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Congresso em Foco
17/4/2006 | Atualizado às 6:38
Tarciso Nascimento
A ação da bancada ruralista sempre mereceu críticas pesadas da imprensa e dos parlamentares de esquerda. Com freqüência, as bandeiras desse grupo de congressistas são associadas à defesa dos grandes agricultores e do calote de dívidas bancárias. Mas será que a poderosa bancada do campo está sempre errada? Estaria ela agora, mais uma vez, advogando em favor de produtores rurais caloteiros?
"Eu não posso admitir uma insinuação de que o produtor rural quer dar calote", rechaça o presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas. "É lógico que existem grupos de interesse que acabam se beneficiando com a renegociação de dívidas, mas não é o setor como um todo. Peço respeito pelas pessoas sérias".
De acordo com dados do Ministério da Agricultura, o agronegócio é responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB), 42% das exportações brasileiras e 37% dos empregos existentes no país. A pujança do setor agropecuário foi fundamental para garantir, no atual governo, que o Brasil alcançasse números recordes no comércio internacional. Por que, então, alguém poderia defender a renegociação dos débitos agrícolas?
Uma das principais líderes rurais no Congresso, a vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), deputada Kátia Abreu (PFL-TO), desfaz a imagem de que tudo vai bem na agricultura nacional. No plano externo, ele sofre com os problemas causados pela valorização do real, que tornam nossas exportações menos competitivas. E, internamente, com os preços agrícolas, cujos patamares retrocederam aos níveis de 2002.
Kátia Abreu garante que desde o início do Plano Real, em 1994, o setor não enfrentava uma crise tão profunda como a dos últimos dois anos: "A crise é gritante e assustadora. Nós sofremos com a questão do clima e com a comercialização. Faltam políticas públicas para socorrer o produtor. Os Estados Unidos, a União Européia e o Canadá, por exemplo, dão US$ 1 bilhão por dia, ou seja, US$ 365 bilhões por ano em subsídios para o setor agrícola. Eles entendem que o setor precisa de forte apoio para crescer".
Suas preocupações são compartilhadas pelo presidente da OCB, entidade que representa 7.500 cooperativas rurais e foi comandada durante seis anos pelo atual ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Segundo Márcio Lopes de Freitas, os produtores rurais perderam cerca de R$ 30 bilhões nos últimos dois anos. "É um impacto muito forte. Existe uma evasão de renda muito grande, mas o setor está preparado para dar a volta por cima. Podemos ter uma reação forte".
Para Márcio de Freitas, os governos de maneira geral dão pouca importância à agricultura. "Houve um enfraquecimento do Ministério da Agricultura. Nós temos o melhor ministro, mas ele não tem poder de decisão. Precisa sempre negociar com o Ministério da Fazenda o orçamento. Esse governo, como o anterior, até faz o discurso agrícola, mas está pouco ajustado com o produtor".
O tamanho da crise
Dados da CNA e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP) reforçam a tese de uma crise grave no setor. Somente em 2005, o PIB rural caiu 9,79%, reduzindo a renda dos produtores em R$ 16,6 bilhões. Agora, eles ganharam mais um problema: a gripe aviária, que já reduziu em 10% as exportações de frango e aumento o desemprego nesse segmento.
Já com a soja, o problema está no preço. Com a queda do dólar, o valor da saca despencou mais de 30% da última safra para cá. O produtor que plantou ficou sem renda para cumprir os seus compromissos. É o caso do pequeno agricultor Rui Valença, que financiou R$ 50 mil para a compra de um trator. Ele, que possui uma pequena propriedade com mais dois irmãos no Sul do país, planta milho, soja e trigo e está com uma dívida de R$ 34 mil. Valença diz que não terá como pagar o financiamento.
"Este ano não tenho como pagar. Vou ter que resolver para quem eu vou ficar devendo. Uma simples renegociação seria importante, mas não adiantaria se não existirem mecanismos de política agrícola, que dêem uma garantia de renda ao pequeno produtor. Nos últimos dez anos, o governo só tem jogado o problema para depois, mas não resolve", afirma Valença, que é um dos dirigentes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT).
"Guerra civil"
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Alagoas, Álvaro Arthur de Almeida, conta que no seu estado existem hoje 34 mil contratos inadimplentes, a maioria de pequenos e médios produtores. Segundo ele, as dívidas dos agricultores vão de R$ 10 mil a R$ 1 milhão.
"Tem um produtor conhecido meu que deve R$ 438 mil e que possui uma pequena propriedade de 24 hectares. Ele está sendo notificado e pode perder a propriedade. Tem gente que deve R$ 11 mil e também está sendo executada. O produtor rural nordestino perdeu renda, ficou sem alternativas para plantar e para manter seu rebanho e, por conseqüência, sem condições para quitar dívidas de crédito rural. Não existe socorro do governo. O socorro foram as ações judiciais", avalia.
