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Congresso em Foco
4/10/2015 | Atualizado às 10:04
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Se Juscelino Kubitschek não tivesse embarcado num Boeing 707 da Air France rumo ao Rio de Janeiro na noite de 4 de outubro de 1965, talvez um dos maiores partidos do Brasil de hoje não se chamasse PMDB. Para entender a relação entre dois fatos aparentemente tão incongruentes, é preciso conhecer uma história que neste mês completa 50 anos: a do Ato Institucional nº 2, que extinguiu os antigos partidos políticos brasileiros, substituindo-os por apenas dois: a Arena e o MDB.
As duas principais unidades da Federação em jogo na eleição eram Minas Gerais e Guanabara, governadas, respectivamente, por Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, os dois maiores líderes civis do golpe e pré-candidatos da UDN à Presidência. A vitória de seus candidatos (Roberto Rezende, em Minas, e Carlos Flexa Ribeiro, na Guanabara) era vista como crucial para a "obra revolucionária".
Aí entra Juscelino na história. Cassado em 1964, o ex-presidente estava vivendo em Paris, num exílio voluntário. À distância, JK indicou os candidatos do PSD em Minas e na Guanabara: em Minas, o empresário Sebastião Paes de Almeida, seu ex-ministro da Fazenda; na Guanabara, o marechal Henrique Teixeira Lott, líder da "esquerda" nas Forças Armadas e ex-candidato de Juscelino à Presidência em 1960 (derrotado por Jânio Quadros).
Temendo a vitória dos candidatos de JK, o regime agiu para inviabilizá-los. Pressionou o Tribunal Superior Eleitoral a impugnar as duas candidaturas - a de Paes de Almeida, sob pretexto de abuso de poder econômico numa eleição anterior, para a Câmara; e a de Lott, sob o argumento de que seu domicílio eleitoral era Teresópolis, no estado do Rio, ou seja, fora do território da Guanabara.
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Uma pasta com folhas amareladas em bom estado de conservação, no acervo do Arquivo do Senado, testemunha um dos últimos esforços do Congresso para conter a escalada autoritária do regime, nos dias que antecederam a imposição do segundo ato institucional (AI). A pasta guarda os documentos da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/1965, que, com algumas alterações e sem ser votada pelo Parlamento, seria o embrião do AI-2.
Após a derrota da UDN nas urnas, a situação política deteriorou-se rapidamente. "Parte considerável das Forças Armadas perde a confiança na eficácia dos meios legais para conduzir a revolução aos seus objetivos", noticiou em linguagem hermética o Jornal do Brasil em 8 de outubro de 1965. Traduzindo: a linha dura queria a ditadura. O próprio Castello Branco estava sob a ameaça de um "golpe dentro do golpe".
O fosso entre os líderes militares e civis de 1964 se aprofundou. O resultado das eleições em Minas e na Guanabara suscitava a possibilidade de uma vitória da oposição no pleito presidencial marcado para 1966, mesmo com Juscelino cassado e impedido de se candidatar. Carlos Lacerda pôs lenha na fogueira ao dizer que "a revolução acabou". Milton Campos, ministro da Justiça de Castello Branco, pediu demissão - mais um sinal de que se tornava insustentável a situação dos defensores da legalidade.
Castello informou ao senador Filinto Müller (PSD-MT) que pediria a aprovação de medidas de exceção. Elas se traduziram na PEC 5/1965, enviada ao Congresso em 13 de outubro.
[caption id="attachment_213092" align="alignright" width="348" caption="Do arquivo do Senado, a mensagem de Castello Branco ao Congresso Nacional"]
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A votação da PEC foi marcada para o dia 26. Substitutivos apresentados por parlamentares, sobretudo do PSD (partido de Juscelino), tentavam edulcorar algumas das medidas mais duras. O senador Josaphat Marinho (sem partido-BA) tentou manter a prerrogativa do Judiciário de rever cassações de governadores e prefeitos. Na pasta conservada no Arquivo do Senado, acumulam-se as assinaturas apressadas de parlamentares, em folhas de papel almaço.
No dia marcado para a votação, o governo não contava com o número de votos necessário para aprovar a PEC. Sabia-se que, não sendo atendido, Castello editaria um ato institucional. A discussão em sessão conjunta começou às 21h, com as galerias lotadas. Um dos senadores mais combativos da época, Arthur Virgílio (PTB-AM) - pai do ex-senador e atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto -, alertou:
"Um Congresso sem autonomia, que amanhã poderá estar sob um outro ato institucional e ter vários de seus membros cassados, este Congresso é que não se agacha? Este Congresso que tem cedido tudo sob pressão. Que nos fechem hoje, mas com o povo que nos assiste ao nosso lado; e não nos fechem amanhã, senhor presidente, ingloriamente, com o aplauso do povo brasileiro, como aconteceu em 1937, na implantação do Estado Novo."
Para evitar a derrota, o governo passou a fazer obstrução. A sessão se estendeu até as 4h50, na madrugada, quando já não havia número regimental.
