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Autismo
Congresso em Foco
9/7/2025 16:21
A abordagem ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil tem sido marcada por um modelo centrado na medicalização intensiva, terapias de alto custo e práticas sem embasamento científico. Essa é a avaliação de Arthur Ataíde, 21 anos, autista, ativista da neurodiversidade, estudante de medicina e vice-presidente da Associação Nacional para a Inclusão das Pessoas Autistas.
Diagnosticado com autismo aos nove anos de idade, Arthur relata que o diagnóstico ofereceu um nome para aquilo que ele já vivia: dificuldades de interação social, sensibilidade a estímulos e formas de aprendizado distintas. "Eu parecia viver num mundo que não tinha sido construído para pessoas como eu", diz. Ainda criança, começou a sofrer bullying e discriminação, inclusive de professores. Um episódio marcante foi quando, ao revelar seu desejo de ser médico, ouviu de uma professora que "autista não é médico, autista é paciente".
A experiência foi um divisor de águas. Aos 10 anos, Arthur começou a militar pelos direitos das pessoas autistas. Aos 11, já organizava eventos e ações em defesa da inclusão. Hoje, além do ativismo, ele idealizou e redigiu o projeto de lei do Protocolo Individualizado de Avaliação, aprovado no Estado de São Paulo. A medida assegura que estudantes autistas tenham direito à personalização das avaliações, respeitando suas necessidades específicas.
Críticas ao modelo terapêutico dominante
Arthur faz críticas contundentes ao modelo terapêutico mais difundido no Brasil, a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Segundo ele, o método é um "modelo de mercado" e não de cuidado. "A ABA não tem cargas horárias definidas por necessidades da criança, mas sim pelo que é mais lucrativo", afirma. De acordo com ele, muitas clínicas operam com estagiários, muitas vezes sem supervisão, e aplicam protocolos que, mesmo quando bem executados, têm origem na desumanização da pessoa autista.
"O criador do ABA, Oliver Lovaas, dizia que crianças autistas não poderiam ser consideradas humanas", relata Arthur, citando a origem comum entre ABA e terapias de conversão de orientação sexual. "Ele usava eletrochoques para forçar comportamentos considerados normais", completa. Ainda hoje, segundo Arthur, estratégias semelhantes de adestramento são aplicadas, como o uso de petiscos ou o ignorar proposital do choro da criança até que ela realize determinada ação.
Ele também aponta o baixo rigor científico das pesquisas que sustentam o ABA. Um parecer técnico do Hospital Sírio-Libanês, encomendado pelo Ministério da Saúde, teria concluído que os estudos são em sua maioria relatos de caso único e com alto nível de viés metodológico. "É um modelo sustentado mais por interesse econômico do que por evidência científica", afirma.
Práticas sem evidência e a "indústria do autismo"
A crítica se estende ao que Arthur denomina "indústria do autismo": um mercado movido por pânico moral, que explora as famílias com promessas de cura e intervenções milagrosas. Ele cita práticas como dióxido de cloro, ozonioterapia, transplantes de fezes e protocolos de desparasitação como exemplos de procedimentos perigosos e sem respaldo da ciência.
"O Brasil é líder na América Latina na proliferação de curas milagrosas para o autismo", aponta. Segundo ele, essas práticas se sustentam na narrativa de que o autismo é uma doença a ser combatida, o que gera lucros vultosos para clínicas e influencers. "Quarenta horas de terapia por semana podem custar até R$ 50 mil por mês", denuncia.
Em contraponto, Arthur defende abordagens terapêuticas como o DIR Floortime, o modelo SCERTS e a integração sensorial, que, segundo ele, são baseadas em formação qualificada e respeito à individualidade da criança. "Essas abordagens não veem a criança como um transtorno, mas como alguém com direito ao sonho e à relação", explica, referindo-se à filosofia de Stanley Greenspan, criador do DIR Floortime.
Inclusão escolar e o papel do AT
Na avaliação de Arthur, o uso de acompanhantes terapêuticos (AT) nas escolas prejudica o processo de inclusão. "Dentro da sala de aula, o aluno autista é estudante, não paciente", afirma. Para ele, a presença do AT representa a extensão da clínica ao ambiente escolar, prática que ele considera uma forma de exploração comercial do direito à educação.
Em vez disso, ele defende o apoio pedagógico e especializado, com profissionais treinados para oferecer mediação e garantir acessibilidade. "Terapia se faz no contraturno, dentro das clínicas, não dentro das escolas", pontua.
O que é, então, uma escola inclusiva?
Uma escola verdadeiramente inclusiva, segundo Arthur, é aquela que reconhece a pluralidade de corpos, mentes, religiões e culturas como uma riqueza. "Todos devem aprender juntos, com os recursos e liberdades necessários para serem quem são", explica. Para ele, o convívio com a diferença é essencial para o desenvolvimento de qualquer estudante, inclusive o autista.
"O direito de interagir com quem é diferente dentro da sala de aula é essencial para o desenvolvimento de habilidades sociais", afirma, citando sua própria trajetória como exemplo de como a inclusão impactou positivamente sua vida.
Judicialização e mercado
A judicialização crescente em torno do TEA também é vista com preocupação. Para Arthur, ela é uma ferramenta legítima de acesso a direitos, mas tem sido apropriada por clínicas e advogados como meio de lucrar. "Hoje, a judicialização é essencial para o funcionamento do mercado baseado no ABA", afirma. Segundo ele, processos judiciais garantem a continuidade de tratamentos caros, mesmo sem comprovação de eficácia.
"O problema não é a judicialização em si, mas o que está sendo judicializado", diz. "Estamos falando de terapias exploratórias, sem evidência, que usam práticas que bestializam a criança autista."
Um novo olhar sobre o autismo
Arthur finaliza com um apelo por uma mudança de paradigma: "A sociedade precisa entender que autismo não é uma doença. Não existe cura para o autismo." Para ele, o desejo de cura reflete resquícios de ideologias eugenistas, e o foco deveria estar na construção de uma sociedade que acolha as diferenças.
Ele reforça que todas as pessoas autistas merecem ter sua voz ouvida, mesmo aquelas que não se comunicam por fala, e que autonomia não é incompatível com apoio. "Muitas vezes a autonomia de uma pessoa só vai poder ser afirmada a partir do apoio de outras. Pessoas autistas vivem e resistem em toda a pluralidade da humanidade e merecem poder viver sendo respeitadas da forma como são."
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