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Congresso em Foco
1/4/2011 7:00
Hoje vou escrever uma coluna chique, vou me permitir um luxo de detalhes metafórico-metafísicos simplesmente podres de chiques, chiquérrimos, e isso significa que estarei escrevendo para poucos, raros e caros. Caríssimos, sigam-me.
Comecemos por aqueles sombrios frankfurtianos, Adorno e Horkheimer, cuja Dialética do Esclarecimento (título perfeito, não?) ensina que as principais vítimas do positivismo não são as noções metafísicas, mas os fatos ? a busca radical da secularização, o desvio exclusivo em direção à vida mundana ? o que naturalmente transforma a vida num processo ?abstrato? anêmico, o mundo interior reduzido a menos zero, mais para ?buraco negro? do que ?mundo?, até porque ?buraco negro? e ?consumismo? têm tudo a ver, são praticamente sinônimos.
O que fica evidente na obra do Marquês de Sade (olha só que citação mais chique), onde a afirmação nua e crua da sexualidade vazia de quaisquer vestígios de transcendência espiritual transforma o sexo em mera ginástica desprovida duma autêntica paixão sensual, que é o que se busca desde que o mundo é mundo.
E não se percebe a mesma inversão no impasse do Indivíduo Pós-Moderno (ou ?Último Homem?, de Nietzsche a Francis Fukuyama, ou ?Homo Otarius? de Slavoj Zizek), que rejeita como terroristas todos os objetivos ?mais altos? e dedica a própria vida a sobreviver, uma vida cheia de prazeres menores cada vez mais insípidos, artificiais? Na medida em que ?morte? e ?vida? designam filosoficamente duas posições existenciais ?subjetivas?, e não fatos ?objetivos?, então a questão se coloca: ?Quem está realmente vivo hoje?
Questão que se desdobra em outras, propostas por Slavoj Zizek (1): E se, ao nos concentrarmos na simples sobrevivência, mesmo qualificada como ?uma boa vida?, o que realmente perdemos for a própria vida? E se o terrorista suicida palestino a ponto de explodir a si mesmo e aos outros estiver, num sentido existencial, ?mais vivo? que o marine americano brincando sua guerra de vídeo game contra um inimigo ?invisível? ? uma ?quase-probabilidade? a centenas de quilômetros de distância ? ou um yuppie nova-iorquino fazendo jogging às margens do Hudson para manter a forma? E por fim: não seria a catástrofe que se teme o fato de, finalmente, alguma coisa realmente acontecer?Qualquer coisa?
O fato é que o grande perdedor nessa reiterada afirmação da Vida contra todas as Causas Transcendentes é a própria vida. O que torna a vida ?digna de ser vivida? é o próprio excesso de vida: a consciência da existência de algo pelo que alguém se dispõe a arriscar a vida (algo a que chamamos ?liberdade?, ?dignidade?, ?honra?, ?autonomia?, etc). Somente quando dispostos a assumir esse risco estamos realmente vivos.
Chesterton (eu disse que seria uma coluna chique) discute a relação paradoxal da coragem: ?Um soldado cercado de inimigos, se tiver que abrir caminho, precisa combinar um forte desejo de viver com uma estranha despreocupação com a morte. Ele não pode apenas se agarrar à vida, pois nesse caso ficará paralisado e não conseguirá fugir. Se somente esperar a morte, será um suicida, logo também não vai conseguir se safar. Terá que buscar a vida com um espírito de furiosa indiferença a ela: desejá-la como água e ser capaz de beber a morte como se fosse vinho?.
A postura sobrevivencialista ?pós-moderna? do Homo Otarius termina num espetáculo anêmico, pobre, insípido, arrastando-se como sombra de si mesmo. Os que hoje afirmam o ?valor sagrado da vida?, defendendo-a contra a ameaça de ?poderes transcendentes? (ou chiques, eu disse que esta seria, etc.) que a inquietam, acabam num mundo supervisionado em que se vive sem dor, em segurança ? e tediosamente.
Um mundo em que, em nome do seu objetivo oficial ? uma vida longa e prazerosa ? todos os prazeres reais são proibidos ou estritamente controlados: toma-se café descafeinado, cerveja sem álcool, proíbe-se o cigarro (incluindo os baixíssimos teores), o que significa que se retira a ?essência? das coisas para poder ?fruí-las? ? o que deveria, repito, deveria constituir um Absurdo.
Portanto vive-se uma vida feita unicamente de ?efeitos especiais?, uma vida literalmente ?sem causa?, ?sem essência?, ?sem sentido? (semioticamente, sem ?significado?, apenas ?significantes vazios?) e sem (a tal palavrinha luxuosa, primordial nesta coluna tão chique) transcendência.
Recapitulando: café sem cafeína, creme de leite sem creme, cerveja sem álcool, sem contar o sexo virtual, o sexo sem sexo; a doutrina de Colin Powell da guerra sem baixas (do lado americano, claro), a guerra sem guerra; a redefinição contemporânea da política como a arte da administração competente, ou seja, a política sem política e por aí vai.
Em suma: a vida besta.
ET: Sobre o mesmo tema ver desta colunista o texto Os Últimos Dragões
(1)In Bem-Vindo ao Deserto do Real: S.Paulo, Boitempo, 2003
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