Fábio GóisCom tem sido recorrente, o Senado tem esperado o apagar das luzes da semana para editar atos impopulares. Ontem (sexta, 3), foi formalizado no Boletim Administrativo Eletrônico de Pessoal o Ato nº 10/2011, com oito artigos e diversos incisos que, na prática, dão margem a desvio no uso do dinheiro público e burla nas normas que regem a utilização das verbas oficiais de gabinete ? a chamada Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores.
Assinado pelo primeiro-secretário da Casa, Cícero Lucena (PSDB-PB), o documento ?estabelece instruções complementares sobre procedimentos a serem observados para a administração, controle e ressarcimento das despesas realizadas à conta da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores ? CEAPS?. Em seguida, o ato determina já no artigo 2º que o valor mensal da cota será a soma das verbas de transporte aéreo (varia de R$ 21 mil a R$ 38 mil, a depender dos estados de origem de cada senador) e da chamada verba indenizatória (instrumento de reposição de gastos mediante justificativa, com apresentação de notas fiscais).
A decisão foi tomada na última quinta-feira (26), mas formalizada apenas ontem. A partir de agora, os R$ 15 mil mensais de verba indenizatória pagos a cada um dos 81 senadores serão reforçados com a possibilidade de o senador poder comprar livremente os bilhetes aéreos, inclusive valendo-se de tarifas promocionais. As despesas com passagens, garantidas inclusive àqueles que moram em Brasília ? e, dessa forma, não teriam a necessidade de retornar para estados de origem ?, serão todas repostas pelo Senado.
O problema está na redação do artigo 5º, parágrafo 1º: ?O exame da documentação apresentada restringe-se exclusivamente aos aspectos relativos à regularidade fiscal e contábil, não compreendendo qualquer avaliação quanto à observância de normas eleitorais, tipicidade ou ilicitude?, diz o dispositivo. O ato diz que as despesas relacionadas às passagens aéreas serão veiculadas no Portal da Transparência do Senado, mas não as notas fiscais para reembolso ? numa perigosa brecha para que o dinheiro seja indevidamente aplicado.
Ao não prever a análise da procedência dos gastos, deixando a Casa dependente da palavra das excelências, o texto abre espaço para que sejam apresentadas notas fiscais frias (falsas) e outras burlas ? desmando já verificado em diversas ocasiões, como o
Congresso em Foco inclusive esmiuçou na
série de reportagens sobre o que ficou nacionalmente conhecido como ?farra das passagens?. Antes, o controle era facilitado pelo fato de que os pedidos de emissão de bilhetes eram feitos para apenas uma empresa, a Sphaera ? que, entre outras reclamações, era criticada pelos senadores pelo fato de escolher as tarifas mais elevadas, o que diminuía, segundo os parlamentares, a possibilidade de viajar mais com o mesmo valor da verba de passagem.
Notas eventualmente emitidas por empresas de fachada, com livre registro de valores, e as demais possibilidades de driblar o regulamento, ficarão assim fora do controle do Senado. Já em relação à legislação eleitoral, o veto ao uso do dinheiro público em período de eleições ? proibição definida no ato ? faz menção apenas à divulgação da atividade parlamentar no período de 180 dias anteriores aos pleitos gerais e municipais. Não está incluído no texto do ato os deslocamentos dos senadores em ações de campanha, igualmente custeado pela cota mensal.
Ainda segundo o ato, não só os senadores podem utilizar a verba para viagens aéreas, terrestres nacionais e aquáticas, mas também servidores efetivos ou comissionados lotados nos respectivos gabinetes.