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Congresso em Foco
29/12/2006 | Atualizado 30/12/2006 às 8:11
Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. Lembrei desse meu velho apelido quando botei os olhos, às 17h do último dia 22, na sala de embarque do aeroporto de Brasília. É claro que a trama da vida real de José Louzeiro é muito mais cruel, mas no final da aventura a sensação era de ter sido tratado como bandido perigoso no meio do maior overbooking da aviação brasileira.
A cara das pessoas companheiras de "cárcere" denunciava logo que ninguém sabia o que fazer. As filas também mostram quanto seria difícil fazer o check-in, mesmo sem bagagem, meu caso. A disputa dos passageiros sem bagagem era um pouco menor, mas depois de meia hora tentando relaxar sonhando com as praias de Floripa, descobri que não ia embarcar sem descobrir outra saída. Não existia informação. Funcionários do aeroporto só mostram o caminho da fila.
Como tinha pelo menos uma hora de antecedência do vôo marcado para às 18h40, achei que poderia arriscar perder meu lugar na fila e tentar mais uma espera menos dolorida no check-in automático no terminal da TAM. Das três máquinas, apenas uma tinha papel. A maioria ali tentava pela primeira vez embarcar usando o computador. Um voluntário e a reza dos outros iam resolvendo os problemas caso a caso. Fui informado pela máquina, na minha vez, que não tinha mais tempo para pegar meu bilhete de embarque daquela maneira.
Milagrosamente, quando eu achava que até poderia voltar para casa sem embarcar, surge um "santo" funcionário da TAM. Mas naquela altura do campeonato, o representante da empresa já encarnava um integrante do "Esquadrão da Morte". E nós, claro, o bando de Lúcio Flávio. Nesse momento, achei que a sorte estava mudando, quando o moço apontou um balcão vazio para os dois ou três agoniados do check-in eletrônico.
Logo as más notícias vieram de novo e fui informado que já tinha perdido minha conexão em São Paulo. Insisti por uma informação um pouco menos trágica e como um bloco de gelo já calejado de tomar pancadas, ganhei do funcionário apenas um “boa sorte”.
Na sala de embarque, presenciei logo de cara uma troca de palavrões entre um atendente da TAM e um senhor aparentando uns 50 anos. A coisa foi tão feia que os dois tiveram que ser apartados por outros passageiros. Nessa hora, chegou a informação de que minha saída tinha previsão de acontecer pelo menos duas horas depois do marcado, às 20h40. Sabendo que pessoas tinham dormido no aeroporto no auge da crise, deixei de esquentar a cabeça.
E antes mesmo de começar a ler e tentar distrair, recebi o segundo sopro da sorte: "Passageiros com destino a São Paulo e sem bagagem. Vamos abrir dez vagas num vôo com passagem por Goiânia. O avião fica na pista e segue para São Paulo", exclamou o rapaz da TAM. Uma hora depois, dentro do avião, cheguei a pensar que havia feito um péssimo negócio. Tinha largado um vôo direto para dar um passeio na capital goiana que não começava nunca.
Após o desembarque em Goiânia, os dez "sortudos" foram quase agredidos por dois funcionários da TAM. A idéia deles era que tínhamos todos de esperar o próximo vôo ali mesmo, pois não havia lugar para todos.
Criou-se, então, o primeiro momento de revolta. Peguei a mochila no bagageiro e informei ao atencioso rapaz: “Só saio daqui com a presença da polícia”. Foi a segunda vez que me senti na pele do bandido xará. Os outros nove colegas embarcados em Brasília também fecharam a cara e a tensão aumentou.
Só que os nossos algozes, armados de comunicadores na mão e aos gritos com seus superiores, não contavam com mais uma golpe de sorte. Entre os "sortudos" havia dois técnicos da TAM a trabalho. Um deles se revoltou também e foi falar com o comandante. Não levei muita fé, mas tentei pensar no melhor - ou no que fazer quando a polícia chegasse. A reza deu certo e seguimos para São Paulo, onde chegamos só às 23h30.
A imagem em Congonhas era ainda mais dantesca do que em Brasília. Gente pelo chão e revolta pra todo lado. Como não tinha nem previsão de embarque, tentei garantir a janta. Mais fila no único quiosque aberto naquela hora. Numa ponta do balcão, um ex-ministro do governo Lula, todo suado, exigia seu lanche com tom de bom humor, mas com ares de desespero. No telão, uma informação gerou gritos espontâneos de muita gente. A FAB iria colocar aeronaves à disposição de parlamentares presos na capital federal. A situação parecia cada vez mais incontrolável.
Por volta das 2h, fomos informados que os passageiros de dois vôos com destino a capital catarinense seriam colocados numa mesma aeronave. Era claro que não teria espaço para todos. Até às 3hs a revolta só aumentou. Quando começaram a bater no vidro do portão de embarque, apareceram três policiais federais armados. Um deles não agüentou o tranco e começou a xingar os passageiros.
Um empurra-empurra começou e tinha tudo para acabar muito mal. Parecia que o vidro ia rachar, quando uma voz no microfone provocou ainda mais a ira dos passageiros: "Temos aeronave, pilotos, só não temos tripulação", gritava outro funcionário, escoltado pelos policiais. Só que não existia previsão nenhuma para que aeromoças dispostas chegassem de madrugada para trabalhar depois de um dia de cão e uma chuva de reclamações na cabeça.
Uma hora depois finalmente, por volta das 4h, iniciou-se o embarque. E ai foi um salve-se quem puder, sem essa de crianças e velhos na frente. Para mim foram quase doze horas de “tortura” até o destino final às 5h do dia seguinte em Florianópolis. Mas muita gente já estava há muito mais tempo esperando e ninguém queria perder o lugar, pois se previa uma disputa por assentos.
Com o tumulto, fomos observados de perto pelos policiais federais armados. Nessa hora, lembrei pela terceira vez do Lúcio Flávio. Da mistura de bandidos e policiais corruptos, ditadura, esquadrão da morte e na cara do policial truculento pronto para conter nossa agonia.
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