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MEIO AMBIENTE

As mudanças climáticas como violência contra as mulheres

A crise climática não é neutra: ela pesa mais sobre os corpos das mulheres negras, indígenas e periféricas.

Célia Xakriabá

Célia Xakriabá

1/6/2025 11:00

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As mudanças climáticas não são apenas uma crise ambiental - são também uma crise de gênero. E mais do que isso: são uma forma de violência estrutural contra os corpos-territórios das mulheres. Enquanto o mundo discute o aumento das temperaturas e o derretimento das geleiras, as vozes de quem sente o calor no corpo e na alma seguem sendo silenciadas. As mulheres, sobretudo as mais pobres, negras, indígenas e periféricas, são atingidas pelas chamas de uma crise que queima mais forte nas margens do mundo.

Quando o fogo arde no Cerrado e no Pantanal, quando as águas invadem as casas no Sul, ou quando a seca castiga o Caatinga, não são apenas fenômenos naturais - são expressões do patriarcado ambiental que sobrecarrega, adoece e mata. O aumento dos eventos extremos, como enchentes, chuvas, incêndios e secas, aprofunda desigualdades históricas e escancara novas formas de violência contra as mulheres.

Um dos impactos mais imediatos é o aumento da carga de trabalho. Em muitas comunidades, somos nós, mulheres, as que carregam baldes, panelas e filhos. Somos nós que buscamos a água, preparamos o alimento, sustentamos a vida. Com as secas prolongadas, esse trabalho se torna exaustivo. A ONU Mulheres (2023) mostra que há mulheres que chegam a caminhar seis horas por dia para conseguir água. No Nordeste brasileiro, essa realidade é ainda mais cruel, com meninas expostas à violência sexual em rotas isoladas, e mulheres desidratadas não só no corpo, mas também de direitos.

Secas, enchentes e queimadas agravam violências contra mulheres e territórios tradicionais.

Secas, enchentes e queimadas agravam violências contra mulheres e territórios tradicionais.Marcelo Camargo/Agência Brasil

A fome tem cor, gênero e território. Quando falta comida, são as mulheres que deixam de comer para alimentar os filhos. Segundo o Programa Mundial de Alimentos (2025), meninas em situação de fome têm 2,5 vezes mais chances de sofrer desnutrição do que meninos. E as que geram a vida - grávidas e lactantes - enfrentam o fantasma da morte por falta de nutrientes, por ausência de políticas, por abandono do Estado.

E quando a água chega em excesso, também é violenta. Nos abrigos após enchentes e furacões, a proteção das mulheres vira miragem. Assédios, estupros, medo. Após o furacão Katrina, nos Estados Unidos, os casos de violência sexual em abrigos aumentaram 45%. No Brasil, após as enchentes na Bahia em 2023, os relatos se repetem. Em tempos de fome extrema, em territórios onde tudo falta, até a infância é negociada: secas severas na Etiópia levaram ao aumento de 20% nos casamentos infantis. Isso é violência. Isso é colapso.

A saúde das mulheres também é impactada no compasso da destruição. Na Amazônia, a fumaça das queimadas - que para nós não é neblina, mas luto - aumenta em 30% os riscos de parto prematuro (IPAM, 2024). E as doenças tropicais que se espalham, sobretudo, com o aquecimento global recaem sobre os ombros de quem cuida, de quem cura: as mulheres.

As mulheres indígenas e quilombolas, em especial, enfrentam desafios gigantescos. Somos guardiãs dos saberes que curam a terra, protetoras dos territórios que alimentam o mundo. Mas também somos alvo. Segundo a CPT (2024), 60% das lideranças quilombolas ameaçadas por conflitos agrários são mulheres. E a Global Witness (2024) nos mostra que uma em cada três ambientalistas assassinadas no mundo é mulher. Quando mata uma de nós, tenta-se silenciar toda uma ancestralidade.

É por isso que defendo políticas que reconheçam e fortaleçam a centralidade das mulheres na construção da justiça climática. O Projeto de Lei 1530/2025, que institui o Fundo de Apoio à Produção Agrossilvipastoril, Extrativista e Artesanal (FUNAP-TRADICIONAIS), é uma dessas sementes que podem brotar em abundância nos territórios. Ele representa um passo fundamental para as mulheres indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais - aquelas que carregam nas mãos a cura da terra, nas sementes crioulas, nas fibras do artesanato, nas frutas nativas que alimentam. Ao financiar pesquisas, infraestrutura e comercialização de produtos sustentáveis, o fundo pode romper com a cerca do silêncio que nos exclui do crédito e dos mercados - hoje, apenas 10% dos financiamentos agrícolas no Brasil chegam a mulheres rurais (ANA, 2024). E que fique claro: não basta incluir as mulheres na ponta. É preciso estabelecer cotas de participação na gestão dos recursos e priorizar projetos que enfrentem a divisão sexual do trabalho. Porque fortalecer cooperativas de extrativistas na Amazônia ou grupos de mulheres que produzem agroecologia no Cerrado não é apenas fortalecer economia - é fortalecer território, cultura e resistência. É reafirmar que justiça climática e justiça de gênero caminham lado a lado.

Não existe justiça climática sem justiça de gênero. E não há futuro possível sem as vozes das mulheres sendo escutadas, sem os nossos corpos sendo respeitados, sem os nossos saberes sendo valorizados. Enquanto isso não for prioridade, as mudanças climáticas continuarão sendo mais uma face da violência contra nós.

A Mãe Terra sangra, e quando ela sangra, sangramos juntas. Mas também resistimos juntas. E nossa resistência é como raiz: invisível aos olhos, mas profunda, resiliente e viva.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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