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Com todo o respeito às bruxas, Clarice foi uma fada

Congresso em Foco

3/1/2009 0:00

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“Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. (...) Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. (...)” Clarice Lispector

 

Fábio Góis*

 

Certa vez, ao falar sobre a escritora ucraniano-brasileira Clarice Lispector (1920-1976), o crítico carioca José Castello sentenciou: “Ninguém lê Clarice sem ser devastado pelo que lê”. Teria Castello se referido ao encanto proveniente da obra lispectoriana? Ou, testemunha dos efeitos da escrita de Clarice em amigos próximos, estava o estudioso a confirmar a tese de que o que ela escrevia, para além da literatura, era “bruxaria”? A seguir, alguns coincidentes episódios em que, se não estão revestidas de ampla simbologia, suas inferências não passam de mero devaneio ou especulação rasa a respeito de um mito.

 

Em 19 de setembro de 1998, uma matéria publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo foi assim intitulada: “O eterno retorno da bruxa genial da introspecção”. A reportagem – que, por mais bem intencionado que pareça o título, merecia outro, e explico em algumas linhas – falava sobre o manancial de possibilidades que a obra de Clarice suscitava mais de vinte anos depois de sua morte. Mostrava a inesgotável fonte de exploração literária que aquela enigmática e perturbadora criatura nos havia legado.

 

À matéria do Estadão foi anexado um comovente texto atribuído à escritora Lygia Fagundes Telles, ocupante da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, no qual a imortal narra de maneira delicada como recebera a morte de Clarice, instantes após a perda, como informa a reportagem. Lygia estava em Marília (SP) a participar de um curso de literatura de uma faculdade de Letras – e, em passagem que insiste em perturbar a imaginação dos órfãos lispectorianos, narra como ela e Clarice riam “gostosamente” da vida, em deleite regado a vinho, champanhe, salmão e pão preto, em alguma birosca da Colômbia.

 

“Na véspera dessa minha viagem, um amigo telefonou para avisar: a Clarice Lispector está muito mal. Afastei depressa essa lembrança e, de repente, nos vimos na Colômbia, congresso de escritores. Ah!, não interessa a data, estávamos tão contentes na cálida Cali”, diz trecho de texto. “Quando acordei estava em Marília e tinha que correr porque estava atrasada, a aula. No saguão da faculdade uma jovem veio ao meu encontro, a voz trêmula, o olhar assustado. ‘Saiu agora mesmo no rádio, a Clarice Lispector morreu esta noite.’ Abracei a mocinha e entrei na sala. ‘Eu já sabia’, fui dizendo em voz baixa. ‘Eu já sabia’”, conclui a crônica.

 

O que isso tem a ver com a pecha de “bruxa” atribuída a Clarice? Além do mero pretexto de registrar amenidades sobre a autora de A hora da estrela (se eu falar em A maçã no escuro, o melhor de Clarice, pouquíssimos ligarão nome à autora...), faz-se conveniente a menção ao “congresso de escritores” em Cali, na Colômbia. Algo que traz à memória outro congresso, este muito mais curioso e intrigante (ou teria sido o mesmo, mas com um breve equívoco da autora quanto à cidade colombiana?).

 

Foi no ano de 1975, pouco antes de Clarice presentear os céus com sua presença olímpica. A boa filha à casa retornando. Tratou-se da Conferência Mundial das Bruxas, realizada em Bogotá, para a qual Clarice fora uma das convidadas-palestrantes – convite que a escritora até hoje, lá do além, deve se perguntar por que recebeu. Desconcertada, e sem saber muito o que palestrar num congresso de bruxas – ela que, decerto, não se considerava como tal –, tirou da cartola (ou melhor, do chapéu de bruxa) a solução: leria o conto-desconcerto O ovo e a galinha, que, de infantil, como o nome pode sugerir, não tinha nada. Foi entusiasticamente aplaudida por bruxas, fadas, magos, gnomos e demais elementares de outras dimensões.

