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Congresso em Foco
15/9/2007 8:09
Carta Capital
O russo e o Brasil
No início de julho, por razões ainda não esclarecidas, a Polícia Federal interrompeu as escutas da Operação Perestroika, montada para investigar os indícios de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal na parceria entre o Sport Club Corinthians e a empresa de investimentos MSI.
Por 11 meses, os federais captaram conversas que comprovam não só a prática desses crimes como demonstram o que todo mundo desconfiava, mas não tinha prova: o verdadeiro nome por trás das operações da MSI é o do bilionário Boris Berezovsky, foragido da Justiça russa, asilado político no Reino Unido e com mandado de prisão expedido no Brasil.
Reveladas em primeira mão pelo programa Domingo Espetacular, da Rede Record, no domingo 2, e republicadas com mais detalhes uma semana depois pela Folha de S.Paulo e pela revista eletrônica Terra Magazine, as gravações também trazem à tona uma articulação para que o governo brasileiro, a exemplo do Reino Unido, concedesse asilo a Berezovsky.
De forma direta e indireta, as negociações envolveram os nomes do secretário da Presidência, Gilberto Carvalho, de dois ex-ministros, Márcio Thomaz Bastos e José Dirceu, e do deputado estadual pelo PT de São Paulo Vicente Cândido.
Nenhum desses personagens, à exceção de Cândido, é flagrado diretamente nas negociações, mas depreende-se, a partir de diálogos entre terceiros, um esforço de integrantes e ex-integrantes do governo para facilitar o livre trânsito e os investimentos prometidos pelo bilionário russo no País, apesar das inúmeras acusações que pesam contra o empresário no exterior.
O resumo das escutas distribuídas a jornalistas, condensado em 72 páginas, deixa claro que as conversas não prosperaram por interferência do presidente Lula, que preferiu manter distância de Berezovsky. Em um diálogo de 14 de maio deste ano, Alberto Dualib, do Corinthians, diz ao empresário Renato Duprat, intermediário da aproximação do clube com a MSI, “que o governo mandou um homem deles lá (ao Reino Unido) na semana passada e que está tudo correndo bem, mas que o Lula está entravando tudo”. Há outras referências a negativas do presidente.
A eterna tragicomédia
Quando caiu o Muro de Berlim, os sábios disseram que com ele ruíam as ideologias, como se o espaço das idéias e dos ideais estivesse extinto. De uns anos para cá, investem contra a política como se fosse o pior dos males do planeta. Mas a política é inerente à atividade humana, da mesma forma que o poder se impõe em todos os quadrantes, instâncias e situações, graúdas e miúdas.
Uma coisa é a política, outra a politicagem. A Terra não vive um momento de glória de inúmeros pontos de vista e, no caso específico, os politiqueiros são infinitamente mais numerosos do que os políticos. Neste domínio, o Brasil bate recordes mundiais e a absolvição de Renan Calheiros não passa de mais um ato da tragicomédia verde-amarela.
O episódio não causa surpresas. Tampouco, a falta de dignidade de um presidente do Senado contra quem as evidências clamam, e que, mesmo assim, permanece agarrado à sua cadeira. E ainda não causa surpresa a escassa familiaridade do senador Tasso Jereissati com a aritmética, compartilhada pela mídia, pronta a aceitar como verdade factual suas declarações à saída do plenário: “Quem votou a favor foi o PT”.
Alguma destreza na execução das quatro operações permite dizer que as contas não batem. É certo que Calheiros também recebeu a aprovação de senadores da oposição. Surpresa? Nenhuma. Como a Constituição, diria Raymundo Faoro, o Congresso é ornamental.
E a absolvição do presidente do Senado é um espetáculo em que se mesclam, sem a pretensão de hierarquisar os componentes, irresponsabilidade, arrogância, vulgaridade, amoralidade.
Época
Dois Brasis em confronto
De onde menos se espera, daí é que não sai nada.” A frase, do jornalista e humorista Apparício Torelly, o Barão de Itararé, descreve com perfeição o comportamento do Senado brasileiro na semana passada. A absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros, acusado de quebra de decoro parlamentar, só pode ser entendida à luz da máxima do Barão de Itararé. Numa votação secreta e viciada, o plenário do Senado resolveu ignorar a pressão da sociedade e a força das evidências apresentadas contra Renan.
A votação foi um choque negativo no combate à impunidade no Brasil. Aos olhos da sociedade, o Senado ficou menor. Os senadores agiram de modo mesquinho e corporativo. A operação montada para salvar Renan não é nada edificante, como se pode ver na reportagem da página 42. “Na ‘calada da tarde’, os rumos do Brasil foram definidos num cenário de trevas, bem longe dos ideais democráticos”, escreve em sua coluna desta edição o cientista político Fernando Abrucio. Uma tradução patética dessa realidade é uma simples conta aritmética. No plenário, apenas 35 senadores votaram contra Renan. No dia seguinte, questionados pela imprensa, 46 afirmaram ter apoiado sua cassação. Há, portanto, pelo menos 11 mentirosos ocupando cadeiras no Senado, uma das instituições mais relevantes da República.
