Os sussurros sobre uma possível manobra para livrar da cassação os deputados envolvidos no esquema financiado pelo empresário Marcos Valério Fernandes deixaram os corredores da Câmara e foram bater na presidência da Casa. Lá encontraram eco no presidente Severino Cavalcanti (PP-PE) para confirmar aquilo que até então se suspeitava: a versão de caixa dois assumida pelos protagonistas do escândalo deve salvar o mandato de boa parte dos 18 deputados citados nas investigações da CPI dos Correios.
Em entrevista publicada hoje pelo jornal Folha de S. Paulo , Severino defende a adoção de uma pena mais branda do que a cassação para os deputados que comprovarem o uso de recursos do esquema de Valério no pagamento de dívidas de campanhas eleitorais. Como alternativa - mesmo ressaltando que expressava apenas uma posição pessoal - o presidente da Câmara sugere punições leves, como a suspensão ou a advertência.
Na entrevista à Folha , Severino disse não acreditar na existência do mensalão e que a transferência de recursos do PT para o pagamento de dívidas eleitorais é "menos grave" do que o suposto pagamento em troca de apoio ao governo Lula no Congresso. De acordo com o presidente da Câmara, essa prática ocorreu apenas no governo Fernando Henrique Cardoso.
"O Ronivon (Santiago, deputado flagrado em uma conversa telefônica em que admitia vender o voto por R$ 200 mil) mesmo renunciou ao mandato quando o governo de Fernando Henrique Cardoso andou comprando deputado para aprovar a emenda da reeleição e eu pedi para ser inquirido na época do Sérgio Motta", afirmou. "Quem comprou foi o senhor Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações). Tenho essa convicção porque eles renunciaram ao mandato, e ninguém renuncia de graça", completou. Com as declarações, Severino compra briga com o PSDB, partido com o qual flertou após vencer a eleição este ano e que apoiou durante oito anos.
Honorários advocatícios
O deputado Ronivon Santiago (PP-AC), por sinal, é apontado pelo presidente da Câmara como beneficiário de R$ 700 mil dos R$ 850 mil sacados por João Cláudio Genu, assessor do líder do PP na Casa, José Janene (PR), das contas de Valério. O dinheiro, segundo Severino, teria sido usado para pagar honorários advocatícios do deputado acreano.
"A sociedade é a mesma"
Severino negou estar sofrendo pressão de deputados para evitar cassações e a existência de um "acordão" para salvar mandatos. Ele também não se demonstrou nem um pouco preocupado com a eventual repercussão negativa do abrandamento das punições para os parlamentares envolvidos nas denúncias. "Hugo Borghi (ex-deputado federal) fez as maiores falcatruas com algodão no tempo do Getúlio Vargas. Foi para as urnas e teve uma votação surpreendente. A sociedade é a mesma."
Processos retardados
Ontem o presidente da Câmara sinalizou que vai retardar os processos de cassação por quebra de decoro parlamentar que vierem a ser sugeridos pela CPI dos Correios. Por meio de nota divulgada à noite, ele informou que não vai encaminhar ao Conselho de Ética o pedido, a ser feito em parecer preliminar do relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).
"Apenas partidos políticos e a Mesa Diretora da Câmara (...) têm atribuição de subscrever representação por quebra de decoro (...). Nem comissões parlamentares de inquérito têm legitimidade para isso. Qualquer pedido nesse sentido feito por CPIs, se não for de autoria de partidos políticos, tem de ser subscrito pela Mesa Diretora para ser apreciado", sustenta a nota.
Cabeças a prêmio
Serraglio deve divulgar hoje um relatório preliminar, no qual pretende citar 18 deputados envolvidos de alguma maneira com o esquema assumido por Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Em seu parecer, pretende mostrar a consistência das provas contra cada acusado, de forma gradativa (leia mais). A previsão é de que o relatório preliminar seja votado na próxima quinta-feira.
Mensalão
O raciocínio de Serraglio acompanha o do presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), que discordou ontem da conclusão do relator do caso Jefferson no Conselho de Ética, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), de que não existe mensalão.
Segundo Delcídio, a distribuição dos recursos pode ter sido feita conforme o grau de lealdade dos deputados ao governo. No entendimento dele, o repasse não precisaria ocorrer todo mês para caracterizar o mensalão.
"Depende de migração partidária, de grandes votações...Tudo isso", disse o senador. "Eu, que tenho acesso aos dados detalhadamente, não posso afirmar isso (que não existe mensalão). Só vou poder afirmar isso quando cruzar todos os dados com as informações que faltam. Eu não faria essa afirmação", acrescentou. "E o mais importante: depende muito do que se caracteriza como mensalão. Se é um coisa periódica como está na cabeça de cada um ou se é um coisa episódica", completou.
Contra o caixa dois
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Velloso, anunciou ontem que uma comissão formada por "11 notáveis", conhecedores das legislações eleitoral e criminal, vai apresentar uma proposta ao Congresso Nacional para mudar a Lei Eleitoral, especialmente no que diz respeito a julgamentos e punições para os culpados.
"Encaminharemos ao Congresso a proposta dentro de uma ou duas semanas e, ao meu ver, a parte de condenações e penas poderá ser alterada sem a necessidade de respeitar o princípio da anuidade", afirmou. Em debate realizado na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Velloso afirmou que não é possível eliminar definitivamente a prática de caixa dois para o financiamento de campanhas eleitorais.