Em busca da origem dos recursos usados nos esquemas financeiros ilegais que envolvem o PT, o governo Lula e os partidos aliados, as CPIs dos Correios e do Mensalão deram ontem sinais de que vão investigar as relações entre Marcos Valério e dois grupos que se digladiam na disputa pela Brasil Telecom: os fundos de pensão ligados a estatais e o empresário baiano Daniel Dantas, dono do banco Opportunity.
Dados vazados pela CPI apontam que cerca de R$ 145 milhões foram repassados pelas empresas Telemig Celular e Amazônia Celular, controladas por Dantas, às agências de publicidade de Valério. No material apreendido em Minas pelo Ministério Público e pela Polícia, havia várias notas fiscais das duas empresas, que seriam queimadas por pessoas a serviço de Valério.
Tanto o empresário mineiro como o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares contam que estiveram em contato com a direção do Opportunity, que os teria procurado com o objetivo de se aproximar do governo Lula e do PT.
Embora ninguém assuma de público (leia mais), muita gente preferia evitar o assunto: desde a oposição, encabeçada pelo PFL mas contando com o apoio discreto de setores do PSDB e de outros partidos, até o grupo liderado pelo ex-ministro José Dirceu. A articulação teve sucesso durante algum tempo. Em contrapartida, os fundos de pensão - apoiados por Luiz Gushiken, desafeto de Dirceu - foram mantidos longe das investigações.
A situação mudou. Ontem, a CPI convocou Dantas para depor no próximo dia 14 e quebrou o sigilo bancário, fiscal e telefônico da Telemig Celular e da Amazônia Celular. Em compensação, também arreganhou os dentes para os principais adversários do banqueiro, os fundos de pensão e o próprio Gushiken, atual chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ex-ministro da Secretaria de Comunicação, que será ouvido pela comissão no dia 6. Ele é acusado de interferir indevidamente nos fundos de pensão, de usá-los para favorecer a empresa Globalprev e de servir-se do antigo cargo para beneficiar com verbas publicitárias a editora de um cunhado.
A CPI dos Correios aprovou ainda a quebra do sigilo bancário de sete fundos de pensão: Previ (Banco do Brasil), Centrus (Banco Central), Real Grandeza (Furnas) , Eletros (Eletrobrás), Serpros (Serpro), Postalis (Correios) e Portus (antiga Portobrás) . Os dados se referem exclusivamente à movimentação feita nos bancos BMG e Rural. As duas instituições, suspeita a CPI, podem ter sido utilizadas por fundos de pensão para drenar recursos para os esquemas financeiros ilegais do PT. Quarta-feira, a comissão já havia tomado igual providência em relação a outros três fundos: Funcef (Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras) e Geap (Previdência e outros órgãos federais).
A CPI do Mensalão decidiu requerer as mesmas informações e também as relativas à Sistel (antiga Telebrás). Ao mesmo tempo, confirmou ontem que ouvirá na próxima quarta-feira, em sessão pública, os presidentes da Previ, Sérgio Rosa, da Funcef, Guilherme Lacerda, e da Petros, Wagner Pinheiro, que se apresentaram espontaneamente para depor, em reunião reservada realizada na última quarta-feira. A comissão também decidiu convocar Dantas e o presidente do Citigroup no Brasil, Gustavo Marin.
Para completar, a CPI dos Correios requereu os dados bancários, fiscais e telefônicos, de Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil e ex-dirigente da Previ, e da corretora Bônus/Baval. Pizzolato admitiu ter mandado sacar R$ 326 mil da SMP&B, uma das agências de Valério. Sobre a corretora, recai a suspeita de ter feito operações irregulares a mando de fundos de pensão.
