Entrar
Cadastro
Entrar
Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Congresso em Foco
9/3/2009 0:00
Rodolfo Torres
Fim de carnaval, líderes partidários e presidentes de comissões devidamente escolhidos, a vida volta lentamente ao normal no Congresso. Na Câmara, oito comissões parlamentares de inquérito (CPIs) estão na fila para começar a funcionar.
Quatro delas já foram abertas oficialmente no ano passado (Aborto, Crianças Desaparecidas, Dívida Pública e Violência Urbana) e aguardam apenas a indicação dos membros pelos líderes. Outras quatro (Amazônia Legal, Conta de Luz, Divulgação de Pesquisas e Lixões) ainda precisam do aval do presidente da Casa, Michel temer (PMDB), para começar a funcionar.
De acordo com o regimento da Câmara, são necessárias, pelo menos, 171 assinaturas de deputados para abrir uma CPI na Casa. Além disso, apenas cinco CPIs podem funcionar ao mesmo tempo. Quando isso ocorre, as outras têm de aguardar a vez para iniciar seus trabalhados. Atualmente, apenas a CPI dos Grampos está em funcionamento (leia mais).
O relatório do deputado Nelson Pellegrino (PT-BA ficou pronto, mas a oposição quer prorrogar os trabalhos para investigar a denúncia, publicada revista Veja desta semana, de que o delegado federal Protógenes Queiroz teria montado uma rede paralela de espiões (leia mais).
As discussões sobre estupro da menina de nove anos de Pernambuco (leia) certamente devem acirrar os conflitos em torno da instalação da CPI do aborto. Proposta pelo deputado Luiz Bassuma (PT-BA), a comissão de inquérito pode provocar a expulsão do parlamentar do Partido dos Trabalhadores. Segundo Bassuma, seu próprio partido obstrui a CPI.
Ao lado do deputado Henrique Afonso (PT-AC), o deputado baiano responde a um processo na Comissão de Ética do PT por ser declaradamente contra o aborto, contrariando uma resolução interna da legenda. A comissão do PT se reunirá no próximo dia 19 de março para decidir o caso.
“Como eu não recuo, essa é uma possibilidade concreta”, avalia Bassuma. “Ou eles me aceitam como sou, ou me expulsam. Não vou mudar um milímetro. Esse assunto supera qualquer coisa política ou partidária ”, complementa.
Em resolução publicada no último dia 9 de fevereiro, o Diretório Nacional do partido “reafirma o compromisso de luta pela descriminalização do aborto e em defesa da igualdade e autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua vida”.
“Tratar desse tema criminalizando as mulheres, impondo valores religiosos ou morais, é apostar no autoritarismo que queremos que não exista em nossa sociedade”, finaliza o documento petista.
Luiz Bassuma também dispara sua artilharia contra o Executivo. Em sua análise, além do PT, a CPI do Aborto também é indesejada pelo governo federal.
O deputado explica que o fato determinante para o pedido de criação da CPI partiu de uma entrevista do ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PMDB), na qual ele afirma que anualmente são realizados mais de 1 milhão de abortos clandestinos no Brasil. “É um crime grave. Temos que fazer alguma coisa. Ou então, mudar a lei”, afirma Bassuma.
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), uma das deputadas mais destacadas na Bancada Feminina da Câmara, o tema “não deve ser tratado por uma CPI”, uma vez que o aborto clandestino no país é uma questão social e de saúde pública. “Isso é objeto para uma comissão externa ou uma comissão permanente”, argumenta a gaúcha.
Para ela, ao invés de CPI, o Congresso deveria se debruçar sobre políticas sérias de promoção do planejamento familiar. “É preciso ter planejamento familiar. E não sei se isso é do interesse desse deputado [Bassuma]”, alfineta.
De acordo com o Ministério da Saúde, entre janeiro e novembro de 2008 foram realizados 3.053 abortos legais: quando a gestação representa risco de morte para a mãe ou quando a mulher engravida em virtude de um estupro. Esses abortos legais custaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) R$ 481.924,55 no ano passado. Como a prática no Brasil é ilegal, não há dados oficiais sobre o total dos abortos praticados de forma clandestina.
