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Representação política
4/12/2025 11:00
Ao longo dos meus oito mandatos parlamentares testemunhei muitas transformações na política brasileira. Uma delas foi a captura do debate político pelo interesse pouco explicitado dos algoritmos e seu potencial danoso para acirrar cada vez mais a polarização que tomou conta da vida nacional.
A tecnologia traz ganhos para a política, sem nenhuma dúvida, mas também a empobrece em sua essência operacional e conte
Os ecos das vozes incomparáveis de oradores notáveis da nossa República — entre eles Rui Barbosa, Pedro Aleixo, Afonso Arinos, Ulisses Guimarães, Pedro Simon, Mário Covas, entre tantos —, se perdem em meio à cacofonia dos vídeos gravados em plenário por deputados e senadores Tik-Tok, agora em permanente "contato direto" com o eleitor.
O celular virou o melhor palanque e a melhor tribuna. Trago da minha primeira eleição para vereador, em 1992, o contato olho no olho com o eleitor, a vivência e a proximidade ao lado das comunidades, o que permite entender suas carências, mas também a força dessa troca de experiências.
Grandes grupos do Congresso
Em sua configuração mais recente, o Congresso Nacional é formado por três categorias gerais de parlamentares, sem prejuízo das subdivisões nos diversos grupos de representação (evangélicos e católicos, agronegócio, funcionalismo público, identitários, sindicalistas, etc.).
O deputado influencer: Um desses macro recortes é o bloco dos deputados influencers, que normalmente têm pouco contato local e direto com lideranças e eleitores lá em suas bases. Atraem o voto por manifestações extremadas, quase sempre sem vínculo com os problemas reais do país. Respondem aos radicalismos que os levaram ao Congresso, com mensagens normalmente pensadas para propagar o ódio e a divisão do país em blocos de inimigos. Não há mais crítica ao oponente, há "lacração" como instrumento de eliminação do pensamento contrário.
O parlamentar-empresário: Compõe o segundo grupo. A terceirização da representação via financiamento político tradicional sai de cena. Cai a intermediação na defesa das pautas dos grandes grupos de interesse porque o empresário assume, ele mesmo, esse papel ao ocupar a cadeira congressual. Essa representação de nicho para setores bem específicos de atividade econômica é negativa para o interesse geral da população. O político empresarial vai às bases de quatro em quatro anos em busca da votação de que precisa para manter seus lobbies, sem muito conhecimento ou preocupação com as dores de quem o elege.
O deputado da proximidade: Por fim, há um terceiro segmento de representação que não pode abrir mão do contato direto e do olho no olho com lideranças e população. Para esse parlamentar, a comunicação online é importante, mas não é a única. O deputado da proximidade tem que gastar sola do sapato nas visitas semanais aos estados, além de abrir seu gabinete para uma extensão do trabalho político de centenas de vereadores, prefeitos e deputados estaduais. Essa é a política como ela é: real, sem os subterfúgios ideológicos e alheia ao barulho inócuo das redes sociais.
A ilusão da lacração
O algoritmo forma bolha, cria engajamento, mas não dá conta de resolver a sede ou a fome de comunidades isoladas nos rincões do Brasil ou as carências e o sofrimento do povo nas grandes periferias do nosso país. Nesse sentido, a busca quase insana pela melhor lacração no Congresso Nacional tem baixíssima efetividade.
A atual infantilização da política e a segregação da representatividade em bolhas não intercambiáveis têm feito muito mal ao país. A atuação parlamentar não é mais pautada pelas necessidades das bases geográficas ou mesmo por convicções ideológicas, mas pela pressão do engajamento a todo custo. O vídeo de 15 segundos aos berros em plenário vale mais do que um relatório de projeto técnico e embasado, para o qual ninguém dá bola — nem os próprios deputados.
O fato concreto é que, apesar dessa conexão inédita entre representante e representado, seus efeitos se mostram cada vez mais frágeis. Não se advoga aqui pelo retorno ao assembleísmo, mas fica cada vez mais patente que a política do algoritmo gerou uma sociedade de nichos inflados, incapaz do diálogo para a busca do consenso.
Além de implodir a mediação tradicional, a internet e as redes sociais incentivam as cenas lamentáveis que oradores insistem em repetir todos os dias nas diversas tribunas país afora.
Mundo real
Estamos em um momento particularmente importante aqui no Congresso Nacional. Em poucos momentos da nossa história os olhares da Nação se voltam para nossas Casas em apelo desesperado por soluções para demandas de segurança pública, educação e saúde, e a questão urgente dos efeitos da inteligência artificial não mais na precarização dos empregos, mas na sua eliminação pura e simples.
Não podemos mais seguir reféns da democracia do palco virtual, que abomina a conversa entre oponentes na busca pela resolução das demandas sociais e os caminhos para avanço do país. Menos algoritmo e mais espaço para a política na mediação de conflitos. Uma volta, enfim, ao mundo real, onde as guerras digitais têm pouco a oferecer.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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