VEJA
Futuro senador usou doméstica como laranja
Dizem que os lobos enxergam coisas que escapam ao olhar dos seres humanos. O senador Edison Lobão, do PMDB do Maranhão, já tingiu os cabelos e comprou ternos novos para sua posse no Ministério de Minas e Energia. Edison Lobão Filho, suplente do senador, também reforçou o guarda-roupa para assumir a cadeira do pai em Brasília. Lobão pai está na política há trinta anos, nunca se envolveu em escândalos e escolheu sempre estar alinhado com os governos, sejam quais forem. Lobão Filho é um estreante. É experiente e astuto como o pai, mas suas habilidades mais conhecidas, por enquanto, concentram-se no mundo dos negócios. Nesse campo ele, sem dúvida, enxerga longe. Em 1999, antes de se candidatar à suplência do pai, Lobão Filho foi advertido de que não era recomendável migrar para o mundo político com dívidas milionárias em bancos públicos e impostos atrasados. Dono de uma distribuidora de bebidas, ele resolveu o problema transferindo suas cotas na empresa para outra pessoa – mais precisamente, para uma empregada doméstica, que só descobriu que tinha se transformado em empresária endividada e sonegadora de impostos quando a polícia e a Receita Federal bateram à sua porta. Para fugir das dívidas e limpar o nome, o futuro senador lobinho usou a doméstica como laranja.
Há dois anos, Maria Lúcia Martins, a doméstica, tomou um susto quando foi intimada a prestar esclarecimentos sobre sua vida empresarial. Só a bancos, a empresa dela devia 5,5 milhões de reais. Ela se viu confrontada com extratos de suas contas que revelavam uma intensa e milionária movimentação bancária. Tudo em seu nome. Suas declarações de renda também confirmavam que, embora endividada, ela era uma empresária atuante. "Fiquei muito assustada, moço", disse a VEJA Maria Lúcia, uma cearense de 40 anos, que trabalha em São Luís, no Maranhão. "Só depois é que fui entender que o negócio não era comigo." Não era mesmo. Maria Lúcia ganha 380 reais por mês, não tem conta bancária e nunca declarou imposto de renda. As investigações feitas pela Receita mostraram que ela foi usada para ocultar uma série de transações irregulares feitas pelos verdadeiros donos da empresa, entre eles o futuro senador Edison Lobão Filho – que desde então é investigado por sonegação fiscal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e estelionato.
Procurado por VEJA, o futuro senador admitiu tranqüilamente o ardil. Mostrou-se até arrependido por ter usado a doméstica para se esconder da Receita e da Polícia Federal. "Se eu pudesse voltar atrás, diria para não botar minha participação por meio de laranjas", diz.
O blefe da turma de sempre
Para aprovar o pacote de aumento de impostos e compensar os 40 bilhões de reais que deixarão de ser arrecadados com o fim da CPMF, o governo anunciou que pretendia cortar despesas e elegeu as bilionárias emendas parlamentares como um dos primeiros alvos da tesoura oficial. A promessa durou pouco mais de uma semana. A turma de sempre – senadores e deputados da base aliada – se apressou em lembrar que, para aprovar o aumento dos impostos, o governo vai precisar de votos, e os congressistas poderiam ficar muito irritados e até rebeldes se houvesse algum atraso na liberação do dinheiro reservado para atender a seus interesses políticos. Aliás, a turma de sempre lembrou também que uma parte dos congressistas já estava bastante insatisfeita com a demora do governo em preencher cargos na máquina federal. O blefe surtiu efeito. Não haverá mais cortes radicais de emendas e, para tapar o buraco que continua aberto, já se discute até a recriação da CPMF. Em nome da aprovação do pacote de impostos, como se previa, o governo vai aos poucos abrindo mão de cortar as despesas. Ao assumir compromissos com a turma de sempre, o governo topa um jogo cujo resultado pode até ser uma vitória contábil, mas será, sem dúvida, um retrocesso político.
Na semana passada, o resultado mais visível desses acertos foi a confirmação do senador Edison Lobão, do PMDB do Maranhão, para o Ministério de Minas e Energia, um afago à turma ligada ao senador José Sarney. Desde que a Polícia Federal passou a navalha no ministério, há oito meses, cortando a cabeça de um grupo de altos funcionários envolvidos em corrupção, o PMDB aguarda o sinal verde para recolocar seus prepostos nos cargos. Lobão, leigo no campo da energia, assume o posto por suas habilidades e conexões políticas. Além de voltar a comandar um ministério de alto poder gastador, o PMDB conseguiu garantir outros quinze cargos estratégicos. O deputado
Jader Barbalho, que chegou a ser preso por desviar dinheiro da velha Sudam, emplacou um afilhado, adivinha onde? Ora, na direção da nova Sudam. O indefectível
Renan Calheiros, aquele que renunciou à presidência do Senado em troca da preservação do mandato, mostra que ainda é influente nos bastidores. Ele quer nomear toda a direção da nova Sudene. Afinal, qual a diferença entre as velhas e novas Sudam e Sudene? A diferença é que as velhas acabaram em escândalo e as novas ainda não. Ainda.
O efeito Tuma
Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça é uma das raras repartições do governo que funcionam com eficiência. Criado em 2004, o DRCI tornou-se responsável, entre outras coisas, por caçar e bloquear contas secretas dos corruptos brasileiros no exterior. Apesar de ser oficialmente subordinada ao ministro da Justiça, a equipe de quarenta peritos do departamento – todos sem filiação partidária – desfrutou de plena independência para cumprir essa delicada missão. Agora, essa ilha de excelência está ameaçada. No decorrer das duas últimas semanas, a diretora do DRCI e sua principal auxiliar pediram demissão. Saíram caladas, alegando apenas "motivos pessoais". Na realidade, saíram por outros motivos: o novo secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, vinha tentando interferir politicamente nas decisões do departamento.
