Veja
Caça aos "fichas-sujas"
Há três semanas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem travando uma batalha com os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para decidir se os candidatos que respondem a processos na Justiça podem ou não disputar eleições. O TSE, baseado no princípio constitucional de que todos são inocentes até o julgamento em última instância, defende a idéia de que os que não têm condenação definitiva podem, sim, concorrer.
Os TREs, convencidos de que o princípio da moralidade – ao menos no caso daqueles que desejam ser candidatos – sobrepuja o da presunção da inocência, prometem barrar os "fichas-sujas" já nas eleições municipais de outubro. Diante do embate, configura-se a seguinte situação: processados que solicitarem registro de candidatura ao TRE terão a autorização negada – mas poderão recorrer ao TSE, que provavelmente o concederá, caso o pretendente não tenha sido condenado em sentença inapelável.
No que depender da Justiça, portanto, as coisas deverão continuar como estão por mais algum tempo. Ocorre que, como ficou evidente neste mês, a criação de normas para uma melhor filtragem dos candidatos não precisa depender só do Judiciário: ela pode, e deve, ser assumida pelos partidos. "Cabe aos dirigentes partidários assumir que deixar de negar registro a algumas pessoas significa cumplicidade com as irregularidades que elas cometeram", afirma o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, que foi voto vencido na decisão do tribunal de manter as regras de candidatura.
Empresa é suspeita de “comprar” o TJRJ
Apesar dos rostos sisudos, da aparência circunspecta e do louvável empenho em zelar pela boa aplicação dos impostos dos contribuintes do Rio de Janeiro, cinco dos sete senhores sentados na bancada acima estão envolvidos numa tremenda enrascada. Documentos apreendidos pela Polícia Federal revelam que os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) foram comprados por uma empresa de consultoria.
Comprados mesmo, incluindo aí todas as etapas de um negócio qualquer: avaliação inicial, orçamento, negociação de preço, nota, contabilização no caixa – igualzinho faz uma empresa privada quando adquire uma mercadoria. O grupo mineiro SIM inovou no conceito de corrupção. Já se sabe que a empresa mantinha uma rede de influência em vários tribunais do país para subornar juízes e manipular decisões à base de pagamento de propina.
O caso dos conselheiros fluminenses, por enquanto, é apenas o mais edificante. Para aprovar as contas de um cliente no TCE, a empresa não precisou contratar advogados, nem solicitar pareceres jurídicos de especialistas. Simplesmente pagou ao presidente da corte, a quatro conselheiros e a alguns assessores do próprio tribunal, que ficaram encarregados de redigir a defesa.
Romero Jucá e a agenda de Zuleido Veras
Na semana passada, VEJA revelou que o raio de ação das traficâncias do empreiteiro Zuleido Veras, o dono da construtora Gautama, ia muito além das 61 pessoas denunciadas até agora pelo Ministério Público Federal. A agenda do empresário mostra que ele tinha um excepcional cuidado, principalmente às vésperas da campanha eleitoral de 2006, em anotar nomes de políticos graúdos associados a cifras misteriosas. Doações clandestinas? Propinas? Nem Zuleido nem os envolvidos explicaram.
Os documentos apreendidos pela polícia, porém, continuam a produzir histórias intrigantes. O mais novo mistério a ser decifrado pelos investigadores do caso é a identidade de um certo "RJ" – sigla que aparece em conversas telefônicas grampeadas com autorização judicial e em dezenas de papéis recolhidos nos escritórios dos acusados. RJ, pelo que se ouviu dos diálogos, é a pessoa que ajudava a viabilizar os negócios escusos do empreiteiro Zuleido. Pelo que se viu nos papéis, também é alguém que se movimenta com extrema desenvoltura no Congresso e nos bastidores do governo. RJ, talvez por toda essa influência, aparece sempre ao lado de cifras, muitas cifras. A Polícia Federal tem um suspeito: RJ seria o senador Romero Jucá, o líder do governo no Senado.
O nome do senador peemedebista não surgiu apenas por causa da coincidência alfabética. Papéis com anotações sobre RJ foram apreendidos na casa do lobista Geraldo Magela Fernandes da Rocha, em Brasília. Ex-funcionário de Zuleido e, durante anos, assessor de Romero Jucá, o lobista atuava no Congresso para viabilizar os interesses comerciais da Gautama. Entenda-se por isso garimpar emendas no orçamento em favor das obras da empresa e, depois, conseguir a liberação dos recursos nos ministérios.