Foi convocada uma sessão ordinária para as 14h30 do mesmo dia. Ao ser aberta, porém, já não havia PEC a ser votada. Às 11h15, no Palácio do Planalto, o ministro Luís Viana Filho, da Casa Civil, iniciou a leitura do ato, que Castelo assinaria 15 minutos depois. O Congresso só voltaria a funcionar em 3 de novembro. Arena e MDB ainda não existiam, mas UDN, PSD e PTB já eram coisa do passado.
O AI-2 não se limitou a extinguir os partidos pré-65. Em seus 33 artigos, removia uma série de dispositivos da Constituição de 1946 que ainda preservavam um arremedo de democracia. O ato reduziu os poderes do Parlamento, ao implantar o "decurso de prazo" para as emendas à Constituição apresentadas pelo presidente da República. Se uma emenda não fosse apreciada em 45 dias pela Câmara e em outros tantos pelo Senado, estava automaticamente aprovada. O número de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou de 11 para 16, o que permitiu compor uma maioria de juízes alinhada com o regime.
Na definição da historiadora Emília Viotti da Costa, "o AI-2 institucionalizava o arbítrio sob a fachada de legalidade". Era mais um passo na direção do fechamento do regime, que culminaria no AI-5, em 1968.
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David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), contou à reportagem detalhes hoje quase esquecidos daquele período e que ajudam a entender as sutilezas da política da época - por exemplo, por que não se adotou o voto distrital no Brasil com o bipartidarismo imposto pelo AI-2. Outros trechos da entrevista podem ser vistos num vídeo do Portal do Senado.
Na época, houve quem afirmasse que não havia muito a lamentar, porque os partidos tradicionais já não tinham credibilidade. O senhor concorda?
Mais ou menos. Antonio Lavareda [cientista político] fez sua pesquisa de doutorado usando dados dos acervos empoeirados do Ibope, no Rio de Janeiro, de pesquisas de opinião do final dos anos 50 e do início dos 60 mostrando que grande parte do eleitorado tinha afinidade com o PTB e outra parte com a UDN e o PSD. Mostrou que o eleitorado tinha certo vínculo com esses três partidos. Após a intervenção militar e o ato institucional, com as cassações e o que aconteceu em 64 e no início de 65, o sistema partidário entrou um pouco em descrédito. Mas dizer, no geral, que todo o sistema partidário estava desacreditado, não foi bem assim, não.
É verdade que antes do bipartidarismo já havia dois grandes blocos no Congresso, precursores da Arena e do MDB?
Sim. Desde o fim dos anos 50 e o início dos anos 60, havia dois blocos suprapartidários dentro do Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados: a ADP, Ação Democrática Parlamentar, mais à direita, e a Frente Parlamentar Nacionalista, mais à esquerda, que tinha mais deputados. Esses dois blocos eram mais ou menos uma prévia do que seriam a Arena e o MDB. Claro que as duas frentes sofreram muitas cassações, já com o primeiro ato institucional, principalmente na Frente Parlamentar Nacionalista. Do que sobrou, a maior parte foi para o MDB. Da ADP, quase 100% foram para a Arena. Então o Brasil já era um sistema mais ou menos bipartidário, com esses dois blocos.
Houve uma tentativa de criar um terceiro partido, além de Arena e MDB?
Sim. Pedro Aleixo [político mineiro, vice-presidente entre 1967 e 1969] tentou duas vezes criar o PDR [Partido Democrático Republicano]. Mas ele não conseguiu alcançar o número mínimo de assinaturas para criar esse terceiro partido. O próprio governo militar passou a sentir certo desconforto com o sistema bipartidário, porque percebeu que isso tirava muito o espaço de manobra, que esses dois partidos eram como camisas de força. Quando o MDB cresceu, tornando-se um partido de massa, nas eleições de 74 e principalmente nas de 78, o governo achou que implantar um multipartidarismo moderado facilitaria manobras e manipulações.
Por que não se adotou o voto distrital, junto com o bipartidarismo?
Esse é um lance que pouca gente sabe. Castello Branco lia a língua francesa muito bem. E já tinha lido os livros de Maurice Duverger, um cientista político que escreveu sobre partidos e formulou a chamada Lei de Duverger: quando você tem dois partidos, o sistema eleitoral deve ser majoritário distrital uninominal; se houver mais partidos, o sistema será proporcional. Castello entendeu muito bem essa "lei". Então chamou o TSE para "distritalizar" o Brasil e desenhar um mapa com distritos. Ele estava pronto para assinar um ato complementar e implantar esse sistema no Brasil. Mas aí chegaram os ex-udenistas, que já estavam na Arena, dizendo "não assine isso, pelo amor de Deus, porque os ex-PSD, nossos inimigos históricos, que estão na Arena, são muito mais bem situados no interior e vão ganhar em mais distritos do que nós, da UDN". Castelo tinha certa simpatia para com os udenistas. Segurou a caneta e não assinou. Até 1978, nós tivemos um sistema inusitado, de bipartidarismo com representação proporcional. Só em 1982 temos eleições com um sistema multipartidário.
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