Antonio Cruz/ABrQuem usar a máquina pública para fins eleitorais poderá pegar até cinco anos de prisão. Quem tiver enriquecido ilicitamente, também. E ainda poderá ter todos os bens confiscados. Se tiver utilizado laranjas então, a pena pode ser ampliada em até dois terços. A corrupção entre particulares poderá virar crime, assim como uma empresa também poderá ser responsabilizada penalmente se praticar atos ilícitos contra a administração pública. Estas e outras propostas poderão fazer parte do novo Código Penal se o Congresso Nacional aceitar a série de mudanças que estão sendo sugeridas por uma comissão especial de juristas criada pelo Senado.
Enriquecimento ilícito será considerado crimeOutros destaques de hoje no Congresso em FocoA intenção do grupo é modernizar e adequar o Código Penal brasileiro à nova situação política e social do país, assim como a novas condutas, como a difusão do uso da internet. A legislação em vigor é de 1942 e foi instituída pela ditadura de Getúlio Vargas. A partir daí, o código ganhou uma revisão em 1984 e a inclusão de diversas leis que foram modificando alguns pontos. O resultado, segundo o relator da comissão de juristas, o procurador regional da República, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, foi confusão e falta de unidade. "As inúmeras leis dificultam a compreensão sistêmica do Direito Penal", explica.
Formada por 15 juristas, dentre juízes, procuradores e advogados, a comissão foi instituída em outubro de 2011 e, desde então, tem se reunido semanalmente para discutir os novos aspectos do código. O texto está em fase final de discussão e votação. A intenção do grupo é entregar o anteprojeto do novo Código Penal ao presidente do Senado, José Sarney, no dia 27 de junho.
Calibragem das penas
Segundo Luiz Gonçalves, o maior desafio da comissão foi fazer uma calibragem das penas. Ou seja, adequá-las às gravidades dos crimes. Crimes menos ofensivos deverão ter as penas reduzidas e a aplicação de penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade. A comissão também buscou criar alternativas à reclusão no país.
Outra novidade importante é a tipificação de crimes que não eram previstos antes, como aqueles praticados na internet.
Presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, a comissão de juristas reúne-se nesta segunda-feira (11) para tratar do que devem ser os ajustes finais no anteprojeto. Na pauta, a discussão dos crimes patrimoniais e de responsabilidade praticados por prefeitos e vereadores. Os integrantes também devem tratar de crimes hediondos e militares. Esta deverá ser a última reunião do grupo antes de finalizar o texto que será entregue ao Senado.
Relator no Senado
Terminado o trabalho dos juristas, começará a discussão entre os parlamentares. Amanhã (12), os líderes partidários se encontrarão para decidir quem será o relator da proposta no Senado. O texto entregue pela comissão deverá ser transformado em um projeto de lei. Segundo o líder do PT, senador Walter Pinheiro (BA), não há ainda uma definição sobre quem assumirá a autoria do projeto e qual parlamentar será o relator da proposta. Ainda de acordo com o petista, depois de ser entregue à Casa, a tramitação do projeto só deverá ganhar fôlego depois das eleições municipais, que acontecem em outubro. "Vamos receber o anteprojeto quase no recesso parlamentar. Depois, acredito que será muito difícil discutir isso antes das eleições. São assuntos muito importantes e alguns até polêmicos, que precisam de debates, e isso não vai ser possível antes de outubro", afirmou o petista.
Assim que for acolhido pelo Senado, o projeto deverá ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ali, todos os projetos em tramitação no Congresso que propõem alterações ao Código Penal ou versem sobre a aplicação de penas e a tipificação penal serão apensados ao texto. Um dos exemplos é o projeto de lei 481/2011, que está na pauta da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) que inclui no Código Penal os crimes de constrangimento e de ameaça praticados nas redes sociais.
Depois de ser analisado pelo Senado, se aprovado, o texto seguirá para análise da Câmara dos Deputados. Caso sofra alterações, ele voltará para o Senado e só depois de novamente aprovado pelos senadores é que poderá seguir para sanção presidencial.
Em bloco ou separado?
Durante toda a discussão do novo Código Penal, pairou uma grande dúvida sobre como modernizá-lo. Alguns entendem que o texto, para que tenha unidade, tenha de ser discutido e aprovado como um bloco. Outros consideram que, por tratar de diversos temas diferentes, com especificidades diversas, ele devesse ser discutido separadamente. É isso que, entendem, faz com que o encontro de pontos polêmicos acabe atrasando a tramitação.
Para o relator na comissão, apesar dos pontos polêmicos que serão apresentados no texto, o Congresso Nacional deverá avançar na análise da proposta. "Eu sou um otimista, por isso eu acho que apesar das diferenças dos parlamentares, estas questões importantes deverão ser consideradas e amplamente debatidas. Não creio que o Congresso deixará a proposta de lado", disse.
O professor de Direito Penal da Universidade de Brasília, Evandro Piza, é um dos que defendem a tramitação separada dos vários pontos do código. Para ele, o projeto apresentado pela comissão de juristas deveria ser encarado como uma referência para debates futuros. "Ele deve ser encarado como um texto de referência e não algo que deve ser aprovado em bloco, na sua integralidade", diz. Para Evandro, o que deveria ser feito seria apenas uma reforma no texto do código e não alterações profundas, como a criminalização de algumas condutas.
Para o professor, o mais adequado seria discutir as propostas separadamente, englobando todas as especificidades inerentes a cada tema. "Há uma tentativa de incluir algumas matérias que já estão consolidadas em legislação especial e ao meu ver, lá devem ficar, pois englobam todas as especificidades que vão além da repressão", explica. Para o professor, temas como crimes de trânsito e o uso de drogas precisam ser debatidos separadamente. "Claro que existem matérias que devem continuar no Código Penal, porque elas constituem a base da legislação. Mas outros temas devem ser discutidos separadamente. Se você cria uma lei que parece muito fácil de ser aplicada, não se terá respostas para todos os casos e será uma lei que causará injustiças. Por isso que eu sou favorável a essa visão de fatiar o debate, e não de discutir tudo de uma vez como se está fazendo agora", diz.
Evandro também critica a falta de foco da comissão, que tratou de diversos assuntos. "Nós temos hoje cerca de 500 mil presos. Quase 90% deles estão envolvidos em crimes contra a propriedade ou tráfico de drogas. A gente fica discutindo se vamos criminalizar a eutanásia, por exemplo, mas não se discutem medidas efetivas para diminuir os crimes mais comuns ou quais seriam as melhores formas de punição", diz. Apesar da crítica, o professor considera que a comissão avançou na parte de crimes contra o patrimônio.
Evandro destaca ainda que a principal contribuição da comissão foi aprovar a criminalização do enriquecimento ilícito e da corrupção por agentes privados. "Ainda assim o que precisaria ser discutido é um marco regulatório contra a corrupção. Eu acho que essa deveria ser a grande novidade que o Congresso tem que apresentar à sociedade", explica.
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