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Clima
25/8/2025 16:00
Enquanto os 33 membros da OTAN se preparam para gastar US$ 13,4 trilhões em defesa na próxima década, o mundo investe apenas US$ 1,5 trilhão por ano para enfrentar a crise climática - quando precisamos de ao menos cinco vezes mais para manter o aquecimento abaixo de 1,5C. Se isso não é incoerência, o que seria?
Mobilizamos fortunas para nos proteger uns dos outros enquanto falhamos em enfrentar a nossa maior ameaça comum. A crise climática não respeita fronteiras, não negocia, não distingue passaportes, mas não desperta o mesmo senso de urgência que disputas territoriais.
Defesa militar é prioridade máxima, investimento inquestionável. Clima? "Agenda ambiental", "bandeira ideológica". Como se enchentes perguntassem sobre filiação partidária antes de destruir cidades, ou secas, como as que antecederam a guerra civil na Síria, escolhessem alvos por bandeiras. No Brasil, as chuvas extremas no Rio Grande do Sul e as queimadas recordes no Pantanal mostraram que a vulnerabilidade climática já chegou às nossas casas, devastando o que construímos enquanto discutimos quem é o verdadeiro inimigo.
Por que essa inversão de prioridades parece tão natural? Porque é mais fácil vender o medo de um inimigo externo do que encarar o inimigo interno: nosso modelo de produção e consumo. E os políticos sabem disso. Capitalizam esse medo porque ele rende votos, facilita discursos inflamados e gera coesão rápida. É mais simples apontar o dedo para fora do que reconhecer as mudanças que precisamos fazer por dentro.
Preferimos acreditar que o perigo vem de fora porque isso nos conforta. Permite culpar alguém, canalizar frustrações e evitar olhar no espelho. Mas a crise climática nos obriga a admitir que o inimigo, desta vez, somos nós: nossas emissões, padrões de consumo e recusa em mudar enquanto ainda há tempo.
Gastamos fortunas para guerras que talvez nunca ocorram, enquanto subestimamos uma crise em curso. Enchentes matam mais que terroristas. Ondas de calor quebram economias. Secas forçam migrações maiores que invasões. Mas essas mortes não têm bandeira para demonizar ou um rosto conveniente para odiar.
Enquanto uma fortuna flui para armamentos que esperamos nunca usar, ignoramos que a crise climática aumenta o risco de guerras reais. Cada grau a mais de temperatura eleva em 11% a probabilidade de conflitos civis, segundo a Science. Potências militares chamam o clima de "multiplicador de ameaças" porque ele colapsa estados frágeis e gera instabilidade prolongada. Mesmo assim, tratamos a segurança climática como questão menor.
A história se repete. Toda civilização teve seu momento de escolher entre enxergar o perigo real ou continuar brigando por território. Na história do Dilúvio, a humanidade seguia em suas disputas enquanto as nuvens se acumulavam. Ninguém queria ver os sinais. A chuva chegou, e foi tarde demais. O Dilúvio não fez distinções: varreu tudo. A ameaça não veio de fora, mas da recusa coletiva em reconhecer o perigo e agir antes da catástrofe.
Continuamos chamando de "segurança nacional" o investimento em armas, mas não chamamos de segurança o investimento no que sustenta a vida. O financiamento para proteger o clima e as florestas avança em ritmo lento, travado em burocracias e falta de vontade política.
O Brasil pode, e deve, liderar essa virada. Temos soluções concretas, tecnologias, modelos de negócios e instrumentos financeiros capazes de escalar respostas à crise climática sem perder de vista a competitividade. Inovação climática não é custo, é estratégia de desenvolvimento. É também o elo que conecta a ambição climática ao setor produtivo, transformando compromissos em empregos, oportunidades e segurança real.
Precisamos reconhecer a inovação climática como prioridade de Estado e mobilizar capital, conhecimento e coordenação necessários para destravar o que já está ao nosso alcance.
A COP 30 no Brasil é a oportunidade de corrigir essa incoerência. Primeiro, precisamos olhar no espelho. Reconhecer que, enquanto nos preparamos para guerras imaginárias, a guerra real já começou. Nossos padrões de consumo são as armas, nossas emissões são os projéteis, nossa recusa em mudar é a estratégia. Só então poderemos exigir de governos e mercados a mesma urgência e os mesmos trilhões para transição energética, restauração e cidades resilientes. Segurança de verdade é parar de lutar contra fantasmas e enfrentar o inimigo que realmente importa.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].