Fábio Góis
O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), comprou briga com gramáticos e lingüistas ao decretar, no Diário Oficial da capital de 1º de outubro, a “demissão do Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal”. É isso que reza o artigo 1º do texto. O governador quer erradicar de seus domínios “o uso do gerúndio como desculpa de INEFICIÊNCIA” – assim mesmo, em letras garrafais, que ressaltam o vigor da determinação.
O problema, defendem estudiosos da língua portuguesa, é que o governador quis demitir o gerúndio, que é uma forma verbal admitida gramaticalmente. O alvo de sua ira deveria ser o “gerundismo” – que são os excessos e as inadequações no uso daquele recurso verbal.
“Isso [a demissão do gerúndio] é uma bobagem, até porque não fica claro se é gerúndio ou gerundismo que é ‘demitido’“, disse ao Congresso em Foco o lingüista e tradutor Sírio Possenti, autor de Por que (não) ensinar gramática na escola (ALB & Mercado das Letras). “Todo político tem seu dia de Jânio Quadros”, brinca, referindo-se às decisões pitorescas do ex-presidente da República.
Professor do Instituto dos Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Possenti diz não entender a condenação generalizada, em geral por leigos, do uso do gerúndio. “O gerúndio é uma forma verbal, e está em todo lugar. Temos, por exemplo, ‘cantando espalharei por toda parte, se a tanto me ajudar o engenho e arte’, de Camões”, acrescenta o lingüista, ao fazer menção ao fim da segunda estrofe de Os Lusíadas, clássico da literatura de Luís Vaz de Camões.
Possenti condena ainda a falsa idéia do gerúndio como herança da língua inglesa. “Muitos acham que é apropriação do inglês, mas estes não sabem falar a língua. O problema é com o verbo estar e com os verbos que vêm depois dele”, ensina. Como exemplo, ele cita frases como “vamos estar providenciando” ou “vou estar fazendo”.
Começa errando
Já a doutora em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade da São Paulo (USP) Enilde Faulstich acha que Arruda começa errando – com a licença do (correto) uso do gerúndio – já na intenção do decreto.
“Se ele quer uma forma adequada de comunicação, deveria fornecer cursos de atualização, capacitação e reciclagem em língua portuguesa. Temos de preparar as pessoas que redigem em língua portuguesa”, pondera a estudiosa, professora do programa de pós-graduação em Lingüística da Universidade de Brasília (UnB). “Além disso, o gerúndio não retrata ineficiência”, completa, referindo-se ao texto do decreto.
Enilde concorda com a maioria dos estudiosos e pesquisadores que se manifestaram sobre a decisão de Arruda. “É uma postura equivocada, por duas razões. Primeiro, porque não se demite estrutura de língua. E ele ainda usa o verbo ‘demitir’ de forma incorreta. Em suas atribuições institucionais, deveria usar o verbo ‘exonerar’. O segundo equívoco é confundir gerúndio com gerundismo, ou seja, cometeu erro de compreensão da língua”, explica.
Ela enxerga oportunidade no deslize semântico do governador. Para Enilde, a Arruda “não compete legislar sobre a língua”. “Temos de preparar as pessoas que redigem os textos oficiais.”
Independentemente da conveniência ou não acerca do decreto do governador, o fato é que uma enxurrada de artigos e reportagens se sucederam à publicação no Diário Oficial. Houve quem apontou “jogada de marketing” na atitude. A quase unanimidade das manifestações, como era de se esperar, vê a obsolescência do ato. A pergunta que ora se faz necessária: vai adiantar?
Em tempo: como aponta o gramático Pasquale Cipro Neto no artigo “Demitindo a ‘demissão’ do gerúndio”, publicado na Folha de S.Paulo desta semana, Arruda transformou, em seu decreto, o gerúndio em substantivo próprio ao grafá-lo com “G” maiúsculo (como transcrito acima, no primeiro parágrafo).
A assessoria de Arruda informou que ele não poderia comentar o assunto por estar em viagem no exterior.
Matéria publicada em 06/10/2007 e atualizada em 10/10/2007