O advogado Roberto Teixeira se enrola
O advogado Roberto Teixeira, amigo de trinta anos do presidente Lula e seu compadre, está enredado numa teia de suspeitas e mentiras. Ele é acusado de usar seu prestígio no governo para favorecer interesses privados na compra do espólio da Varig. No negócio realizado em 2006, Teixeira atuou em favor do fundo de investimento Matlin Patterson e de três empresários brasileiros. E como atuou.
Derrubou as resistências que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tinha a seus clientes e os livrou das dívidas trabalhistas e fiscais que levaram a velha Varig à bancarrota. Pela façanha, Teixeira declarou inicialmente ter recebido, a título de honorários, não mais do que 350 000 dólares. Em seguida, flagrado na lorota, mudou sua versão – não uma, mas duas vezes.
No dia 22, admitiu ter embolsado 3,2 milhões de dólares. No dia 23, reconheceu que seus honorários chegaram a 5 milhões de dólares. Não se sabe por que Teixeira vem tentando negar o valor dos honorários que recebeu no caso Varig. Vem tentando porque o valor não parou em 5 milhões de dólares. Ele recebeu outros pagamentos de empresas ligadas ao grupo Varig, especialmente aquelas controladas pelo chinês Lap Chan, representante do fundo americano Matlin Patterson. Resta saber a que tipo de serviço esses pagamentos adicionais se referem.
Época
Um “milagre” e três mortos
As mortes de Marcos Paulo, Wellington e David, os três jovens do Morro da Providência presos por militares, torturados por traficantes e executados com 46 tiros, são a nota trágica de um projeto que nasceu torto e cresceu alimentado por padrinhos ilustres nos bastidores do Palácio do Planalto. Se hoje ele produz um escândalo atrás do outro é porque, desde sua origem, contou com uma combinação de fatores condenáveis: assistencialismo eleitoreiro, arrogância das Forças Armadas e omissão do Estado.
Foi por causa de uma manobra do governo federal que o senador
Marcelo Crivella (PRB) conseguiu tirar do papel seu projeto para reformar casas em favelas do Rio de Janeiro antes que ele recebesse a aprovação do Senado. Em setembro de 2007, Crivella propôs a emenda que criava o projeto Cimento Social. No Senado, o documento continua nas mãos do relator, Almeida Lima. Para garantir a verba a tempo de o programa ser usado na campanha eleitoral, o Planalto “adotou” o Cimento Social. Sem usar esse nome, ele foi incorporado pelo Ministério das Cidades. Menos de dois meses depois de Crivella apresentar a proposta ao Senado, o Ministério liberou quase R$ 2 milhões para acelerar as obras. Um “milagre” de superação da burocracia operado por aquele que se diz ex-bispo.
O Cimento Social entrou de carona na Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), do Ministério das Cidades, depois de um encontro entre Crivella e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Numa portaria publicada no Diário Oficial da União em 30 de outubro de 2007, o ministério informou que o dinheiro se destina a “obras de revitalização das fachadas e dos telhados da comunidade da Providência”, mesmos objetivos do projeto do senador.
“Ao sair do Exército, percebi que estive preso”
A Justiça Militar negou, nesta sexta -feira (27), o pedido de liberdade provisória feito pelo sargento Laci de Araújo (esquerda). Acusado de deserção, ele está preso em Brasília desde o dia 4 de junho. Também lhe foi negado o pedido de menagem, a possibilidade de ficar detido no quartel, mas fora de uma cela. Laci e o sargento Fernando Alcântara de Figueiredo assumiram serem gays em entrevista a ÉPOCA, no primeiro caso público de homossexualismo na história das Forças Armadas. A Justiça Militar também decidiu que Laci será submetido a uma perícia neuropsiquiátrica no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, para avaliar suas condições de saúde. Dependendo do resultado dos exames, o pedido de soltura poderá ser reavaliado pela Justiça.
O sargento Alcântara, que será uma das testemunhas na defesa de Laci, acompanhou a audiência em Brasília nesta tarde. Depois de saber do resultado desfavorável ao seu companheiro, deu a entrevista a seguir à reportagem de ÉPOCA.
Qual foi a sua impressão a respeito da audiência sobre o processo de deserção do sargento Laci de Araújo?
