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Exposição de motivos da OAB
Congresso em Foco
07/02/2007 | Atualizado às 19h27
A seguir a íntegra da exposição de motivos entregue ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, quanto às propostas aprovadas pela entidade da advocacia para a reforma política:
"O Brasil sofre, há mais de um quarto de século, situação de marasmo econômico e desagregação social. Não se trata de simples crise episódica, mas de um estado de morbidez crônica, cujas causas são não apenas econômicas, mas também políticas.
No tocante ao processo de crescimento econômico, o contraste não poderia ser maior em relação ao período histórico imediatamente anterior.
Em 1930, o Brasil ocupava a 50ª posição mundial, em tamanho de riqueza nacional produzida. Tivemos então o golpe de gênio de iniciar, imediatamente, o processo de industrialização acelerada, que nos levou, cinqüenta anos depois, a ocupar a honrosa posição de 8ª potência mundial em termos de produção nacional.
Ora, a partir de 1980 e até hoje, a média do crescimento econômico do PIB brasileiro tem sido de 2,6% ao ano. Em termos de crescimento do PIB per capita, ela foi, nesse período, de nada mais do que 0,6% ao ano em média. Entre 1995 e 2005, segundo dados incontestáveis do FMI, o crescimento da economia brasileira ficou 17% abaixo da média do crescimento mundial. Trata-se de fato inédito na história brasileira.
Ao mesmo tempo, e como conseqüência direta desse marasmo econômico, têm-se produzido, desde 1980, graves sintomas de desagregação social.
A distribuição da renda nacional, entre os que vivem do trabalho e os que recebem rendimentos não ligados ao trabalho, modificou-se sensivelmente. Em 1980, essa distribuição era praticamente igual; em 2005, a repartição da renda nacional em termos de remuneração de trabalho de todas as formas, assalariado ou não, representava apenas um terço do total.
O rendimento médio do trabalhador brasileiro, segundo dados divulgados pelo Dieese e pelo Seade, caiu 33% entre 1995 e 2005. O IPEA calculou que o desemprego formal no país aumentou 80%, entre 1992 e 2004. A situação piorou sensivelmente nos últimos 6 anos, relativamente à classe média. Calculou-se recentemente, com base em registros do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados o Ministério do Trabalho), que a renda média dos que recebem remuneração acima de 3 salários mínimos, descresceu 46% entre 2000 e 2006, com o desemprego de quase 2 milhões de trabalhadores.
Contamos hoje com uma massa de desempregados formais da ordem de 8 milhões de trabalhadores. Ora, quando se leva em conta o fato brutal de que a informalidade no emprego já atinge 60% da PEA, percebe-se o grau de desagregação a que está sendo submetida a sociedade brasileira.
De pouco vale, nessas condições, argüir que houve um inegável melhoria da condição de renda das classes E e D (faixa de até 2 salários mínimos), durante o mandato do atual Presidente da República. Tal fato se deu, como ninguém pode negar, em grande parte, por efeito da política de assistência social. Continua sem solução adequada o fato inescapável de que, todos os anos, cerca de dois milhões e trezentos mil brasileiros entram no mercado de trabalho demandando emprego.
Segundo quadro revelado pela PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, 23% da população entre 16 e 24 anos não estudam nem trabalham.
As causas dessa patologia social
Elas são de ordem econômica e de natureza política, como acima assinalado, e ambas coincidem com uma inserção subordinada do Brasil no quadro da globalização capitalista atual.
O primeiro impacto da reordenação da economia num sentido globalizante, sofrido pelo nosso país nos últimos 25 anos, deu-se no setor industrial. A indústria instalada nos países do primeiro mundo, não tendo condições de continuar a aumentar sistematicamente a sua produção com base no consumo interno, impôs (é bem o termo) uma abertura dos mercados dos países da periferia.
Tal fato traduziu-se pela adoção, um pouco em toda parte, de um conjunto de políticas apregoadas como de revigoração do liberalismo. Foram elas: a privatização de empresas estatais, a revogação das regras de proteção das empresas nacionais em concorrência com as estrangeiras, a liberalização do fluxo de capitais e do sistema cambial.