Dívida pública
A CPI da Dívida Pública Proposta pelo líder do Psol, Ivan Valente (SP). O deputado paulista diz ter levado o assunto para a reunião de líderes da semana passada. Obteve do presidente da Casa o compromisso de cobrar dos líderes a indicação dos membros. Segundo Ivan, o colegiado deve iniciar suas atividades no máximo em dez dias.
O pedido de abertura dessa CPI teve como instrumento de reforço uma matéria publicada no início do ano passado pelo Congresso em Foco (Juros da dívida consumiram 22 CPMFs em cinco anos).
Segundo a reportagem, mais de R$ 851 bilhões foram destinados ao pagamento de juros nominais da dívida pública nos cinco primeiros anos de governo Lula. O montante equivale a cobrança de 22 CPMF, tributo extinto no final de 2007 que incidia sobre as movimentações financeiras e rendia ao governo cerca de R$ 40 bilhões anualmente.
“Espero que haja boa vontade dos líderes. Cumprimos todos os pré-requisitos”, afirmou Valente. Caso os membros não sejam indicados, o líder afirmou que pedirá ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura dos trabalhos da CPI. “Vamos pedir de qualquer jeito.”
Além disso, Ivan Valente solicitará o apoio de movimentos sociais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para investigar a dívida pública brasileira.
“Nesse momento de crise, essa CPI é a base para rediscutir o orçamento”, avalia. “Essa CPI é a que tem mais condições de impactar na crise econômica”, complementa.
Crianças desaparecidas
Assim como o líder do Psol, a deputada Andreia Zito (PSDB-RJ) espera ainda para março o início das atividades destas comissões. Uma das autoras do requerimento de criação da CPI que investigará os desaparecimentos de crianças e adolescentes no Brasil entre 2005 e 2007, a congressista descarta qualquer manobra para impedir as investigações. “O ano de 2009 começou agora, depois do carnaval... Não vejo nenhum interesse para não instalar a CPI”, afirmou.
Conforme justifica a deputad no pedido de abertura da comissão de inquérito “todos os anos, mais de 50.000 crianças e adolescentes desaparecem no Brasil”.
“O estado de São Paulo concentra cerca de 25 % desses casos, no Rio de Janeiro e Estados do Nordeste os índices também são muito altos. Ainda que a grande maioria dos desaparecimentos seja solucionada nas primeiras 48 horas, existe um percentual altamente significativo, de cerca de 15 a 20% de crianças e adolescentes que não são encontrados por longo período de tempo”, complementa.
Andreia ainda recorre a dados da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal para reforçar a necessidade de abertura efetiva da CPI. “Estima-se que aproximadamente 40.000 ocorrências de desaparecimento de crianças e adolescentes sejam registradas anualmente nas delegacias de polícia de todo o país”.
Conta de luz
A conta de energia elétrica no Brasil também virou objeto de CPI. Para o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), “há necessidade de se investigar os critérios” que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) utiliza para autorizar os reajustes e reposicionamentos nas tarifas.
Ao Congresso em Foco, o parlamentar pernambucano afirmou que os recentes reajustes nessas tarifas estão “pesando muito no orçamento do povo”. “Há cinco anos não pesava tanto”, declarou.
De acordo com a análise do congressista nordestino, “o megawatt-hora no Brasil é mais caro do que em muitos países desenvolvidos”.
“Nos últimos dez anos, as tarifas de energia elétrica quadruplicaram. O megawatt-hora, unidade de venda de energia, custava R$ 60,00, em média em 1995. Em 2006, era vendido por R$ 230,00 e a previsão para os próximos dez anos é desanimadora. Até 2017, os custos de geração de energia elétrica devem dobrar”, justifica o deputado em seu requerimento.
“A Aneel tem se omitido de sua atribuição legal de garantir tarifas justas de energia elétrica. O princípio da modicidade exige tarifas razoáveis de forma a respeitar a capacidade econômica dos usuários dos serviços públicos”, complementa.