Fernando Figueiredo – De certa forma era esperado, apesar de eu acreditar que a decisão da juíza poderia ter sido um pouco mais branda. Não esperava a liberação dele, mas a menagem, que é a permanência em um lugar determinado, no caso o quartel, com a garantia de que não haveria tentativa de fuga. Ou, então, que a juíza o encaminhasse imediatamente para um hospital. Apesar de todos os laudos que estão no processo, ela está recalcitrando em acreditar que ele está doente.
A resposta de Ustra
Alvo de uma ação do Ministério Público que tenta obrigá-lo a arcar até com as despesas da União com indenização de presos políticos, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra já montou sua defesa num possível processo. Entre 1970 e 1974, Ustra foi comandante do DOI-CODI paulista. Pelo menos 60 militantes de esquerda perderam a vida em confrontos com o órgão. Centenas foram submetidos a tortura.
Para defender-se, Ustra faz um apelo genérico e uma convocação específica. Ele quer que o atual senador Romeu Tuma seja ouvido como testemunha de sua defesa. Num texto de 31 páginas, ao qual ÉPOCA teve acesso com exclusividade, Ustra diz que Tuma “acompanhou e viveu a situação de violência da época e o trabalho do DOI, já que, como delegado da Polícia Civil, era o elemento de ligação entre o Comando do II Exército e o Departamento de Ordem Política e Social, órgão no qual estava lotado.” Ustra constituiu um advogado para orientá-lo no processo, Paulo Esteves.
Além do senador Romeu Tuma, Ustra convoca quatro oficiais da ativa do Exército para servirem com suas testemunhas. Ele não está falando de baixas patentes, mas do próprio comandante do Exército, Enzo Martins Peri; do comandante militar do Sudeste, onde funcionava o DOI paulista; do Chefe do Estado Maior do Sudeste e do chefe do Centro Inteligência do Exército, CIEx. Referindo-se a oficiais de gerações posteriores, que fizeram carreira após a democratização, Ustra escreve que “tais militares, ainda que jovens naquela época, vivenciaram ou acompanharam a violência daquela quadra conturbada.” Com esse pedido, a investigação sobre o passado da ditadura pode transformar-se em confusão e constrangimento no presente.
Istoé
Minc e o lixão de paciência
O geógrafo Carlos Minc Baumfeld assumiu o Ministério do Meio Ambiente com uma missão muito bem definida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva: para que o País realize as necessárias obras de infra-estrutura, é preciso acelerar os processos de concessões de licenças ambientais, sem, contudo, prejudicar a preservação ecológica.
A principal credencial de Minc para essa missão é a sua atuação à frente da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, entre 2006 e maio último, quando mudou-se para Brasília. No governo estadual, Minc construiu a imagem de alguém capaz de agir com independência e dar celeridade à burocracia sem criar conflitos com os movimentos ambientalistas, dos quais ele é originário. Mas um processo conduzido pela Procuradoria da República e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro questiona pelo menos uma das concessões ambientais liberadas pela Secretaria do Ambiente do Rio.
Trata-se da permissão para a construção de um aterro sanitário, localizado no bairro de Paciência, próximo ao aeroporto de Jacarepaguá e a menos de dez quilômetros da Base Aérea de Santa Cruz, numa área de preservação ambiental e de segurança aeroportuária.
Floresta zero?
Uma das grandes bandeiras do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) é a ampliação no limite atual do desmatamento da Floresta Amazônica, de 20% para 50%. Ele é autor de um projeto de lei nesse sentido, que tramita na Câmara dos Deputados - projeto que já foi apelidado de "Floresta Zero".
Nesta semana, o senador ganhou um parceiro de peso: o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, que assumiu a coordenação do Programa Amazônia Sustentável (PAS). Numa reunião com colegas de governo, na terça- feira 17, Mangabeira admitiu a flexibilização do limite legal do desmatamento: "Não há nenhum assunto tabu", assegurou o ministro. Ele deu a entender que, antes mesmo da possível aprovação do "Floresta Zero", poderia haver mudanças nos limites atuais através do chamado zoneamento ecológico-econômico.
Trata-se de autorizações dadas pelos Estados para que o limite de desmatamento supere os 20% permitidos pela lei federal. Isso já acontece no Acre e em Rondônia. Procurado por ISTOÉ, Mangabeira não quis comentar o assunto.
