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Gisele Agnelli

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Luciana Bauer

Luciana Bauer

25/8/2025 8:00

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Nos últimos dias, a capital dos Estados Unidos tem vivido uma cena que parece saída de um filme distópico: Washington sitiada por tropas federais e estaduais, sob a justificativa de conter uma violência urbana inexistente nos números oficiais. A narrativa de "banho de sangue" criada por Donald Trump é um exemplo acabado de crise fabricada, recurso clássico de líderes autoritários para ampliar poder e minar instituições.

Não se trata de Hollywood, mas da realidade da principal democracia liberal do Ocidente. Um presidente reescrevendo estatísticas, questionando a legitimidade da prefeita local e convocando governadores republicanos a enviarem suas próprias forças de segurança para a capital, como se o federalismo americano, concebido para conter abusos do Executivo, pudesse ser dobrado ao sabor da conveniência política.

O cenário completo revela algo maior: a democracia norte-americana, tida como modelo exportável, mostra hoje fragilidades institucionais que lembram mais repúblicas instáveis do que um sistema consolidado.

O autoritarismo raramente se impõe de forma explícita. Ele se infiltra pelas brechas. Ao lado da ocupação policial de Washington, Trump nomeou para o cargo de promotora-geral do Distrito de Columbia uma ex-apresentadora da Fox News, transformando o sistema de justiça em braço de propaganda. Essa fusão entre mídia partidária, Estado e aparato jurídico é captura institucional pura e simples: quando as engrenagens da democracia passam a servir ao projeto de poder pessoal.

O paralelo com o Brasil é inevitável. Nossa Constituição de 1988, nascida da experiência traumática da ditadura, dotou o país de mecanismos de defesa mais robustos do que a Carta norte-americana do século XVIII. Por isso, Jair Bolsonaro pode ser condenado pelo STF, enquanto Trump ainda caminha blindado por uma Suprema Corte paralisada ou conivente.

Como observou recentemente o cientista político Steven Levitsky em entrevista ao Roda Viva, "a democracia brasileira hoje se mostra 'mais saudável' do que a norte-americana". O motivo é simples: nossas instituições, sobretudo o STF, agiram para responsabilizar Jair Bolsonaro, enquanto nos Estados Unidos o Judiciário e o Congresso hesitam diante de Donald Trump. O contraste é eloquente, e desmonta a velha ideia de que Washington seria o farol democrático do mundo.

Uso político da violência fictícia e a captura institucional sinalizam riscos da democracia americana.

Uso político da violência fictícia e a captura institucional sinalizam riscos da democracia americana.Daniel Torok/Casa Branca

Mesmo em meio à inflação, à estagnação salarial e à precarização crescente, persiste nos EUA a lenda de que os republicanos seriam "melhores para a economia". O mito se sustenta na retórica do empresário bem-sucedido, enquanto famílias veem o preço da carne dobrar em poucos anos e jovens não conseguem sequer sonhar com a casa própria. Para compensar a frustração econômica, Trump aposta na retórica de "lei e ordem". A invasão de Washington, tal como a militarização da imigração via ICE, cria uma sensação de "restauração da autoridade", ainda que baseada em números forjados. É o mesmo mecanismo que regimes autoritários exploraram ao longo da história: fabricar inimigos internos para justificar repressão e se apresentar como solução.

A corrosão democrática americana não se explica sem olhar para a convergência entre desigualdade social e desinformação algorítmica. Desde os anos 1970, os salários estagnaram enquanto a riqueza dos mais ricos disparou. Esse abismo alimentou frustrações que foram capitalizadas por narrativas de ódio e teorias conspiratórias, amplificadas pelas redes sociais.

A incapacidade do sistema político de oferecer uma agenda real de redistribuição de renda (inclusive durante o governo Biden) abriu espaço para que a extrema-direita se apresentasse como porta-voz da "revolta popular". Ao mesmo tempo, big techs lucraram com a curadoria de conteúdos tóxicos e desinformativos, funcionando como catalisadoras e amplificadoras do autoritarismo. Não é tanto sobre os conteúdos "per se", mas muito mais sobre a amplitude que os conteúdos sensacionalistas alcançam numa sociedade sem nenhuma regulamentação de mídias sociais, como a estadunidense.

A ofensiva de Trump não é apenas doméstica. Ela se conecta a um redesenho internacional perigoso. Em sua relação ambígua com Putin, o presidente norte-americano acena tanto para a interrupção da guerra na Ucrânia quanto para o negócio da guerra: transformar doações em vendas de armas e disputar reservas de terras raras no Brasil e na própria Ucrânia. Nesse jogo, a retórica de "paz" se mistura à lógica do lucro bélico. O resultado é um mundo à beira de uma terceira guerra, não por inevitabilidade histórica, mas pela soma de líderes que instrumentalizam crises para ganhar fôlego político.

Washington transformou-se, diante de nossos olhos, em um laboratório autocrático. Uma crise fabricada, uma capital sitiada, instituições cooptadas, mitos econômicos reciclados e direitos em retrocesso. O roteiro é familiar, e deveria soar como alerta para o Brasil. Se até a democracia mais antiga do Ocidente pode ser corroída por dentro, nenhuma está imune. O que se desenrola em Washington é a prova de que a autocracia pode nascer do cotidiano, de um legislativo inoperante, de uma Suprema Corte omissa, de um partido de oposição completamente perdido e de uma população anestesiada demais para reagir.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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