O coordenador do grupo de trabalho da reforma administrativa, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), apresentou à Câmara dos Deputados um pacote triplo de medidas para reorganizar o serviço público brasileiro. A proposta, que envolve uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei (PL) e um projeto de lei complementar (PLP), pretende, segundo o deputado, modernizar a máquina estatal, corrigir distorções salariais, fortalecer a meritocracia e impor mais disciplina fiscal.
O texto mexe em mais de 40 artigos da Constituição e institui um modelo de gestão pública por resultados, inspirado em experiências internacionais que ligam a remuneração e a progressão de servidores ao desempenho medido por metas concretas. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pretende pautar a reforma em breve, mas não adiantou quando isso ocorrerá.
Vista aérea do Congresso Nacional e da Esplanada dos Ministérios.Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Três textos, uma só reforma
O pacote foi desenhado como um sistema de três camadas legislativas.
A PEC da Reforma Administrativa muda a Constituição e define os princípios gerais do serviço público, além de prever novas regras de remuneração, tetos salariais, cargos em comissão e gestão de resultados.
O projeto de lei institui o Marco Legal da Administração Pública, detalhando como funcionam os concursos, estágios probatórios, avaliações e regimes de trabalho.
O projeto de lei complementar cria a Lei de Responsabilidade por Resultados, que obriga governos a definir metas, acompanhar indicadores e premiar quem cumpre objetivos.
Pedro Paulo resume a ideia como um novo pacto entre Estado e servidor. "É preciso dar estabilidade e segurança, mas também exigir entrega e eficiência", afirmou. Veja os principais pontos da reforma:
1. Planejamento, metas e gestão por resultados
- Governantes (presidente, governadores e prefeitos) deverão publicar planejamento estratégico de mandato em até 180 dias após a posse.
- Criação dos Acordos de Resultados - metas anuais de desempenho para órgãos públicos.
- Os acordos passam a ser obrigatórios e servirão como base para avaliação e bonificação.
- Implementação de um ciclo de gestão por resultados: planejamento execução monitoramento avaliação.
- Instituição da Lei de Responsabilidade por Resultados (PLP), que obriga revisão anual de políticas públicas e gastos.
- Criação de indicadores de desempenho institucional e índices comparativos entre órgãos e entes federativos.
- O desempenho institucional condicionará pagamento de bônus e progressão funcional.
- Estados e municípios poderão aderir voluntariamente ao modelo nacional de metas.
- Governos terão de publicar relatórios de avaliação de políticas públicas, vinculados à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
2. Avaliação de desempenho e bônus por produtividade
- Avaliação periódica de desempenho passa a ser obrigatória para todos os servidores.
- Resultados de desempenho influenciarão progressões, promoções e ocupação de cargos de confiança.
- Criação de bônus de desempenho de até 2 salários anuais - ou 4 para cargos estratégicos.
- Pagamento dos bônus condicionado ao cumprimento de metas individuais e institucionais.
- Bônus não contará para o teto constitucional e não gerará efeito permanente sobre a remuneração.
- Avaliação deverá ser objetiva, documentada e pública, com direito a contraditório.
- Resultados das avaliações servirão para planejamento de capacitação e correção de desempenho.
3. Estrutura de carreiras, concursos e estágio probatório
- Realização de concursos dependerá de diagnóstico prévio da força de trabalho.
- Concursos deverão priorizar carreiras transversais (por exemplo: analistas e gestores de políticas públicas).
- Possibilidade de ingresso direto em níveis mais altos da carreira, limitado a 5% das vagas.
- Estágio probatório passa a ter caráter avaliativo e contínuo, com possibilidade de exoneração.
- Regras de progressão deixam de considerar tempo de serviço e passam a depender de desempenho.
- Criação de planos de capacitação continuada integrados à avaliação de desempenho.
- Possibilidade de mobilidade funcional entre órgãos e entes, respeitada a equivalência de funções.
- Extinção da incorporação automática de gratificações à remuneração.