O calote do professor Delúbio
O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, um dos principais protagonistas do escândalo do mensalão, está novamente na alça de mira do Ministério Público. Desta vez, ele é acusado de desacatar uma decisão judicial e promover um calote contra o Estado de Goiás. Em maio de 2007, Delúbio foi condenado a devolver R$ 164,6 mil ao governo goiano, mas até agora, passado mais de um ano, não pagou nenhum centavo. O valor se refere aos salários que Delúbio recebeu, segundo a Justiça, de forma irregular, como professor contratado pela Secretaria de Educação.
O ex-tesoureiro petista recebia os salários todos os meses, mas não punha os pés na sala de aula. Delúbio foi contratado pelo governo de Goiás em 1974, mas se licenciou diversas vezes sob o argumento de atuar no Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (Sintego). Na sentença condenatória, o juiz Ari Ferreira de Queiroz, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia, entendeu que, nos períodos de licença, Delúbio na verdade residia em São Paulo, trabalhava para o PT e não prestava serviços ao sindicato.
Além de não devolver o dinheiro recebido irregularmente, Delúbio continua como funcionário público do Estado de Goiás e permanece longe das salas de aula. "Não é possível que Delúbio, mesmo condenado, não tenha sido demitido", diz o promotor de Soares de Gouvêa, disse que o procedimento administrativo disciplinar contra Delúbio depende de parecer favorável da Procuradoria-Geral do Estado.
Temporão na corda bamba
A paciência do presidente Lula com o seu ministro da Saúde, José Gomes Temporão, está chegando ao fim. A mais recente demonstração desse mal-estar ocorreu na quintafeira 19, quando Temporão foi praticamente ignorado na cerimônia de abertura da Semana Nacional Antidrogas no Palácio do Planalto. O ministro da Saúde nem sequer foi convidado a subir ao palco, ficando na platéia.
Não deve ter sido falha do cerimonial, pois o presidente não chamou o ministro à mesa. Ao final do evento, Temporão ainda tentou cumprimentar o presidente Lula, que nem sequer se virou para vê-lo. Não foi a primeira vez que Lula demonstrou má vontade com seu ministro da Saúde.
Em mais de uma ocasião, segundo interlocutores, Lula fez queixas ao estilo de Temporão. "Ele fica se metendo nessas polêmicas que não levam a nada, e não resolve os problemas na saúde", desabafou o presidente numa reunião do Conselho Político há dois meses. "Se tivesse havido mais empenho dele para manter a CPMF, não estávamos nessa situação agora", completou.
Carta Capital
Fundo soberano para quê?
Nem mesmo o presidente Lula entendeu a proposta de criação de um fundo soberano brasileiro com o aumento do superávit primário de 3,8% para 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Para explicar a natureza desses fundos, sem esconder críticas à fórmula do Ministério da Fazenda, CartaCapital conversou com Celso Grisi, especialista em comércio internacional, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa Fractal e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
CartaCapital: O governo cogita ter um fundo soberano. É uma boa iniciativa?
Celso Grisi: Se um país acumulou reservas e pensa no futuro, é legítimo ter essa poupança para tempos mais adversos. Um fundo soberano seria muito interessante para o Brasil, porque nos ajudaria a evitar a sobrevalorização do real. E porque as reservas de 200 bilhões de dólares que o País tem são muito mal remuneradas. Para ser um investimento seguro, é preciso colocar os dólares em títulos do Tesouro americano, por exemplo. Um fundo soberano nada mais é do que uma aplicação mais rentável. Além disso, pode ser usado como uma política estratégica do País. Comprar portos, empresas de energia, varejistas. O Brasil poderia, com tal fundo, adquirir a distribuição de suco de laranja nos Estados Unidos.
Em defesa do estado
Discípulo de Darcy Ribeiro, o antropólogo Mércio Pereira Gomes orgulha-se de ter sido o segundo presidente na história da Fundação Nacional do Índio (Funai) a dirigi-la por mais tempo. Foram três anos e sete meses. Distante de Brasília, Gomes repete a quem quiser ouvir que a Funai precisa ser refundada. Também afirma que a presença de ONGs estrangeiras atuando nas reservas é proporcional à ausência do Estado brasileiro.