O superintendente de Regulação Econômica da Aneel, Davi Lima, explica que uma série de variáveis influenciam no reajuste das tarifas de energia elétrica (investimentos, mercado consumidor, etc), e que não é possível dizer que esses valores subiram indiscriminadamente nos últimos anos.
Lima também ressalta que determinas unidades da federação tiveram reajustes negativos na tarifa de energia, como São Paulo e Distrito Federal. Já no caso de Pernambuco, estado do deputado, o reajuste da tarifa de energia superou o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM), um dos critérios utilizado para determinar o valor da taxa.
Davi Lima ainda explica que outros fatores alheios à competência da Aneel influenciam no preço da conta de luz, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual. “O imposto agregado, fora da tarifa, é parte relevante”, argumenta.
Ao Congresso em Foco, a assessoria da agência destacou que o processo de revisão das tarifas de energia elétrica é longo e envolve audiências públicas e a participação direta da comunidade, que pode fazer sugestões à Aneel.
Lixões
O deputado Dr. Talmir (PV-SP) quer usar uma CPI para investigar a situação dos lixões no Brasil. Além disso, o colegiado também se propõe a analisar a situação das famílias que vivem nesses depósitos de lixo.
O parlamentar afirmou ao site que não encontrou resistências para propor a CPI e espera que ela seja instalada “no máximo” até 2010. “Ela não é polêmica. É tranquila, importante, ligada ao meio ambiente”, resumiu.
Citando dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), Dr. Talmir argumenta que, dos 5.564 municípios brasileiros, 1.657 (29,78%) utilizam lixões.
“Um lixão é uma área de disposição final de resíduos sólidos sem nenhuma preparação anterior do solo. Como não há sistema de tratamento de efluentes líquidos, o chorume (líquido preto formado a partir da decomposição da matéria orgânica), penetra na terra levando substâncias contaminantes para o solo e para o lençol freático. Moscas, pássaros e ratos convivem com o lixo jogado a céu aberto, e pior ainda, crianças, adolescentes e adultos catam comida e materiais recicláveis para vender”, explica o parlamentar no requerimento de instalação da CPI.
“Milhares de crianças e adolescentes são compelidos a buscar no lixo meios para sua sobrevivência e de sua família, à custa de sua dignidade, saúde e, não raro, de sua própria vida”, denuncia.
“Instrumento da maioria”
Para o cientista político Octaciano Nogueira, professor da Universidade de Brasília (UnB), as CPIs funcionam atualmente como “instrumento da maioria”. Conforme explica, o que antes era um instrumento de investigação da minoria virou uma forma de contenção da oposição.
“Tudo aquilo que depende de investigação no governo não é aprovado”, destaca. Para o professor, o próprio regimento da Câmara, que limita a cinco CPIs simultâneas, é inconstitucional. “CPI já foi um instrumento eficiente”, analisa, complementando que, em alguns colegiados, também ocorreram abusos por parte da oposição.
O cientista político David Fleischer, que também é professor da UnB, ressalta que uma CPI “pode ser uma coisa séria, que dá resultados eficientes”.
Como exemplo, ele cita a CPI dos Bancos durante o governo FHC. O colegiado investigou a ajuda do governo à instituições financeiras como os bancos Marka (controlado por Salvatore Cacciola, atualmente preso) e Fonte Sindan. Esses bancos teriam cometidos irregularidades no sistema financeiro nacional.
Já durante o governo Lula, David Fleischer lembra da CPI dos Correios. Como consequência dos trabalhos desse colegiado, 40 pessoas respondem a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento no mensalão (suposto pagamento de propina para que deputados votassem de acordo com orientações do Planalto).
Contudo, Fleischer aponta uma outro lado das CPIs. “Uma CPI pode virar palco para deputados e senadores ganharem espaço na mídia. Às vezes, é uma oportunidade para sair no Jornal Nacional.”
Leia também:
Temas
REAÇÃO AO TARIFAÇO
Leia a íntegra do artigo de Lula no New York Times em resposta a Trump
MANOBRA NA CÂMARA
Eduardo Bolsonaro é indicado a líder da Minoria para evitar cassação
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Filha de Edson Fachin é alvo de hostilidade na UFPR, onde é diretora