A menos que prorrogue os trabalhos, a CPI dos Correios não conseguirá rastrear e identificar a tempo as conexões financeiras que o PT manteve com o exterior. Integrantes do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) e do Ministério Público ouvidos pelo Congresso em Foco prevêem que a comissão dificilmente fechará, até novembro, os três elos da investigação externa. Ou seja, mapear a origem dos recursos que abasteceram, nas Bahamas, a conta Düsseldorf - utilizada por Duda Mendonça para receber as dívidas do PT -, saber por que as empresas de Marcos Valério Fernandes remeteram dinheiro para fora do país e, mais ainda, concluir se existia relação entre o que Valério enviou e o que Duda recebeu.
A CPI investiga por que o publicitário recorreu a 23 instituições financeiras e a empresas offshore para receber cerca de US$ 3,5 milhões - R$ 10,5 milhões no câmbio da época - na conta da Düsseldorf Company Ltd., no paraíso fiscal. Em depoimento à CPI há três semanas, Duda declarou que abriu a conta em 2003, a pedido de Valério, para receber uma dívida pela produção do marketing político e pela realização de programas de campanhas petistas em 2002. Entre elas, a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na quebra de sigilo das 51 contas de Valério, a comissão já rastreou pelo menos 15 empresas e doleiros no Brasil que receberam, entre 2002 e 2005, R$ 27 milhões do empresário e podem ter remetido esses recursos para fora do país. As operações de Valério e Duda envolveram instituições bancárias e offshores em cinco países - dos quais, quatro paraísos fiscais. Por intermédio do Coaf, a CPI requisitou informações às autoridades financeiras das Bahamas, do Panamá, do Uruguai e das Ilhas Cayman, países onde estariam localizados os bancos e as empresas utilizados no esquema.
O atendimento a esses pedidos de informações, contudo, demora pelo menos 30 dias. "Todos (os países) demoram", afirma o técnico do Coaf. "O trâmite é muito burocrático", sustenta. "Para conseguir a quebra do sigilo nas Bahamas é muito difícil", exemplifica Celso Três, procurador da República que investigou as operações de remessas de recursos ilegais Banco do Estado do Paraná e que originaram a CPI do Banestado. O país tem boa parte da sua economia atrelada a offshores, empresas que concedem benefícios fiscais e protegem seus verdadeiros donos. "Só se os Estados Unidos usarem de sua influência política", ressalva.
A Polícia Federal (PF) já pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que determine o bloqueio da conta da Düsseldorf. O pedido, que corre sob sigilo, ainda não foi julgado. Se a medida for aprovada, caberá à secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas, ir aos Estados Unidos conversar com as autoridades locais sobre o rastreamento do dinheiro. Embora localizada nas Bahamas, a offshore tem conta na agência do BankBoston de Miami. Segundo o Ministério da Justiça, o publicitário deve ser investigado por crimes eleitorais e por sonegação fiscal.
Boa vontade
Um componente fundamental nessas negociações será a boa vontade política das autoridades judiciárias brasileiras, especialmente do Executivo, responsáveis por fazer a interlocução com os demais países. "Será que o governo brasileiro vai querer investigar os recursos remetidos para fora pelo PT?", pergunta-se Celso Três, ao relembrar que as investigações de remessas de recursos ilegais de Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, só deslancharam após o rompimento dele com o governo Fernando Henrique.
Assim como ocorreu nas investigações do Banestado e de Maluf, as investigações sobre recursos de origem ilícita no exterior precedem, por exemplo, o bloqueio de contas e a repatriação do dinheiro. Por meio de um sistema internacional de informações, o Coaf e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), subordinado à Secretaria Nacional de Justiça, informaram à CPI as movimentações suspeitas.
Contudo, o pedido de quebra de sigilo de contas no exterior e de outras diligências fora do país depende da formulação de cartas rogatórias. Desde a reforma do Judiciário, a competência de conceder as cartas rogatórias mudou do STF para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A julgar pelos números, o STJ ainda não se adaptou à nova atribuição. Entre janeiro e julho de 2005, o tribunal superior recebeu 1.024 pedidos de cartas rogatórias. Nesse período, apenas 56 pedidos foram julgados - cerca de 5,46% do total.