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Congresso em Foco
7/5/2007 | Atualizado 8/5/2007 às 0:00
Prosseguindo a abordagem dos movimentos da geopolítica na atualidade, o filme Syriana, a Indústria do Petróleo, é um dos melhores feitos recentemente por Hollywood sobre o tema. E o que acabo de afirmar não é uma contradição nos termos, por mais que pareça, até porque ainda há vida inteligente no coração do Império que sabe ser uma necessidade a produção e a difusão de “produtos relativamente honestos” sob o risco de caírem mais cedo ou mais tarde – geralmente mais cedo – na irrelevância, no descrédito, no esquecimento duma contra-elite intelectual que ainda (também) persiste dentro e fora do Império.
Dirigido por Stephen Gaghan, roteirista do excelente Traffic, é protagonizado por George Clooney, no papel do mocinho nº 1, o agente da CIA que cai em desgraça por tentar fazer a coisa certa. Matt Damon, um mocinho meio secundário mas muito representativo dum ponto de vista, digamos, singelo (para usar o adjetivo que Thomas Mann aplica à Hans Castorp), é consultor financeiro do príncipe Nasir, o político progressista vivido pelo ator Alexander Siddig.
A respeito desse último, registro aqui uma observação puramente pessoal, mas suficientemente forte, de quando o vi anteriormente no papel do general cartaginês Aníbal, no filme homônimo produzido pela HBO, e a julgar pelos traços fisionômicos, Siddig me lembrou o presidente Lula, quer dizer, o mesmo fenótipo do sujeito moreno, meio belicoso, solitário, introvertido (aliás, o mesmo tipo do jovem árabe que, em Syriana, faz o homem-bomba), que se sabe que perderá ao fim e ao cabo (de Roma, no caso de Aníbal, das mega-corporações do Império Americano, no caso de Nasir), mas que, a despeito de tudo, deixará sua marca na História, enfim um papel que alguém tem que protagonizar em algum momento no jogo geopolítico.
Não deixa de ser intrigante tal figura aparecer e impregnar o imaginário coletivo, cinematográfico e político, isto é, tanto a ficção como a realidade. Em suma: que cara tem o sujeito coletivo que se opõe ao Império – Romano, Americano – cujo destino é reiteradamente tão trágico, tão nobre e tão inútil?
Voltando. Syriana tem como proposta mostrar de forma realista e políticamente engajada – sem deixar de ser complexa, meio confusa até – afinal, Gaghan não é tão bom quanto o outro Stephen, o Soderbergh – a podridão que envolve o mundo dos negócios de exploração e venda de petróleo no Oriente Médio. Segundo André Lux na Carta Maior, “qualquer um que algum dia acreditou na ladainha neoliberal sobre a suposta honestidade das corporações privadas frente à inerente corrupção do Estado, muito usada para difundir a tão propagada ‘necessidade’ das privatizações nas últimas décadas, terá que rever seus valores após assistir Syriana”, em artigo com o qual concordo bastante, por corresponder às minhas próprias impressões.
Um thriller político composto por histórias paralelas que convergem no final e que tem como trama central a disputa política entre dois irmãos num emirado árabe. Um deles é o playboy alienado e vendido ao sistema capitalista, que dissipa a fortuna da família com iates, drogas e mulheres, reinvestindo na miséria e subdesenvolvimento milenares do seu povo, enquanto o outro, príncipe Nasir, representa o líder progressista preocupado com questões sociais e nacionais – as duas pedras de tropeço da ortodoxia neoliberal.
Para mim, como para o articulista da Carta Maior, um dos aspectos mais relevantes do filme é a precisão cirúrgica (só de sacanagem, usando o mote deles mesmos da “guerra asséptica”, da qual o filme nos brinda com uma amostra, uma metonímia lapidar, na seqüência em que é detonada a bomba via satélite) na abordagem das interferências da CIA na região, em nome do governo norte-americano, garantindo a qualquer preço – seja tortura, seja morte, seja destruição de reputações, seja genocídio – que somente empresas ianques operem no Golfo Pérsico.
Deixando claro que meu objetivo aqui não é fazer crítica de cinema, apenas manifestar uma opinião favorável pelo modo convincente como são tratados os elementos da geopolítica atual em Syriana, destaco especialmente o jogo de cena das grandes corporações em algumas seqüências bastante reveladoras em virtude de franqueza, não, do descaramento, do desprezo do vencedor imperial perante, não só os perdedores, mas o resto da humanidade – presente, passada e futura.
A melhor delas traz a marca do discurso canalha-conservador do político representado magistralmente por Tim Blake Nelson (magistralmente porque o sujeito tem mesmo cara de repolho podre, sabem, dentes estragados, queixo arredio, caspas, prisão de ventre, tipo isso) que, ao ser flagrado em ato de corrupção pelo advogado duma empresa, declara: “Corrupção? Corrupção é a intrusão do governo no mercado na forma de regulação. Temos leis contra ela justamente para que possamos sair impunes. Corrupção é a nossa proteção! Corrupção nos mantém salvos e aquecidos! É graças à corrupção que você e eu viajamos o mundo ao invés de brigar nas ruas por um pedaço de carne! Corrupção é o motivo da nossa vitória!”.
Que vitória? A vitória global do capitalismo triunfante! De quebra, ele cita Milton Friedman, o pai da corrupção (pós-corrupção?), o mestre dos economistas ianques que nos anos 90 voaram para os países do Leste Europeu a fim de ensiná-los a construir uma ratoeira mais eficiente, “que ganhou o Prêmio Nobel“, etc.etc. etc, textualmente nas palavras, não minhas, mas do ator Tim Blake Nelson.
Contudo, outro crítico achou que “o filme não resiste ao cinismo, pois, para o diretor, o mundo das corporações é de tal modo corrupto que não há salvação. Pobreza, ambição, dinheiro, poder e tráfico de influência mostram suas faces como o pior dos mundos. Se tivesse mesmo essa visão, Gagham não teria feito este filme, mas um documentário-denúncia. Assim, cedeu aos estereótipos e cunhou personagens secundários caricatos, aparecem vilões e heróis, todos exagerados e um tanto ingênuos.” (Demetrius César, Cine Players)
Acho que eu e André não vimos o mesmo filme que nosso amigo retrocitado, que, sobretudo, me parece desiludido, chocado, puto mesmo, porque, em se tratando dum produto da Warner Brothers com direito a Oscar até para o cachorro do personal treiner do coadjuvante, com este filme suas mais caras ilusões corporativas neoliberais só podem ir para o brejo. A menos que Tim Blake Nelson represente algum tipo de pós-herói que me escapa à compreensão (uma estética pós-tesão?).