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Congresso em Foco
25/3/2008 | Atualizado 26/3/2008 às 3:05
Rudolfo Lago*
É clássica a história de Garrincha com o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola. Como minha especialidade não é exatamente o futebol, posso errar o momento, o jogo e o adversário. Mas parece que foi antes do jogo contra a União Soviética, na Copa de 58. O fato é que Feola fazia uma longa e complicadíssima preleção sobre como o time deveria fazer para parar o adversário, para avançar sobre sua defesa, para chegar ao gol e vencer a partida. Ao final, Garrinha, com sua costumeira singeleza, soltou a pergunta óbvia: “Tudo muito bonito, seu Feola. Mas o senhor já combinou isso tudo aí com o adversário”?
A famosa frase de Garrincha vem à lembrança após a decisão tomada anteontem pela Executiva Nacional do PT. A priori, não há veto algum a que o partido faça uma aliança local com seus adversários no plano nacional, notadamente PSDB e DEM. Mas as associações terão de ter o aval da direção nacional. E onde o PT sentir que a aliança esconde por trás algum movimento que interfira nos planos do partido para a sucessão do presidente Lula em 2010, a união pode ser vetada.
É uma decisão que vale para todo mundo, mas que foi tomada tendo em vista um único destino certo: Belo Horizonte e a aliança com o PSDB do governador Aécio Neves para eleger seu secretário Márcio Lacerda, do PSB. Aprovada a aliança, Aécio moverá a sua primeira peça importante no xadrez que montou para tentar chegar a presidente da República em 2010. O problema de Aécio é que o PT também percebeu o seu jogo. E pode reagir a ele. É a história de Garrincha.
Não que tudo o que Aécio idealizou tenha ido por terra com essa simples decisão tomada pela Executiva do PT. O que há de impressionante para quem gosta de política no xadrez montado por Aécio é a sua sofisticação e complexidade. Aécio move ao mesmo tempo uma diversidade de peças. Estabelece pontos de contatos numa série de partidos. Tem plano A, plano B, plano C, plano D ... Do modo como joga, fará com que, qualquer que seja o resultado final de seus movimentos, a eleição de 2010 passe necessariamente por ele.
Há formas diversas de se jogar o jogo da política. Há políticos, como Lula, que preferem o contato direto com o povo. São mestres no corpo-a-corpo. Imbatíveis no efeito que provocam ao falar à população. Seus palcos são os comícios, as assembléias, as inaugurações ao ar livre. Há outros que buscam trabalhar na linha racional do que propõem para as suas administrações, para o amadurecimento das idéias e propostas que passaram a vida estudando. José Serra pode ser enquadrado aí.
Há os que apostam na ousadia e na surpresa que permita grandes realizações que deixem a sua marca para sempre, como Juscelino Kubitschek e Brasília. E há aqueles que são especialistas no jogo da política pequena, dos acertos entre engravatados, nas salas refrigeradas dos palácios e sedes dos partidos políticos. Na capacidade de composição, de conciliação de interesses, na formação dos conchavos e alianças. Ninguém no Brasil foi melhor nisso que Tancredo Neves. E ninguém hoje é melhor discípulo de Tancredo que seu neto Aécio Neves.
O jogo ideal de Aécio passeia por uma constatação que é hoje consenso no meio político. A polarização PT X PSDB tornou-se um problema político sério pelas suas características. Não se trata de uma polarização ideológica. Os dois partidos não têm grandes diferenças quanto à forma como pensam a tarefa de administrar o país. Como não há praticamente debate algum nesse aspecto, a disputa partiu para um complicado campo moral. Um campo onde nenhum dos dois partidos consegue mais apresentar-se como vestal pura, numa linha do “eu faço, mas fulano fazia mais feio do que eu”. Onde cada uma das duas matronas, já com a pureza completamente perdida, empenha-se em desnudar a outra, a explicitar suas vergonhas. E fica o país assistindo a esse constrangedor show de pornografia política, cada vez mais descrente nos políticos e nas suas instituições.
Aécio apresenta-se como alguém capaz de superar essa polarização. Prega que ela só existe na raiz paulista da fundação dos dois partidos. É em São Paulo que PT e PSDB não conseguem coabitar. Esse problema não existe em Minas nem nos outros Estados. Belo Horizonte seria o embrião de uma nova etapa que poderia desaguar em 2010 numa coalizão de centro-esquerda, com Aécio à frente. O PSDB se aliaria ao PT, aos seus aliados tradicionais de esquerda (PSB e PCdoB) e ao PMDB.
Como há um campo ideológico em comum no qual esses partidos podem transitar, Aécio acredita que poderia dispensar a ajuda dos partidos fisiológicos de ocasião, tipo PTB e PR, e fugir do toma-lá-dá-cá. Como nesse campo não cabe o DEM – ele tem pontos de contato à direita com o PSDB e o PMDB, mas não tem identificação alguma com os partidos de esquerda –, é assim que vai se esfarelando a aliança entre os dois partidos de oposição. O DEM não cabe no jogo de Aécio, e Aécio estimula o afastamento entre o DEM e o PSDB.
Resumido acima, eis aí o Plano A de Aécio. Como demonstrou o PT na reunião da Executiva, ele dar certo não depende apenas de Aécio. Mas como ele implica ações de contato com vários partidos e agentes políticos, é assim que Aécio vai se tornando uma referência fundamental para a eleição de 2010, mesmo que, ao final, ele não consiga tornar-se candidato.
Primeiro, obviamente, passará por ele a decisão de quem será candidato pelo PSDB. E, então, passará por ele a posição que será tomada pelo DEM: com Serra, os democratas serão aliados, com ele, não. Se Aécio deixar o PSDB e for para o PMDB, o que parece ser seu Plano B, a peça peemedebista se moverá de um jeito. Se ele não for, vai se mover de outro. Se for concretizada a aliança com o PT em Belo Horizonte para eleger um candidato do PSB, ficará estabelecido um compromisso com os socialistas. Que irá determinar que movimento fará o deputado Ciro Gomes. Vice de Aécio? Segunda opção da base governista como candidato à Presidência?
E, finalmente, chega-se ao próprio PT. O partido tem a força do governo Lula a seu favor, mas nenhum candidato forte no páreo. A primeira a ser testada, Dilma Rousseff, patina. A mãe do PAC não conseguiu empolgar sequer a sua base eleitoral no Rio Grande do Sul – perdeu na disputa local que estabeleceu a deputada Maria do Rosário como candidata à prefeitura de Porto Alegre. Não sendo Dilma, quem parece ter condições de entrar na disputa? Essa falta de candidatos pode empolgar Lula a encampar o discurso de Aécio do início de uma nova etapa política que supere a polarização PT X PSDB? Isso vai depender do cálculo que Lula fará quanto ao melhor cenário para levá-lo de volta ao poder em 2014. Mas aí já é assunto para um outro comentário.
* Jornalista há 21 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ.
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