Um império em discussão
Pizzolato tornou-se um dos críticos mais notórios ao acordo firmado entre a Previ, a Petros, a Funcef e o maior conglomerado financeiro do mundo, o norte-americano Citigroup. O acordo representa a vitória definitiva dos três fundos contra Dantas na disputa pelo controle da terceira maior companhia de telecomunicações do país, a Brasil Telecom, e de várias outras empresas privatizadas no governo Fernando Henrique, como Telemig Celular, Amazônia Celular, Sanepar, Metrô Rio e Santos Brasil (que opera o terminal de contêineres do porto de Santos).
O Opportunity havia sido encarregado de gerir os investimentos dos fundos de pensão e do Citigroup em todas essas empresas, nas quais as fundações e o banco americano têm em conjunto a maioria do capital, e ainda na Telemar, da qual eles são sócios minoritários. Foi afastado da gestão sob a acusação de prejudicar os investidores em proveito próprio.
Com o acordo, as três entidades de previdência complementar conquistaram o direito, que Dantas lhes negava, de participar do bloco de controle das companhias de que são acionistas. A mais cobiçada é a Brasil Telecom. Além de ser a principal telefônica das regiões Sul e Centro-Oeste do país, ela controla várias empresas importantes, como os portais IG e Ibest.
Os entendimentos entre os fundos e o Citigroup são criticados, sobretudo, porque as fundações se comprometem a comprar a participação do banco na Brasil Telecom e na Telemar se não venderem o controle delas até novembro de 2007.
O preço fixado para a aquisição da participação na Brasil Telecom toma por base a estimativa de que a empresa valha R$ 12,5 bilhões. O valor, dizem os críticos, seria alto demais. Ocorre que a Telecom Italia, maior interessada em adquirir o controle da operadora de telefonia, apresentou ano passado ao Citi proposta com uma estimativa implícita bem mais alta, R$ 13,5 bilhões.
Uma possível conexão
O fato de Pizzolato ter condenado o acordo - que ele aprovou, como presidente do Conselho Deliberativo da Previ - e estar envolvido nos saques das contas de Valério estabelece a possibilidade de uma conexão entre o chamado caso Opportunity e a irrigação irregular de recursos para o PT e partidos da base governista.
As suspeitas nesse sentido derivam de dois fatos: 1) O acordo é bom para os fundos; 2) Tornaram-se públicas as pressões feitas por Dantas para detonar o acordo. O seu maior aliado no governo era o ex-ministro José Dirceu. Mas o Opportunity tem outro forte aliado, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI). Recebeu ainda uma forcinha do ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
Segundo a revista Carta Capital , o presidente da Previ, Sérgio Rosa, chegou a ser orientado por Palocci a procurar com urgência o presidente do Banco do Brasil, Rossano Maranhão Pinto. Ao entrar no gabinete dele, surpreendeu-se ao encontrar o senador Heráclito. Objetivo do encontro: tentar convencer Rosa a desistir do acordo com o Citi e a buscar uma solução conciliatória com o Opportunity, pedido que ele recusou.
Procurado pelo Congresso em Foco , o senador não fez reparos à história relatada pela revista. Na entrevista, feita antes da convocação de Dantas e Gushiken, limitou-se a dizer que o conflito societário da Brasil Telecom, no seu entender, não deveria ser alvo de investigações da CPI dos Correios. Mas evitou maiores comentários sobre o assunto. "Não entro em brigas pessoais", esquivou-se.
A briga pela Brasil Telecom, que vem desde 2000, reúne ingredientes emocionantes. Envolve uma guerra jurídica incomum e até lances policiais. A Polícia Federal concluiu, por exemplo, que Dantas incorreu em crime ao violar o sigilo de seus adversários no conflito. Um deles é o ex-ministro Gushiken.
Resta saber se o paralelismo hoje existente nas atividades das CPIs dos Correios e do Mensalão - ambas investigando os mesmo fatos, solicitando as mesmas informações e procurando ouvir as mesmas pessoas - não transformará em frustração a expectativa da opinião pública de que sejam apurados com rigor todos os fatos relativos a atos de corrupção e tráfico de influência na administração federal.