Ao fim do depoimento de 14 horas prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o principal operador do mensalão, afirmou ter sido usado pela cúpula do PT. Instigado pelo deputado José Rocha (PFL-BA) a declinar os nomes de seus algozes, Valério não vacilou e apontou aqueles que, segundo ele, teriam destruído sua vida: o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-secretário-geral da legenda Sílvio Pereira. "Essas informações valem por todas as horas de depoimento", resumiu o pefelista, após ouvir a resposta de Valério.
As declarações do empresário, no entanto, foram danosas tanto para o PT quanto para o PSDB. No Partido dos Trabalhadores, o estrago ficou por conta da confirmação de Valério de que os empréstimos repassados à legenda eram de conhecimento de Dirceu. O relato teria sido feito a ele por Delúbio.
Já o PSDB foi atingido quando Valério entregou ao relator da CPI, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), uma lista de pessoas que teriam feito saques nas contas de suas empresas durante a campanha eleitoral de 1998. Naquele ano, elas teriam financiado aliados do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB), candidato à reeleição.
Valério afirmou que suas agências de publicidade participaram de licitações em vários órgãos públicos durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre os quais, a Eletronorte, o Banco do Brasil, o Ministério dos Esportes e o Ministério do Trabalho.
Os empréstimos feitos ao PT, explicou Valério, foram feitos com garantias fornecidas pela alta cúpula do partido. Marcos Valério contou à CPI que havia ouvido de Delúbio que o PT tinha uma arrecadação anual de R$ 50 milhões e que pretendia dobrá-la com a incorporação de novos militantes em cargos da administração federal. "Além disso, ele cansou de me falar que tinha o aval do senhor José Dirceu", completou. O empresário acrescentou que as transações teriam o aval de Genoino. Valério disse ainda que os empréstimos feitos ao PT, se corrigidos por juros bancários, já remontariam a R$ 100 milhões.
Repasses para Duda
Outro alvo do empresário foi o publicitário Duda Mendonça, que arquitetou a campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Valério relatou à CPI que Duda teria recebido das contas do empresário, em 1998, R$ 4,5 milhões. Esse repasse, que teria sido pago por ordem do tesoureiro da campanha de Eduardo Azeredo, Cláudio Mourão, fazia parte de um montante de R$ 9 milhões emprestados por Valério ao PSDB e repassados à campanha do partido em Minas Gerais.
O empresário detalhou ainda a transferência de R$ 1,8 milhão por meio de 79 saques. Segundo ele, o empréstimo feito para o PSDB se deu nos mesmos moldes dos que foram feitos para o PT. Os nomes de maior destaque na lista são o da ex-senadora Junia Marise (1991-1999), do PDT mineiro, com R$ 200 mil, e Murilo Borges, R$ 125 mil. Outro sacador importante é o deputado Romel Anízio (PP-MG), com saque de R$ 100 mil.
Outra lista apresentada por Valério à CPI traz a relação das pessoas supostamente autorizadas pelo PT a fazerem saques das contas de suas empresas entre 2003 e 2004. Nela aparecem, entre outros, os nomes de Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, que teria recebido R$ 10,837 milhões; o publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, com saques de R$ 15,5 milhões; o deputado Paulo Rocha (PA), ex-líder do PT, que teria recebido R$ 920 mil, e Márcio Lacerda, secretário-executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, com saques de R$ 457 mil. Valério alega ter emprestado R$ 55,217 milhões para o PT.
Acareação futura
O empresário foi instigado pelos parlamentares a esclarecer alguns detalhes de sua viagem a Portugal, em companhia com o ex-tesoureiro informal do PTB Emerson Palmieri. Valério negou que a viagem tivesse o objetivo de obter recursos para cobrir dívidas do PT e do PTB - versão sustentada pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) ao Conselho de Ética na semana passada. O propósito da viagem, segundo Valério, foi garantir que suas agências mantivessem a conta da empresa Telemig Celular, que estava sendo negociada com a Portugal Telecom. Marcos Valério declarou, ainda, que Roberto Jefferson também estaria mentindo quando afirmou que o empresário levava malas de dinheiro ao Congresso. O empresário se pôs à disposição da CPI para enfrentar uma acareação com Palmieri.
Em seu depoimento, Valério também disse que perdeu todas as contas publicitárias com o governo federal desde o surgimento das primeiras denúncias. "José Dirceu e Delúbio Soares destruíram a minha vida", desabafou. O empresário ressaltou que agora é "inimigo" de Dirceu, o qual considerava antes "apenas um conhecido". Em outro desabafo, o empresário pediu desculpas ao Brasil por não ter falado abertamente em seu primeiro depoimento na CPI dos Correios.