Tuma Júnior é delegado de polícia, mas sua principal credencial é ser filho do senador Romeu Tuma. Ele está no posto desde setembro passado. Faturou o cargo como prêmio pela adesão do pai à base do governo. O choque entre ele e a equipe técnica começou logo depois de sua posse. Já na primeira reunião com o grupo, segundo o relato de dois dos participantes, Júnior disse a que viera: "Eu quero saber de todos os casos que envolverem políticos, para poder cobrar a fatura depois". Ele não explicou a qual fatura se referia nem como ela seria cobrada, mas os funcionários do departamento preferiram não correr riscos e passaram a esconder do chefe o inteiro conteúdo dos casos sob investigação, todos eles de alta octanagem.
ÉPOCA
Curto-circuito no ministério
Menos de um ano depois da operação Navalha da Polícia Federal – escândalo que provocou a demissão de Silas Rondeau do Ministério de Minas e Energia –, os interesses da família do ex-presidente José Sarney no setor elétrico estatal estão gerando um curto-circuito político em Brasília. Na divisão do poder entre os aliados do presidente Lula, o ministério está na cota da bancada do PMDB do Senado, ou seja, de José Sarney. Mas ele é chefiado há nove meses pelo interino Nelson Hubner, ligado ao PT. O PMDB esperava receber o posto de volta na semana passada, mas três fios desencapados ameaçam eletrocutar a operação.
O primeiro fio solto é o nome indicado por Sarney para o cargo: o senador Edison Lobão (PMDB-MA). Sem nenhuma experiência no ramo, torná-lo ministro seria um mau sinal no momento em que a incerteza volta a rondar o abastecimento de energia (leia mais à página 38). O segundo fio perigoso é o suplente do senador, seu filho Edson Lobão Filho, conhecido como Edinho. Se o pai virar ministro, Edinho irá para o Senado levando um rosário de investigações e suspeitas, quando a casa ainda não se recuperou do processo contra
Renan Calheiros (PMDB-AL). O terceiro cabo, de mais alta voltagem, são as investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal sobre os negócios do empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente e eminência parda do setor elétrico.
Desde novembro de 2006, Fernando, o administrador dos negócios da família Sarney no Maranhão, está sob investigação da PF e do Ministério Público Federal. O ponto de partida foi um comunicado do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda ao Ministério Público sobre movimentações atípicas, num total de R$ 3 milhões, em contas bancárias controladas por Fernando Sarney. No fim do ano passado, a família Sarney descobriu que os telefones de Fernando estavam grampeados pela PF. Amigos de Sarney contam que o ex-presidente ficou transtornado com a informação.
Governo nega, mas o risco de faltar energia no país está de volta
A história é recente, mas muita gente já se esqueceu. Em 2001, a falta de chuvas secou os reservatórios das usinas hidrelétricas. Elas passaram a produzir menos e havia risco de faltar energia. O governo agiu tarde demais e, por isso, teve de racionar energia para evitar um colapso. Agora, a história ensaia se repetir. Na semana passada, Jerson Kelman, presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), alertou que, devido à falta de chuvas, não é impossível haver racionamento de energia neste ano. O ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, se apressou em desmentir Kelman e afastar o risco de apagão. Mas, em seguida, anunciou medidas preventivas. O governo vai colocar para funcionar seis termelétricas a óleo, deve acabar de construir, até fevereiro, o gasoduto Caiubi–Vitória, que transporta gás da bacia do Espírito Santo, e a Petrobras vai substituir o uso de gás natural em suas usinas por óleo. “Não acredito em risco de apagão para este ano”, diz Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas é fundamental adotar medidas para que residências e empresas poupem energia, pois o nível dos reservatórios é preocupante e a situação pode piorar.”
As aflições da governadora
Yeda Crusius chega à sala dos es pelhos, na ala residencial do Palácio Piratini, cumprimenta os presentes e arruma a poltrona modelo Luís XV para o repórter se sentar. A agilidade e a sandália de salto alto escamoteiam a dor na perna direita, provocada por uma bursite que persegue a governadora do Rio Grande do Sul nas últimas semanas. Ex-jogadora de vôlei na juventude, a tucana Yeda não tem encontrado tempo para jogar desde que assumiu o governo gaúcho, há um ano. O corpo sente a falta de exercícios, mas a economista de 63 anos não quer dar sinais de sofrimento. “Tivemos um ano esplêndido”, diz, de frente para um enorme espelho de cristal.
O entusiasmo parece exagerado. Há 12 meses, a tucana Yeda paga os pecados à frente do Estado com a pior situação financeira do país. Tem dificuldades até para pagar salários em dia. Eleita com a promessa de colocar as contas em ordem, ela perdeu todo o apoio quando começou a agir. Os deputados estaduais dos partidos de sua base de apoio se juntaram à oposição e rejeitaram dois pacotes seus com medidas para sanear as finanças. Diante das propostas de Yeda, como aumento de impostos, congelamento de salários de funcionários públicos e cortes de gastos, até o vice-governador, Paulo Feijó (DEM), aliou-se ao adversário PT. Sem saída, Yeda reduziu as despesas em R$ 1,2 bilhão cortando cargos e gastos com viagens e não investiu praticamente nada. O aperto rendeu a ela a mais alta taxa de desaprovação entre os s governadores dos dez maiores Estados do país, segundo pesquisa do Datafolha. Entre os políticos, Yeda tem um dos piores empregos do Brasil.