O Brasil cumpriu subordinadamente a sua parte nesse terreno, produzindo-se, em termos macroeconômicos, um fenômeno de desindustrialização precoce. É o que explica o extraordinário contraste entre a pujança excepcional da economia brasileira nos 50 anos decorridos entre 1930 e 1980, e o marasmo econômico dos últimos 26 anos.
O segundo impacto do processo de globalização econômica foi o advento da hegemonia do capitalismo financeiro em todo o mundo, a partir dos anos 90 do século passado.
As atividades de produção foram rapidamente substituídas pela prática sistemática de operações especulativas, não só no mercado acionário tradicional, como ainda em mercados novos, ditos de índices, sem qualquer ligação com a produção econômica.
O resultado é que as empresas industriais se descapitalizam, e os empresários passam a desviar recursos da produção, para aplicações financeiras. No último decênio, as emissões líquidas de ações foram em média negativas, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa.
As ações são artificialmente valorizadas em Bolsa, não só pela farta distribuição de dividendos, mas também mediante operações de resgate e compra, pelas empresas, de suas próprias ações, assim como pela emissão maciça de opções de compra (stock options), distribuídas generosamente aos administradores.
Para tanto, é obviamente necessário aumentar ao máximo os ativos líquidos e abandonar os programas de investimento. O que implica, como é fácil imaginar, o sacrifício de todo o futuro da empresa, com a demissão em massa dos trabalhadores.
No Brasil, entre 1995 e 2005, como mostrou o IPEA, a taxa média de investimento global (público e privado) em relação ao PIB, foi de 19,5%, contra 22,7% na Índia, 23,3% no Chile, 32,0% na Coréia do Sul e 35,3% na China. Com isso, o nosso crescimento econômico, durante toda essa década, foi de longe o pior na comparação com esses países.
E por que razão apresentamos esse resultado ultra-medíocre? Porque sucumbimos, servilmente, desde o início dos anos 90 do século passado, ao fascínio de uma política de endividamento público sufocante. A reserva de quase 9% do PIB, todos os anos, ao serviço da dívida pública, impede não só os investimentos em infra-estrutura (energia, transportes, comunicações, pesquisa científica e tecnológica), como também em políticas sociais de amparo à educação, à saúde, à previdência social, entre outras. E sem essas políticas não há desenvolvimento nacional.
A esses fatores patogênicos de ordem econômica, deve-se acrescentar um conjunto de causas diretamente ligadas ao sistema político, a saber:
1. A persistente marginalização do povo, impedido de tomar diretamente as grandes decisões políticas, não só na esfera nacional, mas também no plano local;
2. Uma representação popular falseada, que acabou criando um pequeno mundo político irresponsável, cada vez mais distanciado da realidade social;
3. A incapacidade institucional do Estado brasileiro de elaborar e conduzir programas de ação de longo prazo, com base num projeto de desenvolvimento nacional.
As diretrizes fixadas pelo Conselho Federal da OAB no Fórum da Cidadania para a Reforma Política
A Ordem dos Advogados do Brasil tem em vista, como não poderia deixar de ser, os objetivos fundamentais da nossa República, proclamados no art. 3º da Constituição Federal:
1. Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
2. Garantir o desenvolvimento nacional;
3. Erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
4. Promover o bem de todos, sem preconceitos ou discriminações de qualquer espécie.
Para tanto, classificou as propostas de reforma em três capítulos, correspondentes aos três grandes defeitos do nosso sistema político, acima apontados: a efetivação da soberania popular, com integral proteção dos direitos humanos; a correção substancial das normas eleitorais e partidárias; e a reforma do Estado, com a reorganização dos Poderes Públicos.
Em sua sessão plenária de 10 de dezembro último, o Conselho Federal deliberou sobre as duas primeiras séries de propostas apensadas a esta Exposição de Motivos -, reservando-se para discutir e decidir aquelas concernentes à reforma do Estado em sua próxima sessão plenária, no início de 2007.
Roberto Busato
Presidente do Conselho Federal da OAB"
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