelci, que sabia apenas juntar o precário verbo "se liga" com o abominável "genial,cara!" enchia o meu saco com o tal do Leminski; a fim de me intimidar - coitada ... - citava o poeta quando atravessava a rua, quando peidava, quando exigia que eu ouvisse Rolling Stones (ela não se conformava quando eu dizia que preferia Pepino di Capri); enfim, Nelci não me dava uma trégua sequer, ela me aporrinhava com os seus cocozinhos de peixe, e até os girinos que ela largava na minha privada - vejam só - gritavam "Leminski, genial cara, se liga". Inferno. Debaixo do chapeuzinho verde-ensebado, dia e noite, acordada ou dormindo, a desgraçada ruminava "genial cara, Leminski, se liga" Foi quando dei uma chacoalhada nela, e disse: "Ouve só,Nelci:" - Ouve isso. - Ahn... - Acorda!, Nelci - Unhs ... - fez esse "Unhs" com uma intimidade que me deixou enfurecido, e ensaiou acordar. Eu tive ímpetos homicidas. Ia jogar um balde de água fria naquela folgada. - Ouve só o que eu escrevi sobre o Lemins... Antes de eu dizer "ki" ela saltou da cama completamente pelada (até que tinha uns peitões legais), e protestou: - Com o Leminski Não! - Tá maluca, Nelci ? - Você não vai zoar o Leminski ! - Se liga, Nelci. Ouve só. Ouve!. Quando comecei a ler o que havia escrito, ela, indignada, se embrulhou no lençol e logo começou a catar as roupas espalhadas pelo chão. Antes de finalmente ir embora para sempre, me ameaçou: - Isso não vai ficar assim. Tive que levá-la à padaria. Ela pediu um misto quente, e depois daquele sanduíche, pediu um café com leite e mais um tampico e mais a passagem do ônibus que eu, confesso, paguei com enorme satisfação e contentamento. Foi a vingança de Nelci. Para coroar sua fúria, ela me obrigou a acompanhá-la até o ponto de ônibus, perfeito. Antes de subir no Jardim Miriam, fez uma ameaça: "Fica ligado, cara". Intrigante, "fica ligado, cara", pensei, é uma variação de "se liga, cara". O que será que Nelci teria querido me dizer com isso? Recorri a Paulo Leminski. Sejamos justos, ele é um grande escritor, tá ligado? E eu posso tranquilamente (e com autoridade) dizer que "o bandido que sabia latim" ultrapassou James Joyce. No meu caso, sim. Sem medo, afirmo e reafirmo: se não é melhor, é de fato mais eficiente. Eu acho até que ele transcendeu Domingos Autan, conhecem? Na prosa leminskiana, temos a associação da metafísica zen de boteco com a citronela, manjado repelente industrializado por Autan para espantar os mais ferozes borrachudos africanos. O efeito prático é devastador. James Joyce não chegaria a tanto. Nem aqui, nem em Dublin, e muito menos na bacia do rio Tibagi. Tanto é que Nelci escafedeu-se. A mulher canjica nunca mais apareceu. Se ligou. E isso é obra - tenho de admitir, reconhecer e tirar o chapéu - de Paulo Leminski. Não é genial, cara? Canjica faz parte do Memórias da Sauna Finlandesa (ed.34) - uma pena que a comunidade literária tenha negligenciado esse livro. Não é piada, não. Esse ente chamado "comunidade literária" existe, e, se você que é metido a escritor não se comportar direitinho, dança na mão deles. Claro que finjo que não acredito nisso. Uma banana para esses mafiosos.MUDANÇAS PARTIDÁRIAS
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