As críticas não significam que o antropólogo concorde com o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, que classificou a política indigenista de caótica e criticou as ONGs. “Concordo com o general quando ele diz que a política indigenista não funciona na prática, mas discordo frontalmente que as terras indígenas sejam uma ameaça à integridade nacional. Temos terras indígenas nas fronteiras com todos os nossos vizinhos e isso nunca foi problema”, afirma na entrevista a seguir.
CartaCapital: O senhor esteve à frente da Funai por três anos e sete meses, com a perspectiva de quem a conheceu por dentro, qual balanço faz da instituição?
Mércio Gomes: À frente da Funai aprendi muitas coisas sobre as quais como antropólogo não tinha clareza, mas o principal aprendizado é que precisa existir uma instituição forte dentro do Estado brasileiro para, não somente dar proteção às terras indígenas, condições de sobrevivência econômica, crescimento demográfico e abrir as portas para que os índios possam se inserir no restante da sociedade, mas também para proteger os índios dos demais brasileiros que cobiçam suas terras e daqueles que têm preconceito contra esses povos. O Estado sempre foi o local onde os índios encontraram um ambiente seguro.
A torneira está aberta
Na Europa, o inquérito sobre o esquema de propinas alimentado pela Alstom está próximo de um desfecho. O juiz federal suíço Ernst Roduner afirmou que já detém informações que comprovam pagamentos da multinacional francesa a funcionários públicos estrangeiros. Por ora, ele prefere não revelar os nomes dos beneficiários. É prudente. Antes de procurar os holofotes, quer colher os depoimentos de suspeitos.
Pena que a Justiça suíça não teve a mesma cautela antes de confiar aos investigadores brasileiros pilhas de documentos sigilosos, reunidos ao longo de quase quatro anos de trabalho. Os europeus estavam dispostos a ajudar os promotores nativos no mapeamento dos receptores da propina no País, responsáveis por assegurar contratos milionários da Alstom com estatais paulistas. Encaminharam ao Ministério da Justiça, em meados de maio, informações valiosíssimas sobre as ramificações do esquema e os principais suspeitos. Mas, tão logo as informações chegaram ao Brasil, boa parte das evidências ganhou as páginas dos jornais.
As provas reunidas até então viraram notícia antes que os acusados fossem convocados a depor no Ministério Público ou que a Justiça pudesse autorizar a quebra do sigilo fiscal das empresas que intermediaram a negociata. Quem tinha algo a esconder teve tempo de sobra para eliminar vestígios. Não por acaso, a Justiça suíça interrompeu o envio espontâneo de novos documentos ao Brasil. Agora, os arquivos são encaminhados somente após requerimentos oficiais do governo federal.
Em conversas informais, autoridades que acompanham o caso não escondem o descontentamento com o que consideram ser “um vazamento criminoso, com prejuízos incalculáveis para as investigações”. Os responsáveis pela trapalhada não dão as caras. Mas não é difícil relacionar as prováveis fontes das informações sigilosas. Todos os documentos enviados pelos suíços passaram pelo Ministério da Justiça e, em seguida, foram remetidos aos promotores envolvidos no caso. Em alguma dessas pontas, a torneira está aberta.
O presidente Lula imita o rei
O presidente Lula enfiou o pé na jaca. Ele aderiu à rebeldia dos desembargadores contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que manteve o direito de ser votado para candidatos com processo em andamento na Justiça. “A pessoa é cassada por corrupção quando é governador e pode ser candidato ao Senado nas eleições seguintes. Ou seja, tiram um mandato de quatro anos e dão um mandato de oito”, disse Lula.
O presidente não percebeu que o TSE preservou a presunção de inocência, um dos pilares do regime democrático. Por que vetar um candidato que responde por crime doloso em razão de um atropelamento não motivado por alcoolismo? O bom senso do juiz? Mas onde está o bom senso na punição imposta aos veículos que publicaram entrevistas com candidatos às eleições de outubro em São Paulo?
Esse movimento dos desembargadores começou em 2002. Exatamente com a eleição de Lula. Em 2004, no entanto, a reação ganhou corpo. Agora chega ao apogeu. Um velho impulso autoritário, explícito nos últimos anos, está por trás dessa história. Os ilustrados desembargadores querem controlar a seleção dos candidatos porque o povo, a quem cabe o controle, não saberia escolher. O povo não está preparado para votar. Esse princípio, defendido pelo maior atleta do século XX, foi batizado como Lei Pelé. Nessa arapuca Lula também caiu ao criticar a decisão do TSE.