 

(A respeito do episódio na Colômbia, mais um adendo: dias atrás uma amiga jornalista me havia dito que sua coordenadora de jornalismo na TV conhecera Clarice em Bogotá, no tal congresso de bruxas. Em breve comunicação com a coordenadora, lamentei ao saber que ela, a jornalista-chefe, conhecera Clarice por meio de uma literata colombiana, e pouco havia a contribuir em uma eventual entrevista, de forma que seria melhor eu conversar com a hermana letrada. Ainda hoje espero o contato prometido... Muitos tiveram o privilégio de conhecer Clarice. Alguns souberam o que isso significou. Poucos o mereceram.)

 

No livro Inventário das sombras, o crítico carioca José Castello, um dos privilegiados supracitados (da classe dos “merecedores”), dedica uma atenção especial a Clarice. No texto A senhora do vazio, crônica que abre o conjunto de registros sobre grandes escritores, Castello relata uma conversa de bar que, numa mesa estrelada, suscitou a “bruxice” da escritora. Estavam lá, além de Castello, Vinicius de Moraes, sobre quem apresentações são acinte, e os escritores Otto Lara Rezende e Caio Fernando de Abreu. Este, um encantado clariceano confesso, falava sobre o caráter sui generis da escrita de Clarice. Otto Lara se apressou em advertir, percebendo o “hipnotismo” que acometia o colega: “O que Clarice faz não é literatura, e sim bruxaria”.

 

No texto Que mistérios tem Clarice (o uso da sentença é mesmo requerido...),  a escritora Noga Lubicz Sklar fala brevemente sobre a inusitada participação de Clarice no congresso de bruxas. Noga diz que o fato de ela ter sido considerada hermética, inacessível e excessivamente introspectiva (pobres hereges...) foi “receita certa para virar cult”. E, mais adiante, reverbera o incompreensível.            

 

“Bruxa, companheiras, toda mulher é. De que outra forma explicar a magia de sangrar todo mês? Esta capacidade de se renovar, de dançar ao ritmo frenético dos hormônios, de sentir outra vida crescendo dentro de si? De ter um órgão maluco – pra quem não sabe, o clitóris – dedicado somente ao prazer? De pulsar inteira no orgasmo, do coração à cona?”, sustentou Noga, que, na condição de mulher, talvez não perceba que “fada” é um qualificativo mais adequado para aquela esfinge de 1,70m de altura, sensibilidade das sílfides, olhos grandes e redondamente amendoados, boca carnuda, e discreta elegância nas cores – preferencialmente – Vermelho, preto e branco. Noga, Otto, organizadores do congresso colombianos: vocês estão redondamente enganados!

 

Não me digam que fadas e bruxas são a mesma coisa. Ademais, o termo bruxa ganhou tom pejorativo que não combina com uma mulher como Clarice (sei do valor de cada “wicca”, e respeito-lhes a existência – viu? Até admito que existam). Definitivamente, não. E, por favor, não me lancem feitiço. Clarice não concordaria, e eis que já estou ad infinitum encantado por ela (“encantado”, ouviu, Otto Lara?!).

 

Não foi à toa que Caetano, mais um “enfeitiçado”, escreveu e dedicou uma música para Clarice Lispector (Que mistério tem Clarice). Não foi à toa que o um tanto afetado (com o perdão do livre pensar) escrevedor Diogo Mainardi se referiu à mãe de Pedro e Paulo Gurgel como “uma reserva nacional”. Não foi à toa que o mestre Manuel Bandeira, em um laivo lispectoriano, disse que Clarice tinha “peixinhos nos olhos” (ela que amava e ousava perscrutar a alma dos animais). E nem foi à toa que, em entrevista à ucraniana, Vinicius de Moraes interrompeu a conversa e disse: “Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...”. Nada foi à toa em Clarice, vida ou obra. Leia, caro leitor, A maçã no escuro e, caso chegue ao final do livro, diga-me se a aventura foi em vão.

 

* Fábio Góis, 33 anos, é repórter do Congresso em Foco. Com formação em jornalismo cultural, está há oito anos enfeitiçado, sem “salvação”, pela obra de Clarice Lispector, que lhe serviu de inspiração para a monografia final do curso. Assina o prefácio do livro Clarice é preciso, de Washington Araújo.    

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