Veja
Os números da vergonha
Com acordos às escondidas, ameaças, chantagens e protegido pelo anonimato, um grupo de 46 senadores desferiu na semana passada um golpe letal contra a credibilidade do Senado Federal e dos políticos em geral. Ao absolverem o senador Renan Calheiros da acusação de quebra do decoro parlamentar, os 46 senadores (os quarenta que votaram contra a cassação e os seis que se abstiveram) autorizaram um novo padrão de conduta para os nobres do Parlamento brasileiro – o pode-tudo. De agora em diante, estabeleceu-se o consenso entre a maioria de que não existe nada de mais no fato de um parlamentar, como Renan Calheiros, usar um lobista de empreiteira para pagar suas despesas pessoais. Não é da conta de ninguém tentar saber de que forma um senador, como Renan Calheiros, conseguiu fazer fortuna na política.
Está liberado de possíveis constrangimentos qualquer um que, como Renan Calheiros, queira fazer negócios usando malas de dinheiro de origem desconhecida. Ficam autorizados a apresentação de notas frias, o uso de bois-fantasma, a invenção de empréstimos para, assim como Renan Calheiros, tentar justificar contas que não fecham. Na sessão secreta que absolveu Renan Calheiros, além de massacrarem a ética, os 46 senadores também viraram as costas para a sociedade, envergonharam o Parlamento e reduziram o Senado ao mesmo patamar moral do presidente Renan Calheiros.
"A era dos grandes tribunos, referências éticas do Parlamento, que dividiam o Senado com a massa ignara, acabou há tempos", diz Octaciano Nogueira, professor de ciência política da Universidade de Brasília.
O triste papel do PT
Ao cair da tarde de quarta-feira, sob uma chuva fina, parentes, amigos e eleitores do senador Renan Calheiros saíram às ruas de Murici, no interior de Alagoas, para celebrar a vitória do conterrâneo ilustre. Houve carreata e buzinaço, explosão de rojões e queima de fogos. Em Brasília, na mesma hora, num canto do plenário do Senado Federal, um grupo de petistas, em perfeita sintonia com o entusiasmo muriciense, confraternizava com a salvação de Renan. "Somos a bancada da abstenção", festejava a senadora Fátima Cleide, do PT de Rondônia, numa animada conversa com os colegas Sibá Machado, João Pedro, Serys Slhessarenko e a indefectível líder da bancada, Ideli Salvatti, a senadora que adora conjugar o verbo "vivenciar" mas que, durante os 110 dias do primeiro processo contra Renan, se recusou tenazmente à vivência da moralidade. Quem diria que um dia o Partido dos Trabalhadores, essa legenda que empunhou com tanto garbo a bandeira da lisura com a coisa pública, daria seu último adeus à ética justamente para salvar da guilhotina o pescoço do ex-collorido Renan Calheiros?
A absolvição temporária do senador dos lobistas não é responsabilidade única dos petistas. "Nada de jogar no colinho do PT", diz Salvatti, que foi incansável na luta para proteger o senador das notas frias. "Isso é má aritmética", completa Aloizio Mercadante, que confessou candidamente que, entre absolver e condenar o senador dos bois de ouro, optou pela abstenção. Ah, bom... Isso fez toda a diferença. É preciso coragem para se abster em um momento daqueles.
Ainda chefe, mas de outra turma da pesada
A Operação Perestroika, a mais recente investigação da Polícia Federal, trouxe à tona o submundo do futebol. Com base em escutas telefônicas, a PF descobriu que, desde 2004, os dirigentes do Corinthians paulista, um dos clubes de futebol mais populares do Brasil, faziam de tudo para esconder a origem do dinheiro que abastecia os cofres do clube. Oficialmente, os recursos eram da empresa MSI, uma off-shore com sede em Londres e sócios ocultos.
Mas, nas conversas gravadas, fica claro que o verdadeiro dono da bola é o magnata russo Boris Berezovsky, enroladíssimo em seu país natal. As escutas levaram o Ministério Público Federal de São Paulo a denunciar, em julho, oito pessoas por crimes que vão de lavagem de dinheiro a formação de quadrilha. Os dirigentes corintianos são acusados de realizar pagamentos a jogadores em contas não declaradas no exterior. Mas a coisa não parou por aí. VEJA teve acesso a um segundo relatório produzido pela Polícia Federal em 12 de julho deste ano, dois dias após a denúncia oferecida pelo Ministério Público (veja quadro). Nele, são descritas as atividades de uma turma da pesada que, conectada à quadrilha que maculava a história do Corinthians, praticava "tráfico de influência, advocacia administrativa e favorecimento pessoal". O chefe dessa turma é ninguém menos que José Dirceu, o comandante do bando do mensalão.
O relatório em questão é uma decorrência das investigações sobre o Corinthians. Lista uma série de outros crimes descobertos ao longo dessa investigação e sugere que eles também sejam devidamente apurados. Dirceu entrou na mira da PF porque esteve no centro de uma operação de lobby que chegou ao gabinete da Presidência da República. Em parceria com amigos petistas, ele tentou fazer com que Berezovsky conseguisse se instalar no Brasil, na condição de asilado político. Berezovsky, que vive na Inglaterra, não pode pisar na Rússia, onde é acusado de fraudes financeiras e até assassinato. O magnata, cuja fortuna é estimada em 10 bilhões de dólares, diz que é tudo mentira. Alega ser perseguido pelo presidente Vladimir Putin. Fosse um gatuno brasileiro, Berezovsky poderia culpar também a "mídia golpista" russa.
*Até o fechamento desta nota, não estava disponível na internet a nova edição da revista Istoé.
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