4. Tabela única de remuneração e racionalização salarial
- Criação de uma tabela única de remuneração por ente federativo (União, estados e municípios).
- Tabela valerá para todos os Poderes e órgãos autônomos.
- Implementação gradual em até 10 anos.
- Piso será o salário mínimo, e o teto, o limite constitucional (atualmente R$ 46,3 mil).
- Reajustes serão lineares e universais, aplicados a toda a tabela.
- Extinção de reajustes individuais por categoria sem base na tabela.
- Criação de um observatório nacional de remuneração para comparar cargos equivalentes.
5. Fim de privilégios, supersalários e "penduricalhos"
- Limite de 10% da remuneração para auxílios (alimentação, transporte e saúde) de quem ganha 90% do teto.
- Verbas indenizatórias não poderão crescer acima da inflação (IPCA).
- Proibição de pagamentos retroativos sem decisão judicial.
- Proibição da conversão em dinheiro de férias e licenças não usufruídas.
- Fim das férias superiores a 30 dias.
- Fim da licença-prêmio e de outros benefícios automáticos.
- Extinção da progressão por tempo de serviço sem desempenho comprovado.
- CNJ e CNMP ficam proibidos de criar benefícios ou gratificações sem previsão legal.
- Proibição de "penduricalhos" que elevem salários acima do teto constitucional.
- Instituição de auditoria permanente das folhas de pagamento para detectar pagamentos irregulares.
6. Cargos comissionados e funções de confiança
- Cargos em comissão limitados a 5% da força de trabalho (ou 10% em municípios pequenos).
- Pelo menos 50% dos cargos comissionados deverão ser ocupados por servidores efetivos.
- Cargos estratégicos serão submetidos a avaliação diferenciada e metas de gestão.
- Inclusão de cotas para mulheres, negros, indígenas, quilombolas e PCDs em cargos de direção.
- Criação de cadastro nacional de dirigentes públicos, com histórico de desempenho.
- Regulamentação de critérios técnicos e transparentes para nomeações de confiança.
7. Limites de gasto e disciplina fiscal
- Criação de um teto de despesas primárias para União, estados e municípios.
- Despesas só poderão crescer até a inflação anual.
- Mesmo com aumento de arrecadação, só 2,5% da receita extra pode ser incorporada aos gastos.
- Proibição de criação de despesas permanentes sem previsão de receita.
- Revisões anuais de gastos obrigatórias pelo Executivo.
- Fixação de limite de crescimento da folha de pagamento nos três Poderes.
- Estados e municípios com déficit terão restrição na criação de secretarias e cargos.
- Vedação ao uso de "sobras orçamentárias" para criar novas gratificações.
8. Teletrabalho, controle de jornada e regime de trabalho
- Teletrabalho (home office) limitado a 20% da força de trabalho por órgão.
- Servidor em regime híbrido só poderá fazer um dia remoto por semana.
- Cargos de confiança deverão ser 100% presenciais.
- Proibição de residência fora da cidade de lotação (salvo exceção autorizada).
- Vedação ao teletrabalho no exterior, exceto em missão ou acompanhamento de cônjuge diplomático.
9. Governo digital, transparência e dados públicos
- Inclusão digital passa a ser direito social na Constituição.
- Criação da Estratégia Nacional de Governo Digital, com integração de sistemas públicos.
- Todos os atos administrativos deverão ser digitais e rastreáveis.
- Instituição de política de segurança cibernética e proteção de dados públicos.
- Criação de laboratórios de inovação e transformação digital no setor público.
10. Regras para prefeitos, cartórios e sanções
- Prefeituras com déficit terão limite de 5 a 10 secretarias, conforme o porte populacional.
- Salários de prefeitos, vices e secretários variam de 30% a 80% da remuneração do governador.
- Fim da aposentadoria compulsória como punição; juízes e procuradores passam a responder com perda do cargo.
- Fixação de teto de remuneração para notários e registradores, limitado a 13 vezes o teto constitucional.
- Idade máxima de 75 anos para titulares de cartórios e obrigatoriedade de compartilhar dados com o poder público.