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Congresso em Foco
27/3/2006 | Atualizado às 22:14
Osvaldo Martins Rizzo*
O contrato coletivo que regrava a vida em muitas sociedades primitivas tinha como um de seus princípios básicos o de que, constatada a presença de algum mal no seu interior, as lideranças rapidamente achavam um culpado - o malvado - e instigavam a turba a executá-lo sumariamente.
Em meados do século XVI, durante a pequena era glacial na Europa, mulheres acusadas de conspirarem com o demônio para provocar o esfriamento do clima, causador da fome pelo colapso da agricultura, foram rotuladas de bruxas e cruelmente queimadas em praça pública.
No Brasil, esse mesmo modelo medieval, com sutis ajustes, continua sendo empregado por vários formadores de opinião - com espaço cativo na mídia impressa - em suas recorrentes intervenções que subestimam a capacidade intelectual do brasileiro.
Há cerca de 15 anos atrás, por exemplo, havia o consenso entre os representantes da corrente dominante do pensamento econômico nacional de que a inflação era a única culpada por todos os males que flagelavam o cidadão comum. Com a sua queda, diziam eles, o país inevitavelmente entraria no "ciclo virtuoso do crescimento econômico sustentado", tornando-se a primeira superpotência tropical.
A televisiva imolação da malvada inflação viabilizou, inclusive, a vitória do então ministro da Fazenda na eleição presidencial de 1994. Mas, negando a tese, o Brasil regrediu, tendo a sua posição rebaixada no ranking mundial de Produto Interno Bruto (PIB) e vive um crescimento econômico desvirtuoso, agravado por quadro social insustentável.
Em seguida, a mesma confraria de economistas, em uníssono, elegeu o déficit da balança comercial como o parceiro do diabo a ser eliminado para que as agruras assoladoras do povo finalmente desaparecessem. Frases de efeito - como "exportar ou morrer" - foram repetidas por autoridades para inflamar a sociedade a, açodadamente, se livrar do causador do mal. Todavia, apesar da eliminação do malvado, a realidade social insistiu em piorar; pequenos e médios produtores neo-exportadores que acreditaram no blefe estão falindo, e os polpudos ganhos da minoria privilegiada de especuladores do mercado financeiro foram mantidos.
Num dos mais recentes capítulos dessa velha novela nacional, identificou-se nos juros altos o mal atual, sendo que a escolha do respectivo culpado imediatamente recaiu sobre a "má qualidade do gasto público", expressão da moda usada para batizar o perfil dos dispêndios governamentais.
Os mesmos especialistas de sempre - conhecidos entre seus pares por serem exímios legistas ao explicarem as causas da morte, mas médicos inaptos para salvar o paciente - também se apressaram em indicar como o novo malvado deve ser eliminado: aumentar o superávit primário cortando aposentadorias e despesas com programas sociais, além de reduzir as transferências aos estados mais pobres dos recursos federais do Fundo de Participação (FPE).
Recorrendo à prática usada pelos falsos profetas medievais a serviço do senhor feudal e da sua corte para manter os vassalos subjugados, alguns desses mercadores de ilusão ousam mesmo ameaçar com previsões de sinistros cenários futuros caso o governo recuse a alternativa instigada. Olvidam os seus vários fiascos pretéritos e postam-se, novamente, como os detentores da dádiva divina do monopólio do saber para resolver os problemas brasileiros.
Intencionalmente, as opções para a redução do sideral desembolso de recursos orçamentários com o pagamento do serviço da dívida pública - pessimamente financiada - permanecem ausentes do rol das sugestões relacionadas por esses pseudos consultores, que não mais conseguem disfarçar a cumplicidade com a manutenção das benesses da minoria de rendistas beneficiada pela conjuntura das últimas décadas.
O empenho desses formadores de opinião em desviar o foco dos verdadeiros culpados lembra o comportamento do personagem do inspetor de polícia do clássico filme Casablanca que, ao ser informado da ocorrência de um crime, sempre ordenava de imediato aos seus subordinados: "Reúnam os suspeitos de sempre!".
*Osvaldo Martins Rizzo, engenheiro, foi conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e social (BNDES).
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