Álvaro demonstra inconformismo com a atitude do governo federal, que só faz executar as dívidas. Segundo ele, foram notificados, até agora, 2.400 produtores alagoanos pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
"Se o governo não tiver sensibilidade com a gente, vai ter uma guerra civil na região. O cara não sai da terra dele e não sabe como pagar. Nós não queremos perdão das dívidas, queremos é ter condições de pagar", afirma o agricultor, que também nega a versão do governo de que a dívida rural no Nordeste se concentra com grandes produtores. "Eu não sei dessa história. Não tem essa de farra rural", rebate.
O presidente da federação alagoana acredita que o Nordeste responde por 69% do total dos débitos rurais em atraso no Brasil. Desde 1990, a região passou por oito períodos de seca e dois anos com inundações.
Mas Álvaro de Almeida reconhece que o problema não pode ser tratado de maneira igual. "O produtor da zona da mata não pode ter o mesmo tratamento daquele que está no sertão, no agreste. No próprio estado de Alagoas, o tratamento tem que ser diferenciado. Acho que todos os inadimplentes deveriam ter uma solução para o seu problema. O pessoal do sertão deveria ter juros menores e prazos maiores de pagamento", sugere.
"Todo mundo quer pagar"
O presidente da OCB, Márcio Lopes de Freitas, estima que, entre débitos vencidos e a vencer, as dívidas dos produtores rurais atingem atualmente perto de R$ 50 bilhões. Ninguém sabe, contudo, qual o montante total em atraso.
Quase 80% dos financiamentos foram feitos via Banco do Brasil, parte deles com recursos do Tesouro Nacional. Para que o governo receba o que o setor rural deve, o economista Nelson Fraga, assessor técnico da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, calcula que seria necessário destinar 1% das exportações do agronegócio à renegociação de dívidas, o que daria cerca de US$ 400 milhões por ano.
Márcio de Almeida fala que o problema é sério, mas perfeitamente administrável desde que haja interesse do governo em enfrentá-lo. "Basta só o produtor ter uma boa safra, uma boa colheita, para que ele possa se recuperar e pagar o que deve. A situação é grave, mas todo mundo quer pagar", diz o presidente da OCB.
Fraga acrescenta: "O governo deveria renegociar todas as dívidas. Mas, para isso acontecer, falta muito. Atualmente, o governo está negociando só as dívidas novas para não deixar que a inadimplência se generalize. Ele está pegando o que está vencendo e dando um prazo maior".
Na opinião de Kátia Abreu, para resolver o problema do endividamento rural, o governo deveria oferecer um prazo de dez a 15 anos para pagamento de tudo o que foi parcelado nesses dois anos de crise. Pecuarista, ela argumenta que não há nenhuma atividade com risco semelhante ao do agronegócio e pede tratamento diferenciado. "Uma indústria de carros", exemplifica, "pode reduzir a produção e até mesmo demitir funcionários se alguma coisa não vai bem. Na agricultura, eu não tenho o direito de suspender uma produção, de parar de plantar, mesmo sabendo que terei uma baixa produtividade, porque senão o Incra pode dizer que a terra é improdutiva".
O que fazer?
Márcio de Freitas diz que a solução passa por aumentar a proteção do agricultor contra os riscos inerentes à sua atividade: "Continuamos sendo um país que não tem um seguro rural efetivo. No ano passado, não choveu no Rio Grande do Sul e não se fez nada. Não existe uma ferramenta funcionando na prática. Precisamos de mecanismos de proteção do preço do nosso produto, de uma garantia que vamos receber. Já estamos indo muito bem na questão da tecnologia, da gestão e do gerenciamento, mas temos que avançar nos mecanismos de proteção, com juros mais equilibrados e melhores linhas de crédito".
No dia 6, o governo federal lançou um "pacote de bondades": liberação de R$ 15 bilhões, incluindo R$ 1 bilhão para a comercialização, R$ 238 milhões para a agricultura familiar, R$ 7,7 bilhões para renegociar dívidas antigas e R$ 5,7 bilhões para novos financiamentos.
A Fetraf considera as medidas insuficientes para resolver a crise de renda vivida pela agricultura familiar. "As medidas não contemplam a realidade atual da agricultura familiar, que vem sofrendo com o endividamento e a descapitalização, principalmente em regiões assoladas pela estiagem nos últimos anos", afirmou a entidade em nota à imprensa.
Dia 10, o presidente Lula voltou ao tema. No programa semanal Café com o presidente, disse que o governo estuda novas medidas de apoio ao setor agropecuário, incluindo a redução da carga tributária e da alíquota de importação de insumos agrícolas.
Uma das possibilidades em análise seria a redução de tributos como PIS, a Cofins e o Imposto de Renda incidentes nos insumos agrícolas, principalmente defensivos e composição de adubo.
No programa, porém, Lula distinguiu "as pessoas que vinham pagando normalmente", às quais prometeu "um tratamento muito respeitoso e atencioso do governo" e aquelas que "historicamente, tomam dinheiro emprestado e não pagam". Em seguida, arrematou: "Isso tem que acabar. Se nós não tratarmos com seriedade as pessoas sérias e tratarmos com mais seriedade ainda as pessoas que tentam, sempre, encontrar um jeito de enganar um banco, enganar o governo, nós não vamos resolver definitivamente o problema da agricultura".
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