Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Congresso em Foco
16/5/2007 | Atualizado 21/5/2007 às 12:56
Tavares Dias*
Faz tempo que quero falar para as minhas leitoras e os meus leitores de um assunto bem importante.
É embaraçoso pra mim, já que se trata de falar de mim mesmo, de algumas qualidades minhas. Sabe como é.
Mas acontece que ganhei uns livros de auto-ajuda e tive de ler todos, porque me foram dados por uma pessoa com quem pretendo fazer bons negócios, e então entendi logo que precisava conhecer as obras e depois discuti-las com quem me deu o helênico presente. Uma forma, digamos, de amaciar o distinto (epa!), se é que vocês me entendem.
Pois bem, mas um dos tais livros me diz que a gente não deve esconder os próprios talentos, que é muito importante não ser como a pata, que bota um ovão e ninguém fica sabendo, enquanto que a galinha garnizé põe um ovinho assim e conta pro quintal inteiro. Então, lá vai.
Nem sempre fui esse cara assim apagado e encostado pelos cantos, vivendo na sombra. Já tive meus dias de intenso fulgor, já fui chuva grossa, já dei carta e joguei de mão.
Eram outros tempos, é verdade. Naquela época, eu, Tom e Vinicius ainda nem tínhamos composto Garota de Ipanema. Eu tampouco tinha começado a escrever Capitães de areia, nem Jubiabá, nem Mar morto, pra receber aquela miséria que o Jorjão me pagou. Eram tempos bicudos. Eu me lascando numa Lexikon 80 de carro grande, no calor de Salvador, o Jorjão na rede, ouvindo Caymmi, e Zélia dando pitaco em tudo. Mas sobrevivi.
Isso foi, na verdade, muito antes de eu formar na Seleção Brasileira aquele meio-de-campo com o Zico e o Falcão. Tinha tudo pra dar certo, mas nunca vi bicho invejoso que nem boleiro. Carreguei o time nas costas mais de cinco anos, ensinei uma porrada de coisas, e o que ganhei? Fim de jogo, eles ali, saindo de campo devagar, fingindo cansaço, meia arriada, querendo atrair a atenção de algum jornalista, e a turma toda em volta de mim, repórter quase saindo na porrada, que os editores todos queriam exclusiva comigo, era talkshow daqui, enquete dali, um inferno. Acabei me irritando com eles e pulei fora. Resultado? Paolo Rossi 3, Brasil 2, a tragédia do Sarriá, em 82. Paciência. Os caras têm de saber que não podem ter tudo. Não comigo, pelo menos.
Mas tem gente boa no meio também, é forçoso admitir. Foi só pela consideração que eu tenho com o Ariano Suassuna, meu parceiro em O auto da compadecida, que eu não botei no pau o Chico e o Caetano, por causa de duas obras minhas que nem são das melhores mas que, pombas, os caras não tinham o direito de pegar pra eles: Construção e Trem das cores. E aí, pra não ser justo com uns e injusto com outros, livrei a cara também do João Bosco e do Aldir, por causa de O bêbado e o equilibrista, Kid Cavaquinho e De frente pro crime. Questão de isonomia.
As coisas só melhoraram um pouco depois que conheci Dias Gomes, aliás apresentado pelo Jorge Amado. Verdade que pelo texto de O pagador de promessas eu recebi uma merrequinha assim, pequenininha que nem língua de mosquito, mas pela novela e pelos especiais de O bem amado a coisa já começou a render, em dinheiro e em mulher.
Quando rende em mulher, não precisa nem jurar, também rende sempre confusão, porque elas são seres de auto-estima muito fragilizada e por isso muito exclusivistas, ciumentas e temperamentais. Pra dizer a verdade, foi duro evitar que chegasse à mídia a ginástica que eu fazia pra enganar a Sonia Braga e a Vera Fisher pelos corredores da Globo, em meio a paparazzi e colunistas sensacionalistas, mas consegui. Não me perguntem como.
Essas coisas cansam um pouco a gente, mas, acreditem, dão maturidade e equilíbrio. No meu caso, também foi pela mão de gente amiga que consegui a boquinha de escrever, pro Spielberg, os roteiros de E.T. e de O parque dos dinossauros, justamente quando a patroa já tava me apertando por causa de um tal sítio que eu prometia e não comprava nunca, e que é onde moramos hoje. Não posso dizer onde, é claro, por razões que vocês hão de compreender. Meus vizinhos pensam que sou aposentado da magistratura e me chamam de tubarão. Pelas costas, é lógico, porque se borram de medo de eu mandar a polícia dar um baculejo neles.
Muitas dessas coisas eu já valorizei muito, até um tempo atrás, mas hoje tenho de reconhecer que são apenas ilusões. Não tem nada que pague a privacidade, o sossego, o direito de escrever só alguns pequenos textos por semana, fazer um sambinha de vez em quando, lançar um livrinho a cada dois anos.
Então, se hoje estou fazendo esse desabafo, ousando quebrar o meu anonimato e me expor à inevitável avalanche de pedidos de entrevistas que me aguarda a partir de amanhã, é apenas por acreditar que é dever de um escritor bem-sucedido compartilhar sua experiência, principalmente num país como o nosso, que tem tantos leitores, que trata seus escritores com tanto respeito e tanta dignidade.
Espero de verdade ter contribuído para aumentar a esperança de tantos jovens que sonham produzir roteiros de novelas, de biguibródis, de filmes pornô, de auto-ajuda, de programas dominicais de auditório para a TV aberta.
Mas que ninguém se engane: se hoje já não sou chuva grossa, mas apenas sereno da madrugada, não pensem, contudo, que afrouxei a têmpera, nem a pegada, nem o punch, nem que perdi o feeling.
Dia desses, pela necessidade de atender um cliente afoito, estive numa solenidade em Palácio, em Brasília. Pois o Lula me procurava com o olhar o tempo inteiro, carentão, doido por uma reaproximação. E eu lá, na minha, fingindo de morto. Na hora de vir embora, passei em frente à mesa, dei um alô pro Zé Alencar, meu velho e fiel sócio na indústria têxtil (“Saúde, malandro”) e nem tchuns pro Lula. Detesto malufistas.
Como diz Jorge Aragão, num samba que todo mundo pensa que é dele mas é meu: “Quem foi que falou que eu não sou um moleque atrevido? Ganhei minha fama de bamba num samba de roda.”
Vai encarar, ô?
*Tavares Dias, 55 anos, é jornalista, escritor, compositor e professor. Mineiro, trabalhou em diversas redações do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Espírito Santo. É o parceiro musical mais freqüente do cantor e compositor mineiro Zé Geraldo. Em maio, lançará seu quinto livro, No reino de Pedro Félix (contos).
Tags
LEIA MAIS
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Comissão aprova aposentadoria especial para supervisores pedagógicos
ESQUEMA DE ESPIONAGEM
ESQUEMA DE ESPIONAGEM
De Moraes a Cláudio Castro: a lista dos monitorados pela Abin paralela
PRÊMIO CONGRESSO EM FOCO